O Estado de São Paulo, n. 19544, 26/11/2016. Política, p.3

 

Pressionado, Geddel pula fora do governo

Julia Chaib e Paulo de Tarso Lyra

 

 

Desdobramento da acusação feita pelo ex-ministro da Cultura tornaram insustentável a permanência do peemedebista, que , em e-mail enviado a Temer, pediu demissão. Substituto ainda não foi escolhido pelo presidente.
Uma semana depois de ser alvejado com denúncias de tráfico de influência pelo colega, o ex-ministro da Cultura Marcelo Calero, um dos braços direitos do presidente Michel Temer pediu demissão da Secretaria de Governo: o articulador político Geddel Vieira Lima. A queda do sexto ministro ocorreu menos de 24 horas depois da divulgação de que Calero disse em depoimento à Polícia Federal que Temer também o enquadrou. O ex-ministro da Secretaria de Governo se sustentou o quanto pôde, mas ontem pela manhã enviou um e-mail a Temer com a carta de demissão na qual ressalta a amizade com o presidente. A ausência de Geddel deixa vazia a cadeira da articulação política às vésperas de votações importantes no Congresso.

A saída de Geddel, que tinha amplo apoio da base do governo, ocorreu em resposta às acusações para tentar estancar a crise e evitar o aumento das pressões sobre o presidente, mas não evitou o turbilhão que já havia se instalado no Palácio do Planalto. “Avolumaram-se as críticas sobre mim. Em Salvador, vejo o sofrimento dos meus familiares. Quem me conhece sabe ser esse o limite da dor que suporto. É hora de sair”, diz Geddel na carta. O ex-titular da Cultura deixou o cargo no último dia 18 acusando Geddel de tê-lo pressionado para conseguir uma liberação no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para construir o empreendimento La Vue Ladeira da Barra, em Salvador.

Na avaliação de um interlocutor político, a saída de Geddel deixou o governo “desestabilizado politicamente e emocionalmente”. Apesar de a pressão da oposição e de as denúncias de Calero terem ganhado força, Geddel conseguiu o apoio público de líderes da base do governo e dos presidentes da Câmara e do Senado. O amparo parlamentar foi o que o segurou no cargo ao longo da semana. Com as denúncias mais próximas de Temer, porém, houve a avaliação de que era preciso que o ministro saísse, como fez o líder do governo no Congresso, Romero Jucá, ao deixar o Ministério do Planejamento em maio, alvo de denúncias. Geddel segue investigado pela Comissão de Ética da Presidência da República.

Na carta de demissão, o ex-ministro inicia o documento endereçado ao “fraterno amigo presidente Michel Temer” e a conclui com “meu querido amigo”. Geddel foi fundamental na articulação para aprovar o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e tem um convívio direto no PMDB com Temer desde quando chegou à presidência do partido, em 2001.

Geddel conversou com Temer na noite de quinta-feira e na manhã de ontem, antes de mandar o e-mail pedindo demissão. “Diante da dimensão das interpretações dadas, peço desculpas aos que estão sendo por elas alcançados, mas o Brasil é maior do que tudo isso. Fiz minha mais profunda reflexão e fruto dela apresento aqui este meu pedido de exoneração do honroso cargo que com dedicação venho exercendo”, afirmou o ex-ministro na carta. Geddel ainda agradeceu o apoio dos parlamentares.

Construção

Na quinta-feira, Temer explicou que se encontrou por duas vezes com Calero no último dia 17, na busca de “arbitrar conflito” entre os ministros. No depoimento à PF, Calero diz que Geddel ameaçou pedir a demissão da presidente do Iphan, Kátia Bogéa, caso não houvesse parecer favorável à construção do empreendimento La Vue Ladeira da Barra. O ex-ministro da Cultura disse ainda que Temer também o pressionou e teria dito que ele “irritou” Geddel. O presidente nega ter pressionado e disse que sugeriu a Calero que levasse o caso à Advocacia-Geral da União (AGU), que tem como atribuição resolver conflito entre órgãos. O parecer do Iphan nacional diverge do relatório Iphan da Bahia, que autorizou o empreendimento.

Na resposta pública, Temer ainda disse ter ficado surpreso com “boatos” de que Calero teria pedido uma reunião para gravá-lo. O ex-ministro da Cultura divulgou ontem uma nota em que nega ter convocado um encontro com o presidente para gravá-lo, mas também não refuta a informação de que tenha as gravações. “Durante minha trajetória na carreira diplomática e política, nunca agi de má-fé ou de maneira ardilosa. No episódio que agora se torna público, cumpri minha obrigação como cidadão brasileiro que não compactua com o ilícito e que age respeitando e valorizando as instituições”, diz Calero, na nota divulgada nesta sexta. O Planalto avalia que, se há gravações, Calero agiu de má-fé. O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, disse que conduzirá investigação a respeito.

A oposição aproveitou a crise para criticar o governo e pedirá o impeachment de Temer na segunda-feira. Já a base buscou mostrar união com o presidente. O presidente do Senado, Renan Calheiros, divulgou nota apoiando Temer e aventando, inclusive, a possibilidade de convocar o Congresso em janeiro, época de recesso, para concluir votações. “As alegações do ex-ministro da Cultura não afetam o Presidente Michel Temer, que reúne todas as condições para levar adiante o processo de transição. As mexidas ministeriais tampouco afetarão o calendário de votações do Senado, que inclui a PEC do limite de gastos e o projeto de abuso de autoridade”, disse Renan.  O presidente do Senado disse ainda entender que “o momento é de ultrapassar falsas polêmicas e assegurar a união em torno de uma agenda”.

Perfil 

De aliado de Lula a inimigo do PT

O agora ex-ministro da Secretaria de Governo Geddel Vieira Lima é filho do ex-deputado Afrísio Vieira Lima e estudou, em Brasília, na mesma sala do líder da Legião Urbana, Renato Russo. Administrador de empresas, pecuarista, cacauicultor, sempre foi filiado ao PMDB, partido ao qual entrou em 1990, fazendo jus ao que prometera ao poeta brasiliense. “Eu vou ser político, como meu pai.”

Foi deputado federal durante cinco mandatos, o primeiro deles em 1991, um ano depois da filiação ao PMDB. Dois anos depois, teve seu nome envolvido no escândalo dos anões do Orçamento, no qual parlamentares manipulavam emendas com a criação de entidades sociais fantasmas ou participação de empreiteiras no desvio de verbas. O esquema era comandado pelo deputado baiano José Alves, que ficou conhecido por ter ganhado 56 vezes na loteria só em 1993. Conseguiu escapar do pedido de cassação.

Entre 2007 e 2010, foi ministro da Integração do governo Lula, em um arranjo feito pelo então governador da Bahia, Jaques Wagner — com quem Geddel rompeu depois —, para fortalecer a presença da Bahia na Esplanada. Em 2008, foi o principal responsável pela eleição de João Henrique para a prefeitura de Salvador. Rompeu com o PT e concorreu contra Wagner ao governo em 2010. Acabou derrotado.

Ainda assim, volta ao Executivo Federal entre 2011 e 2013, durante a presidência de Dilma Rousseff, para se tornar vice-presidente de Pessoa Jurídica da Caixa. Como administrador, exerceu a função de diretor da corretora do Banco do Estado da Bahia (Baneb), entre 1983 a 1984. Neste cargo, Geddel foi acusado de ter se favorecido com rendimentos acima da média em aplicações bancárias. Mas, em 1987, um relatório do Banco Central definiu pelo arquivamento do processo por não haver indícios de irregularidade na atuação do ex-diretor. O caso não foi à Justiça por falta de provas. (PTL)