Valor econômico, v. 17, n. 4160 26/12/2016. Política, p. A5

Sem regras, eleição indireta volta à pauta

 

Raphael Di Cunto


A partir de 1º de janeiro a renúncia, cassação ou impeachment do presidente Michel Temer (PMDB) levará à eleição indireta de seu substituto. Mas, além da pressão por eleições diretas, saída favorita da população para a crise política que assola o país, a escolha do substituto pelo Congresso Nacional provocaria uma sequência de disputas jurídicas e políticas par diante da inexistência de normas para a eleição.

A situação é semelhante à do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Por ser uma situação atípica - e a mera discussão provocar instabilidade no governo -, o Congresso não atualizou a legislação sobre os crimes de responsabilidade e a forma como são processados. Seguidas disputas em torno do método de votação, prazos, quando de fato ocorre o afastamento do cargo e o papel de cada Casa Legislativa levaram à judicialização de um processo onde cada decisão pode afetar o resultado.

No caso das eleições indiretas a situação é ainda pior. A Constituição Federal diz apenas que, em caso de vacância dos cargos de presidente e vice-presidente da República nos dois últimos anos do mandato, a eleição será feita em trinta dias pelo Congresso Nacional na forma da lei - que nunca chegou a ser editada.

"Haverá uma tensão extraordinária derivada do vazio quanto às normas que deveriam presidir a escolha", diz o deputado Marcos Rogério (DEM-RO), da base de Temer e que protocolou semana passada projeto para regulamentar os procedimentos da eleição indireta. "É urgente o estabelecimento de regras que permitam a imediata construção de respostas políticas para o vazio presidencial."

Uma das principais dúvidas é como será a votação. Pautas votadas pelo Congresso desde 1988, como vetos presidenciais e as leis orçamentárias, são analisadas separadamente por deputados e senadores. Se a Câmara derruba um veto, mas o Senado mantém, vale esta última decisão. Da mesma forma, se uma das Casas aprova um projeto, mas a outra rejeita, ele é arquivado.

No caso de uma eleição com múltiplos candidatos não há regra. Outra questão levantada é que, se a escolha ocorrer separadamente, o voto dos 81 senadores valeria, proporcionalmente, mais do que o dos 513 deputados. Um candidato de fora dos maiores Estados teria mais vantagem nesse modelo. São Paulo, por exemplo, só tem três senadores (menos de 4% dos votos), mas 70 deputados federais (quase 14% dos votos). Num colégio único, onde senadores e deputados teriam peso igual, como defende Rogério em seu projeto, um candidato paulista - como o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), ou o ministro das Relações Exteriores, José Serra (PSDB), levariam vantagem.

Não há regras também sobre quem pode se candidatar. A legislação eleitoral determina desincompatibilização do cargo público meses antes da eleição. Alckmin, se valer esta regra, estaria fora da disputa. Também há prazo mínimo de filiação - uma alternativa como o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa, por exemplo, estaria descartada nestas condições.

Caso avance o impeachment proposto pela oposição contra Temer pelo caso Geddel ou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determine a cassação da chapa Dilma/Temer por abuso de poder econômico, essas regras seriam discutidas e aprovadas com o jogo eleitoral em curso. E mais: caberia aos presidentes da Câmara e do Senado, que controlariam o processo eleitoral, pautarem a votação desse projeto.

A cassação eleitoral, hipótese hoje mais provável que o impeachment, dada a base sólida de Temer no Congresso, levaria ainda a outra discussão. A Constituição diz que a eleição é indireta a partir do terceiro ano de mandato, mas a reforma em 2015 do Código Eleitoral determina - sem menção expressa ao presidente - que cassação eleitoral levará a eleição direta até seis meses do fim do mandato.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) entrou com ação para tornar essa norma inconstitucional para a Presidência, mas o assunto ainda não foi julgado. A decisão ficará com o STF.

Para evitar isso que o deputado Miro Teixeira (Rede-RJ) apresentou proposta de emenda à Constituição (PEC) para eleições diretas em caso de vacância até o último semestre de mandato presidencial. A PEC está travada há seis meses na Câmara, por orientação da liderança do governo, mas Teixeira avalia que, se o cenário político se agravar, a votação atropelaria os prazos regimentais.

"Será nos moldes do Parlamentarismo de 1961", diz, sobre a aprovação, em 12 dias, de emenda à Constituição para que o ex-presidente João Goulart tomasse posse, mas com poderes reduzidos. O decano da Câmara, contudo, percebe movimentações para instituir o parlamentarismo de fato como solução política, iniciativa já defendida pelo PMDB no Senado e por Temer.