R$ 17 milhões por 14 leis

Bárbara Nascimento e Simone Iglesias

11/12/2016

 

 

Odebrecht financiava campanhas de parlamentares que tinham mais peso no Congresso

 

BRASÍLIA- Além de expor nomes chave do governo e do próprio presidente Michel Temer, a primeira das 77 delações feitas por ex-executivos da Odebrecht a vir a público revela que a empreiteira pagou caro para incluir no Congresso emendas em Medidas Provisórias e projetos. O ex-diretor da empreiteira, Cláudio Filho, disse, em delação feita à Operação Lava-Jato, que foram pagos mais de R$ 17 milhões a parlamentares em troca de apoio na aprovação de matérias e inclusão de emendas que favoreciam a Odebrecht. Cláudio Filho cita 14 MPs e projetos que teriam sido modificados ao gosto da empresa. Os pagamentos foram feitos entre 2006 e 2014 para sete parlamentares. Os políticos citados na delação negam recebimento de propina.

O governo e a cúpula peemedebista evitaram comentários públicos, apesar de reconhecerem a gravidade da denúncia, que será tema de reunião emergencial dos aliados hoje.

O principal interlocutor do ex-diretor no Legislativo era o senador Romero Jucá (PMDBRR), líder do governo no Congresso, mas ele relata ter realizado pagamentos também ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEMRJ), ao deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), o senador Eunício Oliveira (PMDB-CE) e o exsenador Delcídio do Amaral.

Segundo a delação, narrada por Filho em 82 páginas, a primeira negociação de que fez parte foi em relação à MP 252, conhecida como MP do Bem e que criava incentivos fiscais para incrementar exportações. O ex-diretor pediu ao então deputado (hoje ex-ministro do governo Temer) Geddel Vieira Lima para que apresentasse uma emenda que atendesse ao pleito da Odebrecht. A empresa queria incluir no projeto um artigo que alterava a forma de incidência de PIS/Cofins. Relator da medida, Jucá conseguiu aprovar a emenda e recebeu, em troca, pagamento “a pretexto de campanha” eleitoral em 2006.

Uma das maiores articulações, no entanto, foi em relação ao projeto de resolução do Senado Federal (PRS) nº 72/2010, que reduzia e uniformizava a alíquota de importação do ICMS de operações interestaduais para acabar com a chamada “guerra dos portos”. O próprio Marcelo Odebrecht levou a questão da guerra dos portos ao então ministro da Fazenda, Guido Mantega, que teria dito que a equipe econômica estava mobilizada para resolver o problema.

Coube a Jucá apresentar um projeto de lei que zerava as alíquotas de ICMS para esse tipo de operação. O projeto só foi votado dois anos depois, em 2012. À época, o senador teria solicitado “apoio financeiro” e recebeu cerca de R$ 4 milhões. Segundo Filho, Jucá teria dito que os recursos não seriam apenas para ele, “mas também, como já havia ocorrido em outras oportunidades, para Renan Calheiros”, segundo trecho da delação. A empresa também pagou R$ 500 mil a Delcídio do Amaral por seus esforços na aprovação do PRS 72/2010.

A empresa ainda pagou mais de R$ 7 milhões pela aprovação, “sem percalços” da MP 613/2013, que tratava de incentivos fiscais à produção de etanol e à indústria química. “Ficou claro na oportunidade que esses pagamentos seriam contrapartidas solicitadas pelo parlamentar para que, mediante a sua atuação e a dos parlamentares já referidos, a aprovação da MP 613 efetivamente ocorresse sem percalços”, diz a delação.

Segundo o relato, o senador Eunício Oliveira teria recebido R$ 2,1 milhões; outros R$ 4 milhões foram pagos para Romero Jucá e Renan Calheiros; entre R$ 1 milhão e R$ 1,5 milhão para Lúcio Vieira Filho; e R$ 100 mil para Rodrigo Maia.

 

GOVERNO E BASE TENTAM CONTER CRISE

O governo e a cúpula do PMDB evitaram comentários públicos após delação do ex-executivo da Odebrecht. Ontem, governistas tentaram apontar “incongruências” nas denúncias, mas reconheciam a gravidade da delação e o potencial desestabilizador para o Planalto e para a cúpula do PMDB no Senado.

Entre os partidos aliados do governo Temer, o clima é de preocupação com a estabilidade do país. Hoje, deputados do PSDB, DEM e PSB se reúnem em Brasília para discutir uma operação de fortalecimento de Temer. Depois do impeachment da presidente Dilma Rousseff, avaliou um tucano, o país não aguentaria uma segunda destituição presidencial, menos ainda uma eleição indireta, em que o presidente seria escolhido por um Congresso em frangalhos.

Os aliados fogem de análises e conjecturas sobre uma antecipação das eleições de 2018 para 2017. Para isso, seria necessária a aprovação de uma emenda constitucional.

