O Estado de São Paulo, n. 19544, 28/11/2016. Política, p.4

 

Calero confirma pressão

 

 

CALEROGATE » Pivô da mais recente crise do governo, o ex-ministro da Cultura admite ter feito gravações telefônicas para "se proteger", inclusive, com Temer, que estão sob análise da Polícia Federal. Em coletiva, o presidente da República classificou a atitude como "indigna" e "gravíssima"

O ex-ministro da Cultura Marcelo Calero admitiu que gravou uma ligação telefônica com o presidente Michel Temer, na qual tiveram “uma conversa protocolar”, mas negou tê-lo feito no gabinete do presidente da República. “É um absurdo dizer que não fui leal”, afirmou Calero. “Eu jamais entraria no gabinete presidencial com uma ferramenta sorrateira dessa natureza. Até, por sugestão de alguns amigos que tenho na Polícia Federal, para me proteger e dar o mínimo de lastro probatório, fiz algumas gravações telefônicas”, disse.

“Servidor público tem que ser leal. Não é a mesma coisa que ser cúmplice”, disse. O ex-ministro, porém, reiterou que em conversas anteriores, presenciais, sentiu-se pressionado pelo presidente da República a favorecer o então ministro da secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, quanto à liberação de um empreendimento imobiliário em Salvador. Calero também gravou conversas com outros interlocutores, mas recusou-se a revelar os nomes “para não prejudicar as investigações”.

“A gente vive um momento de passar o Brasil a limpo, cumpri minha obrigação de cidadão”, disse Calero, logo no início da entrevista que concedeu à jornalista Renata Lo Prete, veiculada ontem à noite pelo Fantástico, na TV Globo.

O ex-ministro da Cultura disse que teve três encontros com Michel Temer para tratar do caso do apartamento em condomínio que Geddel comprou na planta, mas foi embargado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Arquitetônico Nacional (Iphan). Na primeira, pediu para falar com Temer por cinco minutos em um jantar com os senadores. Saiu muito satisfeito com a orientação que recebeu, de fazer o que julgasse necessário. “Na primeira ocasião, me senti respaldado (...) O curioso é que, na segunda vez, um dia depois, o presidente me determina que criasse uma manobra, um artifício — uma chicana, como se diz no termo jurídico — para encaminhar o caso”, disse o ex-ministro da Cultura. “Me choca que interesses particulares possam prevalecer dentro do governo”, afirmou.

Segundo Calero, Temer pediu que procurasse uma solução para o problema que contemplasse ambas as partes e sugeriu que o assunto fosse encaminhado à Advocacia-Geral da União. Teria dito que o caso estava provocando dificuldades operacionais para o governo. “Foi uma conversa muito rápida, mas me causou estranheza, sobretudo devido a um comentário de Temer na hora da saída do gabinete: ‘Marcelo, a política tem dessas coisas, tem esse tipo de pressão’”. A próxima conversa já foi para formalizar o pedido de demissão. 

Indignidade

O presidente Temer qualificou a gravação de sua conversa como uma “indignidade absoluta”, na tarde de ontem, durante entrevista coletiva no Palácio do Planalto. Ao lado do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), no começo da tarde, Temer passou pelo constrangimento de ter que explicar o teor das conversas com Calero, mas não escondeu o desconforto com a situação: “Com toda franqueza, gravar clandestinamente é desarrazoável. Um ministro gravar o presidente da República é gravíssimo, quase indigno”, disse. O presidente justificou a conversa com o argumento de que arbitrar conflitos é uma tarefa indispensável para o cargo que ocupa. E disse que a divulgação da gravação serviria “para mostrar que não patrocinei nenhum interesse privado.”

Temer reiterou que é cuidadoso com as palavras e afirmou que jamais falou algo inadequado às suas funções. Explicou que, ao ser procurado pelo ex-ministro da Cultura e ver que havia um conflito entre o Iphan da Bahia e o órgão nacional, pediu que Calero fizesse o melhor nesse caso e informou-lhe que a lei prevê, em casos de conflito, que se ouça a AGU. “Eu estava arbitrando conflitos, que é o que eu mais faço, não é agora na Presidência da República. É ao longo da vida. A coisa que eu mais fiz na vida foi arbitrar conflitos, especialmente agora que cheguei à presidência”, comentou Temer ressaltando seu estilo conciliador.

Temer estuda solicitar ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI) que passe a gravar todas as audiências oficiais em que ele esteja presente. “Aproveitando essa gravação clandestina, talvez façamos desse limão uma limonada institucional”, disse. No depoimento à polícia, Calero afirmou que também foi pressionado pelo ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha. O ex-ministro Geddel Vieira Lima se recusou a comentar a entrevista e disse que agora esse assunto será tratado por seu advogado. Padilha não quis comentar.

Atestado médico para turismo

A coordenadora do Programa de Saúde Bucal do Ministério da Saúde, Patrícia Lima Ferraz, tirou três dias de licença, conjugados com feriado de finados e o fim de semana para viajar a Madri, para, de acordo com ela, fazer um tratamento de saúde. Ao lado de amigas, no entanto, tirou uma série de fotos em pontos turísticos divulgadas em redes sociais. “Tirar fotos todos tiram. Isso não altera em nada minha licença”, disse Patrícia. Integrantes da pasta afirmaram que a viagem não foi comunicada à equipe, o que teria prejudicado os trabalhos. Patrícia é ligada ao PSC do Amapá. Procurado, o ministério afirmou que Patrícia custeou a viagem.