Título: EUA derrubam os mercados
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Fonte: Correio Braziliense, 22/11/2011, Economia, p. 10

Republicanos e democratas não chegam a acordo para cortar despesas e reacendem os temores sobre economia do país

O fracasso das negociações entre democratas e republicanos com o objetivo de fechar um acordo para cortar US$ 1,2 trilhão do Orçamento dos Estados Unidos nos próximos 10 anos aumentou ontem o nervosismo dos mercados, já abalados pela persistência da crise na Europa. Receosos de que o impasse político acabe por resultar em um novo rebaixamento da nota da dívida norte-americana, como aconteceu em agosto, e aumente as dificuldades para que a economia do país saia da virtual estagnação em que se encontra, os investidores fugiram das aplicações de risco, levando as principais bolsas de valores a fechar em baixa.

Em Nova York, o Índice Dow Jones terminou o dia em queda de 2,11%. O Standard & Poor"s 500 caiu 1,86% e a bolsa de tecnologia Nasdaq recuou 1,92%. Na Europa, onde o ambiente já estava carregado com a ameaça de contágio da França e da Espanha, além da interminável onda de preocupações gerada pela Grécia, o principal índice das ações europeias — o FTS Eurofirst 300 — atingiu o nível mais baixo em sete semanas, com queda de 3,11%. No Brasil, a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) não escapou do clima negativo. O Ibovespa chegou a apresentar queda de 2,16%, mas se recuperou parcialmente e terminou o dia em baixa de 0,79%.

Os cortes deveriam ser indicados por uma comissão paritária criada em agosto para viabilizar o acordo que permitiu a elevação do teto de endividamento do governo e evitou uma inédita moratória do Tesouro norte-americano. O controle teria o objetivo de frear o crescimento exponencial da dívida federal, que já ultrapassa US$ 15 trilhões, mas não houve entendimento a respeito das despesas que seriam podadas. "Após meses de trabalho duro e deliberações intensas, chegamos à conclusão de que não será possível apresentar ao povo qualquer acordo bipartidário antes do prazo final do comitê", afirmou a senadora democrata Patty Murray e o deputado republicano Jeb Hensarling em comunicado conjunto.

Acusações Nos últimos dias, membros dos dois partidos já vinham trocando acusações sobre os motivos do impasse. Na verdade, desde que as negociações começaram nenhum dos lados parece ter cedido. Os republicanos não concordam com aumentos de impostos e os democratas não aceitam cortes em programas sociais. A falta de acordo pode pode permitir que os US$ 1,2 trilhão sejam cortados automaticamente a partir de 2013, metade em despesas militares e outra metade em programas domésticos.

Isso daria tempo para que as negociações prosseguissem, mas a indefinição política foi o suficiente para azedar o humor nos mercados, por evidenciar a rígida divisão política existente nos Estados Unidos e aumentar as dúvidas sobre a saúde da economia do país, que enfrenta baixos níveis de crescimento e altas taxas de desemprego sem que, até o momento, tenha sido formulada uma estratégia viável para reativar os negócios. "É um fator negativo. Há muitas perguntas a serem feitas — se a Moody"s e a Fitch, por exemplo, agirem para rebaixar os EUA", disse Garry Evans, diretor global de estratégia do HSBC.

Deterioração O que assusta os mercados é principalmente a incapacidade demonstrada pelos governos e os líderes partidários de encaminhar decisões que possam pelo menos estancar a deterioração do cenário econômico. "Existe uma ausência crônica de liderança política dos dois lados do Atlântico. Eles estão mostrando que não estão à altura das tarefas", disse o diretor de estratégia de investimentos da Kames Capital, Bill Dinning, em Edimburgo, na Escócia.

O comportamento das principais bolsas europeias, já enfraquecidas pelos problemas da Zona do Euro, refletiu o aumento da incerteza. Houve fortes baixas em Londres (-2,62%), Frankfurt (-3,35%), Paris (-3,41%), Milão (-4,74%), Madri (-3,48%) e Lisboa (-2,08%). Mais cedo, a onda de pessimismo já havia derrubado as praças da Ásia, com desvalorizações em Tóquio (-0,32%), Hong Kong (-1,44%) , Seul (-1,04%) e Cingapura (-1,19%).

Dólar dispara A aversão ao risco fez disparar as cotações do dólar no Brasil, que ultrapassou a barreira de R$ 1,80. A moeda norte-americana subiu 1,68% e fechou em R$ 1,813, a maior cotação desde 5 de outubro. Em novembro, a divisa acumula alta de 4,72% e no ano, de 7,02%. As moedas de outros países emergentes, como o peso mexicano e o dólar australiano, também tiveram perdas superiores a 1% por causa do aumento da insegurança dos investidores no mercado global.

Moody"s ameaça rebaixar a França A alta nas taxas de juros sobre a dívida do governo francês e os prognósticos de crescimento mais fraco da economia podem ser negativos para a perspectiva do rating de crédito da França, alertou ontem a agência de classificação de risco Moody"s, em um relatório divulgado para investidores que ajudou a aumentar o nervosismo nos mercados. Os papéis da França possuem classificação "AAA", a mais elevada concedida pelas agências, mas dúvidas sobre a sobre a solidez fiscal do país têm sido cada vez maiores. "A persistente elevação nos custos de financiamento por um período prolongado amplificariam os desafios fiscais que o governo francês enfrenta, em meio à perspectiva de deterioração do crescimento, com implicações negativas ao crédito", disse Alexander Kockerbeck, autoridade sênior de crédito da Moody"s.