— Um impeachment é uma situação muito especial, alongou a crise. Temos que achar um jeito de sair disso— afirmou o líder do PPS na Câmara, deputado Rubens Bueno (PR).

O deputado Marcus Pestana (PSDB-MG) defende uma força-tarefa dos aliados, unindo PSDB, DEM, PSB e partidos do Centrão, dois grupos que, apesar de base de apoio de Temer, têm diferenças políticas na Câmara.

— Temos que partir para um diálogo aberto com o Centrão. Diminuir a temperatura dos pequenos conflitos e pensar de forma conjunta como sair dessa crise. Nosso dever é fortalecer a autoridade de Temer para que a travessia até 2018 seja possível. Se algum acidente de percurso ocorrer, há a possibilidade de antecipar as eleições, mas esta não é a primeira opção e sim, a última— afirmou o tucano.

 

BANCADA DA ODEBRECHT

EX-DIRETOR CLÁUDIO MELO DELATA LIDERANÇAS POLÍTICAS

MICHEL TEMER (PMDB) Apresentado ao delator por Geddel Vieira Lima, em 2005. Em 2014, em jantar no Palácio do Jaburu, segundo o delator Cláudio Melo Filho, Temer pediu a Marcelo Odebrecht dinheiro para o PMDB. O empreiteiro teria decidido pagar R$ 10 milhões, dos quais R$ 6 milhões seriam para a campanha de Paulo Skaf (PMDB) em SP. O restante, R$ 4 milhões, teria sido feito por meio de Eliseu Padilha, no escritório do assessor especial da Presidência e amigo de Temer, José Yunes, em SP

Romero Jucá PMDB-RR CODINOME “CAJU” Seria o principal interlocutor de Cláudio Melo e conhecido como “Resolvedor da República no Congresso”. Seria ainda "representante de Renan Calheiros". Empenhado em atender aos interesses da empreiteira, com a aprovação de projetos de lei, teria recebido R$ 22 milhões ao longo dos anos

Moreira Franco PMDB CODINOME “ANGORÁ” O delator tinha ligação pessoal e profissional com o peemedebista. Moreira teria ainda repassado recado de Marcelo Odebrecht a Michel Temer, sobre conversa com Graça Foster, na qual a ex-presidente da Petrobras questionou sobre doações de recursos para o PMDB

Eduardo Cunha PMDB-RJ CODINOME “CARANGUEJO” Ele não era interlocutor direto da empresa com Cunha. Mas atuava junto ao parlamentar entendendo que o peemedebista também recebia dinheiro da empresa. Segundo o delator, a empresa teria aprovado, em 2010, o pagamento de R$ 10 milhões ao então deputado

Renan Calheiros PMDB-AL CODINOME “JUSTIÇA” Melo conheceu Renan em 2005. Afirma que o presidente do Senado recebeu por meio de um intermediário, Ariel Parente, a quantia de R$ 500 mil, em duas parcelas, além de doações formais de campanha. Segundo ele, Renan atuava em conjunto com Jucá para atender aos pleitos da empresa

Eunício de Oliveira PMDB-CE CODINOME “ÍNDIO” O senador do PMDB teria recebido cerca de R$ 2,1 milhões para ajudar na aprovação da MP 613, que tratava do Regime Especial da Indústria Química, tema de interesse direto da Odebrecht

Rodrigo Maia DEM-RJ CODINOME “BOTAFOGO” Teria atuado na fase final da aprovação da MP 613 e solicitado apoio para saldar pendências da campanha de 2012. Teria recebido em torno de R$ 600 mil. O parlamentar era visto por Cláudio como ponto de interlocução dentro da Câmara na defesa dos interesses da empresa

Eliseu Padilha PMDB CODINOME “PRIMO” Tratado como o principal interlocutor de Temer e da cúpula do PMDB para negociar contribuições a campanhas. Seria um dos três integrantes da cúpula de influência do PMDB na Câmara. Teria recebido R$ 4 milhões, em recursos combinados com Temer durante jantar no Palácio do Jaburu, em 2014

Geddel Vieira Lima PMDB CODINOME “BABEL” Recebeu pagamentos sistemáticos entre 2006 e 2014, não apenas em períodos eleitorais, sendo que R$ 2 milhões, em 2010, saíram do setor de propinas da Odebrecht. Também teria recebido 3% sobre um pagamento feito à empresa pelo Ministério da Integração Nacional Lúcio Vieira Lima PMDB-BA CODINOME “BITELO” Também participou da aprovação da MP 613. O delator concordou em pagar entre R$ 1 milhão e R$ 1,5 milhão pelo apoio, em pagamentos realizados em outubro de 2013. Lúcio é irmão do também baiano Geddel Vieira Lima

 

 

O globo, n. 30442, 11/12/2016. País, p. 03.