Correio braziliense, n. 19530, 14/11/2016. Mundo, p.14

 

Deportação imediata

Gabriela Freire Valente

 

EUA » Donald Trump anuncia que, assim que assumir a presidência, expulsará 3 milhões de imigrantes em situação irregular. O republicano eleito também define mais dois integrantes da equipe de governo, um deles ligado a grupos que pregam a supremacia branca. 

Donald Trump não esperou que crescessem as dúvidas em torno do cumprimento das promessas feitas ao longo da campanha presidencial americana. Menos de uma semana depois de vencer o pleito que o levará à presidência dos Estados Unidos , o republicano, que tomará posse em 20 de janeiro, avisou que uma das primeiras medidas que adotará à frente da Casa Branca será a deportação de cerca de 3 milhões de imigrantes em situação irregular no país. Trump explicou ao programa 60 Minutes, da rede de televisão CBS, que começará pelos criminosos. “O que estamos fazendo é pegar essa gente que é criminosa e suas fichas criminais, membros de gangues, traficantes, que totalizam 2, talvez, 3 milhões, e vamos tirá-los do país e fazer com que sejam presos”, prometeu.

A entrevista do magnata foi ao ar na noite de ontem, em meio ao quinto dia de uma onda de protestos realizados em grandes centros urbanos contra ele e às expectativas sobre a composição de sua equipe de governo. No fim da tarde, o presidente eleito anunciou a escolha de Reince Priesbus, atual presidente do Comitê Nacional Republicano, para chefiar o seu gabinete na Casa Branca, e de Steve Bannon, editor do polêmico site de extrema-direita Breitbart, para ser seu estrategista e consultor sênior. Enquanto a escolha de Priesbus representa um aceno à unidade partidária em meio às divisões no Partido Republicano, a presença de Bannon na alta cúpula da Casa Branca preocupa ativistas pró-direitos civis por suas conexões com o movimento Alt-Right, ligado a grupos de direita radical que pregam a supremacia branca.

Na conversa com a jornalista Lesley Stahl, do 60 Minutes, Trump reiterou a disposição em seguir com as políticas de imigração controversas que, ao longo da campanha, chegaram a ser consideradas xenófobas. O republicano assegurou a construção de um muro na fronteira com o México, mas considerou que nem todos os trechos serão de alvenaria. “Poderá haver cercas. Mas, para certas áreas, um muro é mais apropriado. Sou muito bom nisso”, disse. Segundo o republicano, depois que a fronteira estiver segura, seu governo fará uma “determinação” sobre o futuro dos cerca de 11 milhões de imigrantes ilegais que vivem nos EUA.

Enquanto Trump demonstra que está estruturando as políticas de governo, o presidente da Câmara dos Deputados, o republicano Paul Ryan, afirmou à rede CNN que um plano de deportação em massa não é prioridade. “Não é nisso em que estamos focados. Estamos focados em tornar a fronteira segura”, garantiu.  Diante do histórico de diferenças entre Trump e Ryan, ainda não está claro como o presidente da Câmara ajudará o futuro chefe de Estado a conseguir o apoio necessário no Congresso para seguir com a agenda. O líder da bancada republicana na casa, Kevin McCarthy, alertou que um plano de deportação em massa será difícil de ser implementado e indicou que há mais disposição entre os legisladores em apoiar o fortalecimento da segurança nas fronteiras. “Eu acho que é muito factível e é uma das coisas que têm de ser feitas”, ponderou, em entrevista à rede Fox News. 

Limitações

Stephen Yale-Loehr, especialista em políticas de imigração e professor de direito da Universidade Cornell, observa que Trump precisará de aprovação do Capitólio para parte de suas propostas, incluindo a construção do muro no sul do país. “Mesmo que os republicanos estejam no controle, tanto da Câmara, quanto do Senado, pelos próximos dois anos, é sempre difícil para o Congresso agir de forma significativa sobre mudanças no sistema de imigração, porque o tema é muito complexo e controverso”, pondera.

O estudioso observa que Trump pode revogar unilateralmente as ordens executivas emitidas pelo presidente Barack Obama sobre o tema, mas que precisará do apoio do Legislativo para ter o orçamento a ser usado em medidas substanciais. “O governo federal é como um porta-aviões; é difícil mudar seu curso rapidamente”, compara. “Além disso, algumas das suas propostas mais controversas, como a criação de um teste ideológico para admissão nos EUA, certamente provocariam desafios constitucionais nos tribunais.”

Para Daniel Palazzolo, cientista político da Universidade de Richmond, o maior desafio de Trump está relacionado aos problemas de liderança que ele enfrenta. “A maioria dos eleitores se opõe às prioridades políticas de Trump: 54% se opõem à construção do muro e 70% acreditam que imigrantes ilegais que trabalham nos EUA deveriam ter uma oferta de legalização de seu status”, recorda. Palazzolo avalia que a alta rejeição do presidente eleito e o fato de ele ter sido derrotado por Hillary Clinton no voto popular não asseguram a legitimidade de suas ações. Embora o especialista acredite que as mudanças propostas por Trump virão, ele pondera que para onde essas medidas levarão o país ainda é uma questão aberta. 

Frase

“Algumas das suas propostas mais controversas, como a criação de um teste ideológico para admissão nos EUA, certamente provocariam desafios constitucionais nos tribunais”

Stephen Yale-Loehr, professor de direito da Universidade Cornell.