A reação do Senado

Cristiane Jungblut, Renata Mariz e Manoel Ventura

16/12/2016

 

 

Renan recorre ao Supremo contra liminar de Fux que suspendeu tramitação de pacote anticorrupção

 

-BRASÍLIA- Sem sinal claro de um armísticio ou mesmo de uma negociação para aplacar a crise entre Legislativo e Judiciário, o Senado tomou a dianteira. Protocolou ontem recurso no Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar revogar a liminar do ministro Luiz Fux que anulou a votação do projeto das dez medidas de combate à corrupção pelos deputados e determinou que a proposta original, apoiada por duas milhões de assinaturas, volte a tramitar da estaca zero na Câmara.

Fux avisou, no entanto, que o caso só voltará a julgamento no plenário da Corte em 2017. Ontem foi a última sessão do ano no STF. O início dos recessos do Legislativo e do Judiciário, segundo Fux, inviabilizarão a discussão do mandado de segurança este ano.

— Não tem urgência nenhuma agora. O recesso legislativo está aí. Não há razão para que agora, a cada decisão judicial, se crie uma crise — disse o ministro.

presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), disse que a decisão monocrática de Fux foi um “atentado” à independência entre os Poderes. Renan disse que conversaria com a ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, e o próprio Fux, mas isso não ocorreu. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), também criticou a liminar. Ele defendeu que o próprio Fux reconsiderasse a decisão, o que não ocorreu.

— Para que não se crie uma relação de insegurança entre Legislativo e Judiciário — disse Maia. — Não queremos nenhum tipo de conflito, um estresse maior do que já tivemos nos últimos meses. Queremos mostrar a ele (Fux) que a decisão dele interfere no Poder Legislativo.

Mais cedo, Fux foi alvo de críticas também do ministro Gilmar Mendes:

— Nós estamos vivendo momentos esquisitos. A toda hora, um surto decisório que não corresponde às nossas tradições. Não sei se é a água que estamos bebendo no tribunal ou seja lá o que for, mas estamos vivendo momentos estranhos — disse Gilmar. — Em geral, nós éramos árbitros desse processo de conflitos e não atores ou causadores de conflitos. Nós temos que refletir muito sobre isso e respeitar a harmonia e independência entre os Poderes.

Fux preferiu não bater boca publicamente com Gilmar sobre o caso.

— O ministro Gilmar Mendes tem uma forma peculiar de criticar, e aí, dependendo do limite onde chegue, eu acho que é natural que haja essa adversidade — disse Fux.

Em sessão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde Gilmar é presidente e Fux, o vice, os dois chegaram a trocar farpas, mas não houve bate-boca.

Ao longo do dia, Renan criticou a decisão de Fux e disse que era “um dever formal” dele e do presidente da Câmara recorrerem ao Supremo. A assessoria jurídica do Senado se espantou com a liminar, alegando que Fux desconhece procedimentos de votações, pois sempre as propostas populares são subscritas pelos líderes partidários, sem que as assinaturas dos cidadãos sejam submetidas a verificação individual.

— O Supremo já tem uma decisão de que não pode haver interferência no processo legislativo enquanto a matéria estiver em apreciação. Isso é ruim porque acaba atentando contra a separação de Poderes. O Senado e a Câmara entrarão com recurso para fazer valer, sobretudo, a decisão do Supremo já expressa em acórdão — disse Renan.

Rodrigo Maia disse que a Câmara se explicará “com muita paciência”, para que não haja insegurança jurídica sobre propostas já aprovadas pelo Congresso. A ideia é convencer Fux de que a proposta, mesmo sendo de iniciativa popular, pode ser modificada pelos deputados e receber emendas, como já ocorreu anteriormente com a Lei da Ficha Limpa.

O presidente Michel Temer recebeu Renan e Rodrigo Maia ontem no Palácio do Planalto e também conversou com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a quem se queixou dos vazamentos das delações da Lava-Jato, e com o ministro Gilmar Mendes.

 

ENTENDA O CASO

INICIATIVA POPULAR: Um projeto de iniciativa popular deve ser protocolado na Secretaria-Geral da Mesa da Câmara, que verifica se a iniciativa é constitucional. Uma das atribuições da SGM é fazer a checagem do número mínimo de assinaturas coletadas pelos autores. No caso do projeto das dez medidas de combate à corrupção, foram mais de dois milhões de assinaturas, mas não houve essa checagem.

CHECAGEM DE ASSINATURAS: A Câmara não confere as assinaturas, como determina a lei, por alegar que não tem capacidade técnica para tal, já que o cadastro de eleitores é da Justiça Eleitoral. Esse trâmite também não foi seguido no caso da Lei da Ficha Limpa.

DEPUTADOS ENCAMPAM: Para que projetos de iniciativa popular não sejam sepultados na chegada à Câmara, pela falta da conferência das assinaturas, a praxe da Casa é que deputados, em comum acordo com os autores originais das matérias, virem os autores do projeto, que passa a tramitar como qualquer outro. Do pacote anticorrupção viraram autores os deputados Antonio Carlos Mendes Thame (PV-SP), Diego Garcia (PHS-PR), Fernando Francischini (SD-PR) e João Campos (PRB-GO).

COMISSÃO GERAL: Apesar de formalmente não ser mais um projeto de iniciativa popular, a Câmara seguiu o trâmite previsto para esses casos, como a convocação de uma comissão geral, em junho, para discutir, em plenário, as medidas propostas pela sociedade. A sessão teve a participação do procurador Deltan Dallagnol e de outros integrantes do MPF.

COMISSÃO ESPECIAL: Seguindo o trâmite normal, a Câmara criou uma comissão especial para discutir o projeto. Em novembro, foi aprovado o texto do deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), relator na comissão, que seguiu ao plenário para votação.

EM PLENÁRIO: O plenário da Câmara concluiu a votação do relatório, com emendas e destaques, e desfigurou o texto inicial, proposto pelo Ministério Público Federal e endossado por 2 milhões de pessoas, além de incluir no projeto a tipificação de crime de abuso de autoridade para juízes e membros do MP.

 

 

O globo, n. 30447, 16/12/2016. País, p. 03.