Valor econômico, v. 17, n. 4157, 21/12/2016. Política, p. A6
Renegociação das dívidas dos Estados sem contrapartidas passa na Câmara
 
Raphael Di Cunto
Fabio Murakawa
Lucas Marchesini
 

A Câmara dos Deputados aprovou ontem o projeto de lei da renegociação das dívidas dos Estados com a União, com a exclusão de quase todas as contrapartidas defendidas pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, sob o argumento de que o desgaste de aprovar medidas que congelarão salários e cortarão benefícios dos servidores estaduais cabia os governadores e assembleias legislativas.

No capítulo que afetará todos os Estados em troca do alongamento do prazo para pagar as dívidas com a União, além das reduções nas parcelas até 2018, restou apenas a regra que limitará por dois anos o crescimento das despesas gerais dos Estados à inflação. Na prática será um congelamento dos gastos, a exemplo do que ocorrerá com a União, mas por um período bem mais curto - o governo federal estará sujeito à regra por pelo menos dez anos.

Já o Regime de Recuperação Fiscal, versão da Lei de Falências para os Estados, suspenderá o pagamento das dívidas por três anos. O Rio de Janeiro, por exemplo, reduzirá seus custos em R$ 7 bilhões por ano com a medida, que visa também Rio Grande do Sul e Minas Gerais, hoje os com maior dificuldade financeira.

Em troca do alívio maior, o projeto estabelecia regras mais duras que o regime geral. Quem aderisse teria que suspender reajustes salariais já acertados - os demais Estados só estariam proibidos de dar novos aumentos - e reduzir incentivos fiscais e tributários - que os outros só não poderiam ampliar. Praticamente todas saíram da lei. As contrapartidas dependerão agora da negociação individual de cada Estado com a União, jogando o desgaste e as pressões sobre o acordo para o governo federal e governadores que já demonstram dificuldade de aprovar o ajuste fiscal.

O ministro da Fazenda pediu calma nas avaliações sobre o resultado da votação e disse que ainda estuda se recomendará a sanção ou o veto ao presidente Michel Temer. "Estou vendo comentários sobre como 'perdemos oportunidade histórica'. Também não é assim. Não há dúvida de que, do nosso ponto de vista, se a lei já dissesse o que o Estado tem que cumprir, seria mais fácil", disse. Mas ponderou que caberá à Fazenda recomendar ou não a aprovação do plano dos Estados e ao presidente aceitar.

Em nota, a Fazenda ressaltou dois pontos excluídos pelos deputados que considerava importantes - a definição de qual seria a situação dos Estados para torná-los elegíveis ao regime de recuperação fiscal e as condições que teriam que cumprir para readquirir a solvência fiscal e financeira -, mas destacou que só serão aceitos os planos "que, de fato, viabilizem esse equilíbrio".

O governo tentou, ao longo de todo o dia, impedir a aprovação, articulada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), juntamente com líderes da base e da oposição, além de governadores. A avaliação era que se a votação ocorresse em fevereiro, com quórum mais alto, seria possível manter algumas contrapartidas.

O líder do governo, André Moura (PSC-SE), recomendou a deputados governistas que não registrassem presença e, por mensagens aos partidos, orientou o esvaziamento da sessão. Pela manhã, após reunião com Meireles, ele disse que as alterações "realmente inviabilizariam o projeto" e resolveriam apenas pontualmente o problema, que voltaria a ocorrer mais tarde.

Parte da base, em especial a bancada da bala, que era contrária às contrapartidas e tentava impedir a votação, mudou de postura quando percebeu a estratégia do governo. "Suplico aos partidos em obstrução que desistam. Não vamos deixar para fevereiro porque aí o governo vem com o bloco para arrebentar e aprovar o projeto do Senado", afirmou o deputado Major Olímpio (SD-SP). O Senado atuou na contramão dos deputados e, além de reincluir as contrapartidas excluídas pela Câmara, ainda apresentou outras dentro do regime especial.

Maia insistiu na votação e, após acordo com a oposição para retirar mais contrapartidas, como a responsabilização dos gestores públicos que descumprirem as regras do Regime de Recuperação Fiscal e regras mais específicas para privatização de estatais dos Estados, conseguiu aprovar o texto. Moura, que é desafeto do presidente da Câmara, foi um dos 296 deputados que votaram a favor - apenas 12 foram contrários -, mas não discursou nem manifestou a posição do governo em plenário.

O presidente da Câmara chegou a criticar, enquanto presidia a sessão, a postura do ministro da Fazenda e a possibilidade de os deputados aprovarem, na última sessão antes do recesso, um aumento na contribuição previdenciária dos servidores estaduais, como estava proposto. "Estamos ouvindo o Ministério da Fazenda, mas não precisamos dizer amém", afirmou. Ele consultou o presidente Michel temer, que teria liberado a votação.

Relator do projeto, o deputado Esperidião Amin (PP-SC) afirmou que o texto da Câmara avançava sem invadir direitos de servidores ou prerrogativas dos entes federados. "Se formos derrotados, o governo haverá de dar outra solução, mas sem a cumplicidade do Congresso Nacional", disse. "A versão do Senado é draconiana", criticou.

À noite, Meirelles negou que tenha trabalhado, junto com o líder do governo, para não aprovar o texto. "Não fiz reunião com líderes, não é o papel do ministro da Fazenda, e não negociei nada. Fizemos uma recomendação, [pois] julgamos adequado o projeto aprovado pelo Senado", disse.

Além das dívidas com a União, o texto permitirá alongar R$ 9 bilhões em débitos de companhias habitacionais com o FGTS.

Questionado se o resultado não mostra que o governo terá dificuldade para aprovar a reforma dá Previdência, Maia afirmou que a proposta será aprovada porque é necessária para garantir o pagamento dos benefícios no futuro. (Colaboraram Rafael Bittencourt, de Brasília, e Rafael Moro Martins, para o "Valor", de Curitiba)