ENTREVISTA - Marcelo Caetano

Marcelo Caetano

11/12/2016

 

 

Para secretário da Previdência, proposta precisa ser aprovada na íntegra para que não seja necessário fazer novas mudanças nas regras de aposentadoria nos próximos anos. Caetano pondera que, por mais ampla que seja a reforma elaborada pelo governo, ela não será capaz de acabar com déficit previdenciário, mas trará alguma estabilidade no comportamento das despesas do país

 

“Se a gente começa a abrir mão de algumas coisas ou muitas coisas, o poder de economia da reforma se dilui muito ao longo do tempo e vai acabar sendo necessária outra reforma daqui a alguns anos”

 

Apesar de ser recheada de medidas duras e que vão enfrentar resistência na sociedade, a reforma da Previdência Social precisa ser aprovada na íntegra. Caso contrário, se transformará num Frankenstein. A avaliação é do secretário da Previdência, Marcelo Caetano. Em entrevista ao GLOBO, ele afirmou que as novas regras para aposentadoria foram amarradas para funcionarem juntas e que não se pode simplesmente “trocar uma coisa por outra”. Embora o governo já tenha recuado em alguns pontos, como retirar policiais militares e bombeiros da reforma, Caetano disse que essas categorias podem voltar à PEC na tramitação no Congresso.

 

O que é mais sagrado na reforma?

Do que o governo não abre mão? Todos os aspectos são muitos relevantes. Estamos alterando a regra de acesso, fórmula de cálculo e também pensões por morte. Se a gente começa a abrir mão de algumas coisas ou muitas coisas, o poder de economia da reforma se dilui muito ao longo do tempo e vai acabar sendo necessária outra reforma daqui a alguns anos.

 

As centrais sindicais defendem uma idade mínima de 65 anos só no futuro. Isso seria possível?

O item que mais chama a atenção e representa uma mudança mais forte de paradigma é a instituição de uma idade mínima. Mas, quando a gente institui uma idade mínima de 65 anos, isso não vai acontecer da noite para o dia. Ela vai valer para aquelas pessoas que, hoje, têm menos de 50 anos (homens) e 45 anos (mulheres). Só vai entrar em vigor de fato daqui a 15 anos, 20 anos. Ainda vai demorar um pouco, e muitas pessoas vão se aposentar com menos de 65 anos.

 

O governo topa negociar a idade mínima?

O desenho de um plano previdenciário é uma grande engrenagem, em que você tem vários pontos que têm que ter uma coerência entre si, como, por exemplo, idade e fórmula de cálculo. É difícil falar qual ponto a gente pode abrir mão porque é como se a gente tivesse vários blocos empilhados. Se você tirar um, é preciso ter cuidado para colocar outro e ver se o todo ainda fica consistente. As pessoas podem ter uma ideia falsa de que é simplesmente trocar uma coisa por outra e fica tudo bem. A comparação que eu faço é: não façam da reforma um Frankenstein.

 

Para quem começa a trabalhar aos 16 anos, idade mínima de 65 anos não é excessiva?

Acho que 65 anos são razoáveis hoje em dia, porque isso não é para amanhã. Se a gente começar a ceder mais nesse limite, a economia vai deixar de existir, e a sustentabilidade do regime vai voltar a ficar comprometida. Se você ceder na idade, vai ter que compensar com outras coisas, na pensão ou na fórmula de cálculo ou no benefício assistencial. Ceder nesse ponto pode ser uma questão de insolvência porque a questão é a montagem do castelo de cartas, da engrenagem.

 

Com a reforma, quando a situação da Previdência começa a melhorar?

Com a reforma, a gente consegue ter alguma estabilidade de despesa nos próximos anos. Mas não vamos conseguir acabar com o déficit por mais ampla que a reforma seja.

 

Nunca?

Do jeito que está, não dá. Mas você consegue ter uma trajetória de despesa não tão explosiva.

 

Quais mudanças trarão benefícios mais imediatos?

O que traz impacto mais rápido são a regra de acesso, o pedágio e as pensões por morte. A fórmula de cálculo do benefício leva mais tempo para ser solidificada. No longuíssimo prazo, as três regras têm impactos mais ou menos semelhantes, na faixa de dois pontos do Produto Interno Bruto (PIB), mais ou menos.

