Presidente do TCE é suspeito de comandar esquema de propinas

Chico Otavio

14/12/2016

 

 

Jonas Lopes, seu filho e um operador foram levados à PF sob condução coercitiva

 

A sessão de ontem do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE), última do ano, foi marcada pela ausência do presidente da casa, Jonas Lopes de Carvalho. Enquanto os demais conselheiros julgavam os casos pendentes, Jonas estava depondo na sede da Polícia Federal, na Praça Mauá, para onde foi levado sob condução coercitiva. O presidente do TCE, seu filho, o advogado Jonas Lopes de Carvalho Neto, e o operador Jorge Luiz Mendes Pereira da Silva, o Doda, foram alvos da Operação Descontrole, da PF, que investiga o envolvimento de conselheiros do tribunal em esquema que envolve empreiteiras no pagamento de propinas em troca da aprovação de obras.

A operação, autorizada pelo ministro Felix Fischer, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), teve como base as delações premiadas dos empresários Ricardo Pernambuco Beckhauser e Ricardo Pernambuco Beckhauser Filho, donos da construtora Carioca Engenharia. Eles revelaram detalhes sobre o pagamento das propinas, estimadas em 1% do valor das obras.

O filho de Jonas, conhecido por Joninhas, e Doda seriam os responsáveis pelo recolhimento do dinheiro. Mas Pernambuco Júnior cita nominalmente o presidente do TCE como negociador direto dos pagamentos. Jonas teria cobrado da empresa cinco parcelas de R$ 200 mil.

Doda, ex-funcionário do tribunal e dono da DRJ Projetos e Consultoria Financeira, chegou a ser citado na CPI da Alerj que investigou o TCE no passado. Ele atuou no mercado financeiro e trabalhou no governo Marcello Alencar (19951999). Foi levado para o tribunal pelo conselheiro Marco Antônio Alencar, filho de Marcello.

 

ANDRADE GUTIERREZ TAMBÉM PAGOU

O mesmo esquema também funcionou para a construtora Andrade Gutierrez. Reportagem publicada pelo GLOBO em 22 de junho deste ano revelou que a delação de Clóvis Renato Primo, ex-executivo da construtora Andrade Gutierrez, citava a mesma taxa de 1%, cobrada pelo TCE ao consórcio que executou a reforma do Maracanã para a Copa do Mundo de 2014.

Primo diz que houve um pedido de Wilson Carlos, então secretário de Governo da gestão Sérgio Cabral e um dos presos da Operação Calicute, para que fosse pago o 1% ao tribunal. Na época da denúncia, 21 dos 22 processos administrativos sobre a reforma do Maracanã para a Copa estavam parados no TCE. Com a divulgação, o tribunal deu andamento aos casos, unificando todos os processos e decidindo reter créditos de quase R$ 200 milhões que seriam repassados pelo governo para a Andrade Gutierrez e para a Odebrecht, outra consorciada.

O nome de Jonas também aparece na proposta de delação de Leandro Azevedo, ex-diretor da Odebrecht no Rio. De acordo com reportagem do “Fantástico” da TV Globo, exibida no domingo, Azevedo disse que o presidente do TCE pediu dinheiro para aprovar contratos que favoreciam a empresa. Os pedidos envolveriam o Maracanã e a Linha 4 do Metrô do Rio.

De acordo com Azevedo, em 2013, Wilson Carlos, então secretário de Governo, sugeriu que a empreiteira procurasse Jonas. O executivo contou que, no encontro com o presidente do TCE, acertou o pagamento de R$ 4 milhões em quatro parcelas de R$ 1 milhão, que seriam pagas de seis em seis meses. Azevedo explicou que a “contrapartida era absolutamente clara”. Em troca do pagamento, o TCE aprovaria o edital da concessão do Maracanã.

A primeira parcela, segundo o executivo da Odebrecht, foi paga em 10 de fevereiro de 2014. Mas, segundo ele, os outros pagamentos não foram feitos em razão da Operação Lava-Jato, deflagrada em março daquele ano.

Azevedo disse que o valor de R$ 1 milhão foi entregue ao filho de Jonas Lopes, Jonas Lopes de Carvalho Neto, no escritório de advocacia dele, no Centro do Rio. Ele diz que em dezembro de 2014 foi chamado ao gabinete do presidente do TCE e que Jonas Lopes cobrou o atraso no pagamento.

O executivo da Odebrecht disse ainda que Jonas pediu propina a executivos de todas as três empreiteiras do consórcio responsável pela linha 4 do metrô do Rio: Queiroz Galvão, Odebrecht e Carioca Engenharia.

As investigações sobre o envolvimento do TCE são conduzidas pelo subprocurador da República José Bonifácio Borges de Andrada, com auxílio da força-tarefa do Ministério Público Federal empregada na Operação Calicute e da Delegacia de Repressão à Corrupção e Crimes Financeiros (Delecor) da PF, no Rio.

Jonas Lopes deixou a sede da Polícia Federal, na Zona Portuária, às 16h45m de ontem. Ele chegou mais de nove horas antes, às 7h40m, após ser conduzido coercitivamente para prestar depoimento. Na saída, não falou com a imprensa, e o teor do depoimento não foi revelado, por estar sob segredo de Justiça.

Em nota, a PF apenas informou que a Descontrole teve como objetivo investigar os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, entre outros, por “um conselheiro do TCE e pessoas a ele vinculadas”. Cerca de 40 policiais foram mobilizados para cumprir dez mandados de busca e apreensão, incluindo a sede do TCE na Praça da República, e três de condução coercitiva expedidos pelo STJ.

Em nota, o escritório do advogado Jonas Neto, Lopes de Carvalho & Pessanha, comunicou que a busca se restringiu a um computador pessoal e poucos documentos, mantido o sigilo de todos os clientes não relacionados com a operação: “O escritório nada teme quanto à apuração, não atua no Tribunal de Contas do Estado e protesta contra a violação profissional, afirmando que tomará as medidas legais necessárias”.

 

 

O globo, n. 30445, 14/12/2016. País, p. 08.