Renan recua, e discussão sobre abuso de autoridade fica para 2017

Cristiane Jungblut

15/12/2016

 

 

Pressionado por líderes, presidente do Senado retirou projeto de pauta

 

-BRASÍLIA- Em guerra com o Judiciário e o Ministério Público, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), sofreu ontem a segunda derrota na tentativa de impor sua pauta de votação. Pressionado pelos líderes dos principais partidos, Renan foi obrigado a recuar e retirou da pauta de votações o projeto de lei que pune o abuso de autoridade. A proposta será agora debatida pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ), a partir de fevereiro do ano que vem.

Renan viu que não tinha maioria para forçar a votação da proposta ontem mesmo e, sem alternativa, concordou com acordo negociado pelo presidente do DEM, José Agripino (RN). Sem apoio, Renan nem chegou a colocar em votação o requerimento pedindo que o projeto fosse retirado de pauta; simplesmente acolheu a proposta negociada.

Renan foi avisado de que seria derrotado pela segunda vez em duas semanas; em 30 de novembro, ele havia tentado votar o projeto das dez medidas contra a corrupção com o texto totalmente modificado pela Câmara e sofreu derrota fragorosa no plenário. Ontem, pôs em discussão a urgência para a votação do projeto, mas o requerimento nem chegou a ser votado.

Agripino falou como um dos senadores mais antigos e mostrou que Renan estava isolado e não tinha a maioria do plenário. De forma diplomática, Agripino apresentou acordo para que “não houvesse vencedores nem vencidos”. Ele fez um apelo a Renan para que discuta a matéria na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a partir de fevereiro.

— Não podemos permitir que o debate agora produza vencedor e vencido. O que tem de haver é entendimento, no momento em que o Brasil vive extrema tensão. A sensatez tem de ser a palavra de ordem, e tenho certeza de que o senhor joga com a sensatez. Não tem por que esticar a corda.

Vendo que Agripino falava em nome da maioria dos líderes, Renan concordou:

— Agradeço a intervenção de José Agripino. E interpretando o sentimento da Casa quero adotar a sugestão. A proposta foi retirada de pauta.

Durante todo o dia, Renan tinha dado várias declarações contra o Poder Judiciário e o Ministério Público Federal, e garantindo que faria de tudo para provar a Lei do Abuso de Autoridade. Senadores do PMDB chegaram a pedir calma a Renan, mas ele disse: — Tenho dois dias para agir. Renan sabia que a maioria queria aprovar requerimento pela retirada da urgência, apresentado pelo líder do DEM no Senado, Ronaldo Caiado (GO) — que não estava presente ontem —, e pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

— Tem que passar pelo menos pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Esse projeto tem endereço claro: atinge principalmente as atribuições do MP — disse Randolfe.

A senadora Ana Amélia (PPRS) disse que não é momento de aumentar a crise entre Poderes:

— Não tenho medo de enfrentar qualquer Poder. Apenas que estamos vivendo uma crise e ainda vamos alimentar essa crise? Não é oportuno.

Ao longo do dia, Renan disse a aliados que “faria de tudo nos seus últimas dias” na presidência do Senado para aprovar a lei do abuso de autoridade.

— Não é contra juiz, promotor, senador, deputado, é contra todo mundo. E é também contra o guarda da esquina. No que depender de mim, vamos votá-la, sim. Tenham absoluta certeza de que, se não for aprovada, não foi porque o Renan deixou de trabalhar — disse ele, pela manhã.

Sem alarde, Renan até determinou que fosse desengavetado um projeto de 1999 que trata exatamente da punição de abuso de autoridade. O projeto foi enviado pelo presidente Fernando Henrique em abril de 1997 e criminalizava o vazamento de informações por parte de magistrados e integrantes do Ministério Público. Era conhecido como “Lei da Mordaça” em 97.

 

 

O globo, n. 30446, 15/12/2016. País, p. 04.