 

A vedação ao acúmulo de benefícios não é uma medida polêmica?

Pode cair no Congresso?

Tudo o que a gente fez é polêmico. Você encontra alguns países em que você escolhe o que for mais alto, se a aposentadoria ou pensão, como nos Estados Unidos, por exemplo. Como as pensões no Brasil são um ponto fora da curva, e a gente gasta bem mais que outros países, precisamos fazer alguns ajustes para poder equilibrar o gasto com esse tipo de benefício.

 

Retirar PMs e bombeiros da PEC não foi um equívoco?

Como resolver agora a questão dos estados?

É possível que eles sejam incluídos na PEC durante as discussões da comissão especial (que vai analisar o tema). Do ponto de vista dos estados, esse é um grupo que faz diferença no regime de aposentadoria.

 

Faltou ouvir mais a sociedade civil antes de enviar a reforma?

Não. A gente realizou várias reuniões com centrais sindicais, com Dieese, com vários grupos da sociedade, de categorias especiais, governadores e secretários de Fazenda dos estados.

 

Qual a diferença entre esta reforma e as anteriores?

Ela é muito mais abrangente. As anteriores foram importantes, mas foram mais marginais. A do Lula (ex presidente Luiz Inácio Lula da Silva) só afetou servidores públicos e, mesmo assim, os novos. Agora, tem uma diferença fundamental porque a gente está focando na convergência de regras. FH (ex-presidente Fernando Henrique Cardoso) tentou e não conseguiu. Estamos tentando fazer uma coisa que unifica para todo mundo. Outro aspecto importante é que a gente não está tendo uma visão meramente da administração atual. Ou seja, vamos passar grande parte de 2017 em processo de discussão. Os benefícios da reforma só começam a ser sentidos a partir de 2018 e, ainda assim, de forma mais tímida. O próximo governo é que começa a colher de fato os benefícios dessa reforma. Por isso, digo que é uma reforma de Estado.

 

Por que as regras de transição são mais favoráveis para os servidores?

Quando você está transformando um regime heterogêneo em homogêneo, você não pode imaginar uma regra de transição igual para todo mundo. As pessoas já reclamam das regras de transição que existem há 20 anos. Imagina se eu dissesse que a partir de amanhã está todo mundo igual? Você tem pontos de partida que são distintos e que eu tenho que respeitar.

 

 

Não é complicado para um trabalhador receber na aposentadoria só o teto do INSS? (de R$ 5.189)

É muito difícil para um cidadão brasileiro receber o teto do INSS, porque quase ninguém ganha isso. Olhando a realidade do mercado formal de trabalho, 95% estão abaixo.

 

Mas com a mudança na fórmula de cálculo, dificilmente alguém conseguirá receber benefício integral...

A taxa de reposição é praticamente a mesma com o fator atual (que reduz o valor do benefício para quem se aposentar mais jovem). Claro que não pelo fator 85/95 (somando idade e tempo de contribuição para mulheres e homens terem direito à aposentadoria integral). Ou seja, hoje você já não recebe o benefício integral. Você não vai conseguir nunca manter a Previdência sustentável se ficar repondo o salário das pessoas em 100%. No fundo, ele deveria ser menor. (A PEC propõe 51% da média das remunerações, mais 1 ponto percentual a cada ano de contribuição adicional). Ele está alto. O que a gente deveria fazer é dificultar e não facilitar, até porque o único gasto maior que você tem ao se aposentar é com saúde. A despesa com alimentação diminui porque você não precisa comer fora, com transporte há até gratuidade.

 

Qual é a sua previsão para aprovação da PEC no Congresso?

O ideal seria aprovar até julho, setembro de 2017.

 

Quais são os próximos passos?

Agora é aprovar a reforma. Depois vamos ter que regulamentar a contribuição para o trabalhador rural. Acho que vai dar um pouco de trabalho. Ele terá que fazer uma contribuição individual, e a alíquota poderá ser de 5% sobre o salário mínimo.

 

 

 

O globo, n. 30442, 11/12/2016. Economia, p. 37.