Renan em novo contra-ataque

Cristiane Jungblut e Maria Lima

14/12/2016

 

 

Denunciado pelo MP, senador busca apoio para votar projeto que foca juízes e procuradores

 

-BRASÍLIA- Menos de 24 horas depois de ser denunciado pelo Ministério Público Federal por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), mostrou suas armas. Com apoio de aliados do PMDB, afetados pela delação do executivo da Odebrecht Cláudio Melo Filho, Renan deflagrou articulação para tentar votar projeto que pune crimes de abuso de autoridade, com foco na atuação de juízes e promotores. Sem conseguir acordo para votar ontem, Renan não desistiu do revide. Continuará com a pressão até amanhã, quando o Congresso encerra os trabalhos.

Renan pressionou os colegas a votar o projeto da Lei de Abuso de Autoridade, mas sentiu que não havia respaldo da maioria do plenário à sua manobra. Ontem, ele voltou a defender o projeto.

—É o plenário que decide se vai votar o abuso. Não preciso dizer que o Brasil está precisando muito de uma lei para conter o abuso de autoridade. O povo não concorda com o abuso de autoridade. Pesquisa recente do Paraná Pesquisas estabeleceu que 70% são contra o abuso e pela aprovação da lei — disse Renan.

Ao final da votação da PEC do teto dos gastos, Renan avisou que votaria tudo que estivesse na pauta, e o relator do projeto de abuso de autoridade, Roberto Requião (PMDBPR), confirmou que o presidente do Senado o avisou que botaria seu parecer em votação ainda ontem, o que acabou não acontecendo. Em acordo com Renan e falando em nome do PMDB do Senado, o ex-presidente da Casa Jader Barbalho (PMDB-PA) fez um duro discurso defendendo a votação da lei que pune o abuso de autoridade. Jader criticou o vazamento das delações não homologadas e acusou os juízes de quererem ter mais poder que na época da ditadura, com o Ato Institucional número 5.

— Acusa-se o Congresso de querer travar a Lava-Jato para atrapalhar as investigações. Onde está travada (a Lava-Jato)? Esse é o momento de reagir. Depois que esse Congresso estiver totalmente avacalhado (vamos reagir)? Não sou contra a Operação Lava-Jato. O que fico espantado é que não só Vossa Excelência mas o Congresso foram acusados de impedir dez medidas contra a corrupção. Como? Onde essa operação já foi prejudicada ou interrompida? — discursou Jader.

O senador disse que o autor, há nove anos, de proposta semelhante foi o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki. E provocou os magistrados, querendo saber as razões de tanta reação à proposta:

— Com medo de quem o pessoal da Lava-Jato e outros julgadores estão? Afinal, a lei diz que são os colegas juízes que vão julgar. Então, estão com medo que os colegas os condenem por excessos? Querem poderes que nem os militares tiveram com o AI-5!

O líder do PT, senador Humberto Costa (PE), disse ao GLOBO que foi sondado para saber se ele garantiria os votos do partido ao projeto de abuso de autoridade. Costa respondeu aos emissários de Renan que os senadores de seu partido querem aprovar o projeto, mas só vão “colocar a cara” se ele garantir o voto de 41 senadores.

— Fomos procurados duas vezes e continuamos defendendo a aprovação do projeto. Se for à votação, vamos votar a favor, mas desde que tenha voto garantido de 41 senadores. Não queremos ficar sozinhos. O PSDB, que está com o japonês batendo à sua porta, diz que não vota. Eles querem que aprove, mas não vão botar a cara. Só nós vamos botar a cara e nos desgastar? — disse Humberto Costa.

O presidente do Senado negou que a votação seja uma retaliação às denúncias contra políticos, mas atacou o Ministério Público:

— O Ministério Público se perdeu na condução política. Quando você tem um Ministério Público fazendo política, ele perde a condição de ser fiscal da lei. Temos esse problema no Brasil.

Réu por peculato e citado na delação de um dos ex-executivos da Odebrecht, Renan acusou o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e o Ministério Público de só fazerem política, e disse que as denúncias contra ele foram “feitas nas coxas”. Renan disse que as ações do Ministério Público são “contra o Senado” porque a forçatarefa da Lava-Jato inclui promotores que foram rejeitados pela Casa para vagas nos conselhos da Justiça.

— Essas outras denúncias, como aquelas, são denúncias apressadas, feitas nas coxas, que demonstram o caráter político do Ministério Público, de vendeta, de vingança, porque o Senado rejeitou três nomes da força-tarefa. Não há sequer acusador: a empresa negou que tivesse feito doação, o deputado negou que tivesse falado em meu nome. Então, essa denúncia vai ter o mesmo destino das outras denúncias: será arquivada. Porque nunca cometi crime, irregularidade e sempre tive muito cuidado com a minha vida pública e com a minha vida pessoal. Estou sob devassa há nove anos — afirmou Renan.

O peemedebista ainda classificou de “absurdas” as acusações contra ele feitas pelo delator da Odebrecht.

— Você tem delações e delações. Você tem o nome citado porque alguém interpretou que alguém falaria em seu nome, isso é um absurdo. Isso só serve para alimentar um noticiário e para permitir um prejulgamento das pessoas. Pelo amor de Deus! Temos que separar o joio do trigo — defendeu.

De acordo com a PGR, os três procuradores citados pelo presidente do Senado não atuam na força-tarefa. Nicolao Dino é vice-procurador-geral eleitoral desde o primeiro semestre deste ano. Vladimir Aras é secretário de Cooperação Jurídica Internacional, e Wellington Saraiva é assessor constitucional do gabinete do procurador-geral. Ele tem como atribuição analisar os aspectos legais dos processos.

Questionado se se sentia perseguido, Renan disse que foi o grande prejudicado pelo STF, quando foi afastado em liminar pelo ministro Marco Aurélio Mello e se negou a receber a notificação. O presidente do Senado acabou vitorioso no plenário do Supremo.

— Fiquei exposto, fizeram meu julgamento prévio e paguei um preço muito grande, juntamente com a minha família. Um ministro do Supremo afasta, numa decisão monocrática, um presidente do Legislativo, precisando de dois terços. É óbvio que isso não se sustentaria. Então, não houve ganhador, houve perdedor. E esse perdedor fui eu — disse ele.

Renan atacou também o juiz Sérgio Moro, lembrando a participação do magistrado da 1ª Vara Federal de Curitiba em debate sobre a Lei do Abuso: — Quando Sérgio Moro esteve aqui, fiz uma pergunta sobre o artigo que ele havia escrito há 12 anos, analisando a Mãos Limpas, se ele mantinha aqueles pontos de vista, e um deles que dizia que era preciso vazar delação para a imprensa amiga para minar a credibilidade do sistema político representativo. Neste patamar, é muito difícil priorizar a democracia, robustecê-la.

Renan disse que o Senado não é fator da crise, e, assim como o presidente Michel Temer, cobrou a divulgação das delações.

— Não conhecemos o teor das delações, são vazadas seletivamente para permitir um prejulgamento — afirmou.

A PGR não quis comentar as declarações de Renan.

 

“O Ministério Público se perdeu na condução política. Quando você tem um Ministério Público fazendo política, ele perde a condição de ser fiscal da lei”

Renan Calheiros

Presidente do Senado

 

 

O globo, n. 30445, 14/12/2016. País, p. 03.