Título: Governo muda, cenário piora
Autor: Ribas, Sílvio
Fonte: Correio Braziliense, 22/11/2011, Economia, p. 9

No dia seguinte à eleição de Mariano Rajoy, investidores não dão trégua e exigem juros maiores pelos títulos espanhóis.

O primeiro-ministro eleito da Espanha, o conservador Mariano Rajoy, não teve tempo para comemorar sua vitória nas urnas. No dia seguinte à consagração eleitoral e bem antes de tomar posse com a difícil missão de superar o momento crítico, o novo líder viu os juros pagos pelo Tesouro espanhol aos investidores que aceitam comprar seus títulos subirem mais uma vez. Numa mostra da extrema desconfiança em torno da capacidade de o país honrar seus compromissos, a taxa dos papéis passou dos 6,3% da véspera para 6,5%. Sem uma clara estratégia para debelar a crise, Rajoy preferiu a discrição ontem, deixando os holofotes para o ex-chefe de governo José María Aznar, presidente de honra do seu partido, o PP — analistas já o consideram a eminência parda da futura administração.

A despeito da alta do prêmio de risco dos papéis espanhóis, Aznar tentou dar um tom positivo ao retorno dos conservadores ao poder. "Foi a volta à seriedade e à confiança", disse. Para ele, a eleição foi uma oportunidade para recuperar a imagem da Espanha frente aos parceiros da União Europeia (UE), "respeitando todas as regras do euro". Ele fez questão de diferenciar a administração que começará em janeiro do ano que vem das que acabaram de tomar posse na Itália e na Grécia, formadas basicamente por tecnocratas. "O povo espera políticos com capacidade de tomar decisões", disse, ao lado de Rajoy, apelidado de "Senhor Depende" por não se comprometer com nenhuma medida específica.

Descoberto o resultado da vontade popular, que defenestrou os socialistas de José Luis Zapatero do comando do país, as pressões passaram a ter Mariano Rajoy como alvo. Os investidores pouco sabem de seus planos para recuperar a economia espanhola e diminuir o brutal desemprego, que atinge 22,6% da população e chega a 48% entre os jovens de 14 a 25 anos. A atividade está estagnada — no terceiro trimestre, o Produto Interno Bruto (PIB, a soma das riquezas geradas) teve crescimento zero. As contas públicas estão em frangalhos, com a dívida de 641 bilhões de euros (62,5% do PIB) sendo alimentada por um deficit fiscal de 6,6% do PIB, bem superior aos 3% permitidos pelas regras da União Europeia.

A situação torna a Espanha um dos principais candidatos, com a Itália, a uma nova rodada de auxílio financeiro da UE e do Fundo Monetário Internacional (FMI). O nível dos custos de financiamento do governo já chega às raias do insustentável para o Tesouro, o que enche os bancos e fundos de investimento de temor de um possível calote. Com tanto por resolver, a pouca clareza nas propostas de Rajoy rendeu críticas dentro e fora da Espanha.

"O resultado das eleições em nada muda o cenário do país. O futuro governo de centro-direita ainda não tem condições de anunciar medidas que deverão sinalizar mais cortes de gastos públicos", avaliou Jason Vieira, analista internacional da Cruzeiro do Sul Corretora. Segundo ele, Rajoy terá de reafirmar decisões impopulares do adversário Zapatero, combinadas com o desafio de criar estímulos à economia. Numa reunião com o PP, o líder eleito prometeu convocar comunidades autônomas para coordenar um plano de recuperação econômica.

Soraya Sáenz de Santamaría, indicada para negociar a transição de governos, pediu urgência no processo em razão da crise. "O Executivo deve começar a trabalhar com plenos poderes o mais rápido possível para não prejudicar o interesse geral", defendeu. Após a maior vitória de sua legenda em 30 anos, Rajoy pediu unidade nacional, mas fez mistério sobre as medidas que tomará. Adiantou apenas que os sacrifícios do aperto fiscal continuarão e acenou genericamente com reformas trabalhistas e financeiras, além de mudanças no setor público. "Quando as coisas são bem feitas, produzem resultados. Deixaremos de ser parte do problema e começaremos a ser parte da solução", resumiu.

Retorno A derrota do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), de Zapatero, era esperada há meses, mas foi maior do que o previsto. O ainda chefe de governo culpou a crise pelo resultado das urnas. "Há momentos em que é preciso pôr os interesses do país à frente dos partidários e em que um governo tem que colocar os interesses gerais à frente dos partidos", disse ontem. Em 13 de dezembro, o Congresso convocará os deputados eleitos para constituir o novo parlamento e, então, nomear Rajoy para presidir o conselho de ministros. Ele poderá assumir uma semana depois ou no começo de janeiro. De toda forma, a maioria obtida pelo PP, de 186 deputados, é expressiva o suficiente para governar praticamente sem ter de negociar com a oposição.

Apesar da vitória, analistas acreditam que a crise castigou mais os socialistas do que promoveu os conservadores. "O povo espanhol se sentiu traído pela esquerda e puniu o PSOE por ter adotado um plano econômico favorável ao sistema financeiro. Preferiram eleger os conservadores porque os veem como mais explícitos nessa postura", afirmou Argemiro Procópio, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB). Para ele, as quedas de governo este mês na Itália e na Grécia refletem pressões dos mercados, enquanto as ruas cobram "ajustes morais", com prevalência do social sobre o socorro aos bancos. "Conciliar essas cobranças é praticamente impossível."

BANCO É ESTATIZADO Sinal do atoleiro em que se encontra o país, o Banco da Espanha tomou ontem o controle do Banco de Valência, instituição de pequeno porte, atualmente em dificuldades. A autoridade monetária destituiu os administradores do banco e vai assumir o comando por meio da injeção direta de 1 bilhão de euros e pela abertura de linhas de crédito no valor de 2 bilhões de euros. Segundo um comunicado do Banco da Espanha, a gestão estatal será realizada até a estabilização e recapitalização do banco. Depois desse processo, ele será vendido. Essa é a quarta nacionalização temporária na Espanha desde o início da crise financeira.