Reforma deve fazer país poupar mais e turbinar crescimento

Marcello Corrêa

11/12/2016

 

 

Mais recursos nos bancos podem ajudar a retomar investimentos

 

As regras mais duras propostas pelo governo para a Previdência forçarão o brasileiro a poupar mais para manter o padrão de consumo, o que pode ajudar o país a crescer no longo prazo. Segundo economistas, o fenômeno será efeito de um dos pontos mais impopulares da reforma: se o texto for aprovado, se aposentar com benefício integral será muito mais difícil. Diante das mudanças, a expectativa é que os trabalhadores passem a guardar dinheiro enquanto estão na ativa para complementar a renda na velhice. O resultado esperado é que os recursos ajudem a financiar obras e outros projetos, elevando o nível de investimentos no Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país).

Um dos argumentos para apostar nessa tendência é o fato de que ela já ocorre em outras partes do mundo. De acordo com especialistas, as famílias tendem a poupar mais em países com sistemas previdenciários menos generosos.

Na Coreia do Sul, por exemplo, os benefícios pagos a homens aposentados equivalem, em média, a apenas 45% dos salários na ativa, segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Enquanto isso, a soma das poupanças de famílias, empresas e governo — a chamada taxa de poupança — chegou a 36,2% do PIB, segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) de 2015. No Brasil, onde benefícios da Previdência equivalem a 76,4% dos salários, a taxa de poupança era de 15,9% naquele ano.

A China é outro exemplo. Até 2011, o país não tinha um regime nacional unificado, o que aumentava a necessidade de guardar dinheiro para complementar a renda na aposentadoria. A taxa de poupança chinesa era de 47,9% em 2015.

— Tenho certeza de que a taxa de poupança vai aumentar com a reforma da Previdência. O sistema previdenciário é um dos maiores determinantes da taxa de um país. A China tem a mesma renda per capita e níveis desigualdade parecidos. Eles poupam quase 50% e a gente, só 15%. O que seria diferente? É o sistema previdenciário — avalia o economista Samuel Pessoa.

Na média, países asiáticos tinham taxa de poupança de 36%, segundo levantamento do economista Carlos Langoni, ex-presidente do Banco Central e diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas (FGV). Na América Latina, a média era de 18,1%.

— A diferença de taxa de poupança entre as duas regiões é enorme. Pode-se dizer que na América Latina a rede de proteção da Previdência é mais ampla e expressiva do que na Ásia. É a nossa herança paternalista. Isso ajuda a explicar parte das diferenças, mas existem outros fatores como crescimento de renda real, maior na Ásia, e tributação sobre lucros das empresas, mais elevada na América Latina, além de elementos culturais — destaca Langoni.

Para o economista Ricardo Brito, professor do Insper, o sistema previdenciário contribui para que o brasileiro seja pouco incentivado a fazer uma poupança adicional. Em um conjunto de simulações, o especialista chegou à conclusão que apenas as famílias com renda superior a 20 salários mínimos — ou 2,1% dos domicílios brasileiros — têm necessidade de acumular patrimônio para manter o padrão de consumo na aposentadoria.

— A gente vive ouvindo que o brasileiro é imprevidente. Mas, dado o sistema de Previdência atual, o comportamento de baixa poupança do brasileiro é racional. Talvez seja imprudente na medida em que uma promessa tão generosa não é factível — defende Brito, que considerou nas simulações um cenário ideal, sem saques ao FGTS ao longo da vida profissional, por exemplo.

 

DÉFICIT PÚBLICO É ENTRAVE

A renda apertada é o risco mais evidente para que a expectativa de alta da poupança não se concretize, alerta Luis Otavio Leal, economista-chefe do banco ABC Brasil. Com baixo poder de compra, muitas famílias podem simplesmente não reunir condições para guardar para o futuro.

— A economia tem que crescer para você ter condições de poupar. Se você tem uma renda que não dá condições nem para pagar as contas, o que vamos ter será um contingente de pessoas desassistidas — destaca.

O nível de poupança é um dos indicadores mais importantes sobre a capacidade de um país crescer. Segundo Leal, uma elevação de um ponto percentual na taxa de poupança costuma ser acompanhada por uma alta na mesma proporção da taxa de investimento. Em 2010, quando a economia brasileira cresceu 7,5%, a taxa de investimentos estava em 21,5% e a taxa de poupança, em 19,6%. A recessão derrubou os dois indicadores, hoje em 16,5% e 15,1%, respectivamente, segundo os dados mais recentes do IBGE.

Com menos dinheiro guardado pelas famílias, empresas e governo, a opção para crescer é buscar recursos no exterior. O problema é que isso tende a gerar desequilíbrios na economia, explica Leal.

— Hoje, nossa única forma de aumentar investimento é tendo déficits grandes em transações correntes. Sem poupança, quanto mais o país crescer, mais vai ter rombo nas contas externas. Isso vai gerar impacto maior sobre câmbio, inflação e, para controlar isso, taxas de juros mais altas. A gente fica num ciclo vicioso. No final, nossa baixa poupança acaba gerando uma possibilidade limitada de crescimento. É por isso que temos surtos de voos de galinha — resume o especialista.

Para que esse cenário seja revertido, não basta que as famílias poupem mais. Estimativa do economista Carlos Rocca, do Centro de Estudos do Instituto Ibmec, mostra que a taxa de poupança do setor público está negativa em 7,1%. Ou seja, com a crise fiscal, o governo gasta mais do que guarda, o que também limita a capacidade de crescimento do país.

A reforma da Previdência tem potencial para garantir uma economia de gastos públicos, mas especialistas destacam que é preciso um reequilíbrio mais profundo das contas do governo para que a capacidade de investir seja retomada a pleno vapor.

— Nossas famílias não são radicalmente diferentes das famílias de outros países. O que é radicalmente diferente é o nosso Estado. Vamos supor que não estivéssemos gastando mais de 8% do nosso PIB com déficit nominal e pudéssemos redirecionar para o investimento. Estaríamos em outro mundo. Em vez de investirmos algo residual em infraestrutura, 1,75%, poderíamos investir de 6%a 7% — afirma o economista Claudio Frischtak, sócio da Inter B. Consultoria.

 

 

 

O globo, n. 30442, 11/12/2016. Economia, p. 38.