Título: Os riscos da cobiça nuclear
Autor: Sabadini, Tatiana
Fonte: Correio Braziliense, 20/11/2011, Mundo, p. 21

Impasse sobre o enriquecimento de urânio pode evidenciar as disputas entre o regime e os aiatolás, além de expor o enfraquecimento político do presidente Ahmadinejad. Especialistas não acreditam no abandono do programa atômico

O programa nuclear iraniano tem meio século, porém nunca provocou tanta polêmica como nos últimos anos. O forte investimento do Irã no enriquecimento de urânio desde a chegada de Mahmud Ahmadinejad à Presidência, em 2005, despertou o temor internacional do desenvolvimento de uma bomba atômica no Oriente Médio. Apesar da pressão das grandes potências, das ameaças de ataque de Israel e do peso de quatro sanções das Organizações das Nações Unidas (ONU), o país se mantém firme no processo atômico. Com um cenário político interno instável e cheio de influências dos líderes islâmicos, o governo se aproveita do isolamento externo para manter a força. No entanto, Teerã pode sofrer consequências, com uma possível nova rodada de restrições.

Segundo um novo relatório da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), o Irã planeja fabricar e chegou a realizar testes específicos com o material radioativo. As revelações causaram indignação no cenário internacional. Antes mesmo de o documento ser divulgado, Israel ameaçava atacar as usinas do regime dos aiatolás. Desde 2006, o governo iraniano enfrenta a pressão internacional e já passou por diversas rodadas de negociação, inclusive com a intervenção do Brasil durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, sem muito sucesso. Teerã continua firme em seus objetivos e declarou diversas vezes que o enriquecimento de urânio tem fins energéticos e pacíficos.

Novas restrições econômicas ou o isolamento do regime aiatolá não devem mudar o rumo do processo nuclear, mas podem afetar internamente o país. "Não há dúvidas de que as sanções da ONU — assim como as medidas unilaterais dos EUA e da União Europeia — tiveram um impacto na economia iraniana. Elas provocaram danos à república islâmica iraniana e aos cidadãos. No entanto, não conseguiram alterar o programa nuclear. Ironicamente, enquanto as restrições ficaram mais duras e mais intensas nos últimos anos, as centrífugas iranianas estão girando mais rápido e produzindo mais urânio", aponta o iraniano Mohsen M. Milani, professor do Departamento de Relações Internacionais e Governamentais da Universidade do Sul da Flórida.

Para Mohammad Marandi, professor da Universidade de Teerã, apesar de isolado por suas escolhas, o governo iraniano conta com o apoio da população no investimento das usinas nucleares. "É importante ressaltar que o programa nuclear começou há quase 60 anos, antes mesmo da Revolução Islâmica. De fato, europeus e norte-americanos ajudaram a construir as bases no Irã. Depois da mudança de governo, deixaram de apoiar o país. Os iranianos afirmam ter gastado milhões de dólares e investido no treinamento de pessoas. O país também pretende diminuir sua dependência do petróleo e aumentar as exportações", aponta o especialista iraniano.

Firme em relação ao programa nuclear, o governo iraniano tenta manter a mesma estabilidade no plano doméstico. Depois de um processo eleitoral polêmico e de denúncias de violações de direitos humanos, o Irã enfrentou um levante em 2009 e conseguiu manter a ordem, sobrevivendo à Primavera Árabe. As disputas entre o fundamentalista conservador, Ahmadinejad, e o líder espiritual supremo, Ali Khamenei, trouxeram incertezas sobre o futuro político do país. Nos últimos dias, o aiatolá chegou a dizer que o regime deveria passar por mudanças e voltar ao sistema parlamentarista, com um premiê no poder. O impasse internacional pode trazer à tona ainda mais a separação das facções no país.

Liderança espiritual Segundo William O. Beeman, professor do Departamento de Antropologia da Universidade de Minnesota e especialista em Oriente Médio, o que está em jogo não é apenas o cargo de Ahmadinejad, mas o papel do líder espiritual. "O Irã possui uma doutrina religiosa muito forte e o aiatolá é chamado de "faqih" ou chefe de jurisprudência, que verifica se o governo é realmente islâmico. As eleições parlamentares de 2012 e as presidenciais, em 2013, podem trazer grandes mudanças na forma de governar no Irã", afirma o pesquisador americano.

Mesmo com uma postura aplaudida pela maioria da população diante de suas decisões no meio internacional, Ahmadinejad tenta controlar o governo sem sobressaltos. "O que está bastante claro é que o presidente não tem a mesma influência política e o poder que já teve. Seus confrontos com o aiatolá o enfraqueceram e fizeram com que muito de seus oponentes, tanto da esquerda quanto da direita, criticassem duramente suas políticas. Seus confidentes mais íntimos foram acusados de fraude e de corrupção. O ataque combinado contra ele é formado para garantir que ele e seus apoiadores não tenham poder real quando o seu segundo mandato terminar. Ele é virtualmente um presidente em fim de mandato", conclui Milani.