Correio braziliense, n. 19535, 19/11/2016. Política, p. 2

Preferência por dinheiro vivo

 

Eduardo Militão

 

Quebras de sigilo bancário do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (PMDB), da mulher, Adriana Ancelmo, e do ex-assessor considerado seu operador, Carlos Emmanuel Miranda, mostram compra de bens com “vultosos” pagamentos em dinheiro vivo — mesmo expediente usado pela Andrade Gutierrez para repassar propinas ao peemedebista, segundo relataram executivos da empreiteira. A prática foi considerada suspeita pelo juiz Sérgio Moro, que, assim como o colega Marcelo Bretas, determinou a prisão preventiva do político. Ontem, Cabral passou o segundo dia na cadeia de Bangu 8, na Zona Oeste do Rio, de cabelos cortados e uniforme de presidiário. Ele divide cela com mais cinco presos na Operação Calicute, fase da Lava-Jato que atingiu negócios do ex-governador considerados ilícitos. Um cenário bem diferente do que costumava frequentar em Paris, com farras regadas a espumantes caros e muito guardanapo na cabeça.

Segundo o despacho de prisão do juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Cabral, Adriana e Miranda tinham, “por padrão de conduta a aquisição de bens mediante pagamentos vultuosos em espécie”. Os valores somaram R$ 949 mil entre 2009 e 2015. Sérgio Moro desconfiou. “Pagamentos vultosos em espécie, embora não sejam ilícitos, constituem expediente comumente utilizado para prevenir rastreamento e ocultar transações financeiras”, destacou. “Causa certa estranheza, por exemplo, a frequência de aquisições vultosas de bens móveis em espécie, como as feitas por Adriana Anselmo.”

Além disso, os pagamentos ainda eram feitos de maneira fracionada, em valores abaixo de R$ 10 mil. O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), do Ministério da Fazenda, exige que saques e transferências acima de R$ 100 mil sejam comunicadas imediatamente pelos bancos; as movimentações suspeitas acima de R$ 10 mil, também. Por isso, Sérgio Moro estranhou o fato de as compras serem feitas em parcelas abaixo desse limite.

A então primeira-dama do Rio comprou R$ 56 mil em móveis em uma marcenaria no fim de 2010: uma mesa de trabalho, duas estantes para livros e dois escritórios volantes. Para pagar, pediu que os boletos fossem cancelados, segundo informou a loja ao Ministério Público. Preferiu fazer depósitos em espécie na conta da empresa — alguns no mesmo dia, mas sempre abaixo dos R$ 10 mil. Procedimento semelhante foi feito por Cabral. Durante seis dias em novembro de 2007, recebeu pouco mais de R$ 59 mil em sua conta bancária, divididos em seis depósitos de exatos R$ 9.900, abaixo do limite do Coaf. O escritório de advocacia de Adriana ainda blindou um veículo com sete pagamentos em 15 de agosto de 2014, usando a mesma prática.

Da mesma forma, Carlos Miranda comprou R$ 76 mil em equipamentos de produção de leite em novembro de 2013. Para isso, fez três depósitos abaixo do limite do Coaf na conta do fornecedor no dia 13 e mais seis no dia seguinte.

Para Sérgio Moro, a situação é incomum. “Difícil vislumbrar razão econômica para a fragmentação dos depósitos em espécie em valores abaixo e quase em sua totalidade próximos a R$ 10 mil, sendo a explicação provável, para as operações, a intenção de ocultação e dissimulação, indicativo da origem e natureza criminosa dos valores envolvidos”, avaliou o magistrado.

Segundo os executivos da Andrade Gutierrez, foram pagas propinas para Cabral a partir de contratos da empresa com obras na Petrobras, no Maracanã, na reurbanização de favelas (PAC Favelas), no Arco Metropolitano, em Manguinhos e no Mergulhão de Duque de Caxias. No entanto, todo o pagamento foi em espécie, usando Miranda e outros assessores como intermediários. Sérgio Moro destacou que isso dificulta o rastreamento.
No entanto, o magistrado entende que os pagamentos em espécie são um possível elo com a narrativa dos executivos, que fizeram acordo de delação premiada. “Apesar do rastreamento não ter sido perfeito, a reunião das duas pontas, o pagamento em espécie pela Andrade Gutierrez com os gastos em espécie e com transações estruturadas pelos investigados, constitui um relevante elemento probatório de corroboração dos depoimentos dos quatro colaboradores”, afirmou Moro.

O Correio procurou os advogados de Cabral, mas eles não prestaram esclarecimentos. Ary Berger não retornou os contatos. Daniela Senna disse que não poderia comentar. A defesa de Miranda não foi localizada. Sérgio Moro entende que, se os pagamentos forem legítimos, as defesas poderão explicar isso. “Terão os investigados facilidade, considerando os expressivos valores envolvidos, para as esclarecerem, inclusive o motivo de sua realização dessa forma”, disse.

Guardanapos

A cela de Cabral tem 16 metros quadrados, segundo a Secretaria de Administração Penitenciária. Ele está com mais cinco alvos da Calicute: Miranda, Hudson Braga, José Rabelo, Luiz Paulo Reis e Paulo Fernando Gonçalves. A cela comporta seis camas em três beliches, pia, privada turca e um chuveiro.