ENTREVISTA - Luiz Fux

Renata Mariz

16/12/2016

 

 

‘Cumpri meu dever de ofício’

 

-BRASÍLIA- Ministro afirma, porém, que é preciso analisar os argumentos do recurso apresentado pelo Senado, para levar o mérito da questão ao plenário do STF. Ele classificou de “exagero verbal” a crítica do ministro Gilmar Mendes, que chamou a liminar de “AI-5 do Judiciário”.

 

O ministro Gilmar Mendes afirmou ser melhor entregar logo a chave do Congresso para procuradores da Lava-Jato, insinuando que a liminar é pautada pelo clamor das ruas. Como avalia tais críticas?

A minha decisão não teve nenhuma influência do clamor das ruas. Decidi num mandado de segurança veiculado por um parlamentar alegando que havia um vício no processo legislativo da votação de lei de iniciativa popular. Recebi o mandado de segurança, estava analisando com bastante vagar, basta ver a data da distribuição e a data em que concedi a liminar. Isso é uma crítica do ministro Gilmar... talvez ele se impressione com o clamor das ruas e acha que todos os outros colegas tenham a mesma impressão que ele tem.

 

Ele comparou a liminar a um AI-5 do Judiciário.

Foi um exagero verbal do ministro Gilmar Mendes, pois nem se compara com o que se vivenciou no Brasil com o AI-5. Porque, senão, teremos de afirmar também que a jurisprudência do Supremo é reacionária, porque ela autoriza que o Judiciário intervenha quando o procedimento de elaboração das leis não respeita o devido processo legal legislativo.

 

Avalia reconsiderar, como pede o agravo do Senado?

Nenhuma (ideia de reconsiderar). Estou absolutamente certo dos argumentos que trabalhei com base nos autos, com os documentos apresentados. Agora, temos de ser corretos nos julgamentos. Vou analisar o agravo, que, certamente, será muito substancioso, porque é interessante saber como se processa o projeto de lei de iniciativa popular. Nunca avaliamos essa matéria aqui.

 

Os presidentes das duas Casas do Congresso ensaiaram encontro com a presidente do STF para rever a decisão. Estão descumprindo a liminar?

Não. Minha ação é declaratória. Declarei que essa lei de iniciativa popular deveria ter sido submetida a um procedimento próprio. É autoexecutável.

 

Se o Senado votar o projeto, haverá descumprimento? Caberá providência contra quem descumpre a decisão?

Não. A decisão já diz que todas as votações supervenientes são nulas. Vou ouvir o Ministério Público e, depois, levar o mandado para o plenário julgar o mérito.

 

O senhor levará essa matéria ao plenário ainda este ano?

Não dá mais tempo. Agora, com o agravo, é que terei mesmo de esperar o parecer do Ministério Público. Mas não há nenhum risco, ao deixar para o ano que vem, com o recesso legislativo chegando.

 

A presidente do STF ou os demais ministros podem puxar o mandado para julgamento este ano?

Não podem fazer isso. É comigo o problema.

 

Teme que a liminar seja considerada interferência na atividade legislativa?

Estou mais do que convencido (dos argumentos apresentados), caso contrário não daria a liminar. Como era uma proposta de iniciativa popular, com dois milhões de assinaturas que expressavam a vontade da sociedade, e introduziram nela temas que não estavam tratados pela mesma, ela foi completamente desfigurada. Ela tinha de ser votada admitindo-se eventualmente emendas pertinentes que dissessem respeito ao tema que o projeto veiculava, ou seja, medidas contra a corrupção. E inseriram tópicos que nada têm a ver com o que se estava discutindo. O rito adotado não foi o correto.

 

Essa liminar acirra ainda mais o conflito entre Legislativo e Judiciário?

Não sei se acirra. Cumpri meu dever de ofício.

 

Rodrigo Maia disse, após a decisão, que era uma “intromissão” do Judiciário.

Acho que foi mais um desabafo.

 

 

 

O globo, n. 30447, 16/12/2016. País, p. 04.