Valor econômico, v. 17, n. 4152, 14/12/2016. Política, p. A13

Proposta contra abuso de autoridade volta à pauta

 
Vandson Lima
Fabio Murakawa
 
 
Um inflamado discurso do senador Jader Barbalho (PMDB-PA) deu início ontem a uma articulação, tramada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) e aliados, para votar ainda este ano o projeto que estipula penas mais duras para o crime de abuso de autoridade.

A proposta, que tramita em regime de urgência, chegou a ser dada como enterrada na semana passada. Mas emergiu novamente após o vazamento da proposta de delação do ex-vice-presidente de Assuntos Institucionais da Odebrecht, Cláudio Melo Filho, que citou Renan, o presidente Michel Temer e diversos outros políticos influentes no governo e na oposição.

Até o fechamento desta edição, a proposta aguardava na fila para votação, mas ganhou adeptos após a fala de Jader, que argumentou em favor do projeto, dizendo estar em curso uma tentativa de derrubar Temer. "Está em marcha um processo para derrubar o presidente Michel Temer. A grande mídia, aliada a determinados setores, querem antecipar 2018. Quem sabe enfraquecendo o governo de tal ordem que o presidente renuncie".

Líder do PT, Humberto Costa (PE) também foi à tribuna defender que o Senado tenha "coragem" para votar a matéria. Ele criticou colegas que defendem a nova lei de abuso nos bastidores, mas depois "se escondem" e lhes pediu "vergonha na cara".

O texto é criticado por magistrados e procuradores, que o veem como uma maneira de coagir seu trabalho e paralisar a Operação Lava-Jato.

"Nós vamos tentar tocar [a votação do projeto], pegando no pulso, conversando com o plenário. Só o plenário pode alterar essa ordem", afirmou Renan.

Segundo o presidente, a decisão de votar o abuso de autoridade nada tem a ver com o vazamento da delação. "Para sair da pauta, o plenário precisa alterar a ordem e dizer que essa matéria não é prioritária", disse Renan. "Na semana passada, houve quem dissesse, e foram muitos, que haveria um acordo do Congresso com o STF. Eu disse: 'Vocês acham que é possível seguir um acordo desse?'", questionou.

Relator do projeto, Roberto Requião (PMDB-PR) disse ter ouvido de Renan que o projeto seria levado a plenário. Costa admitiu ter sido sondado sobre a viabilidade de sua bancada votar a proposta. Ele avisou que parte dos petistas considera o momento inapropriado, mas que, caso Renan e seus pares garantam pelo menos 41 votos (metade mais um do Senado), o PT não fará gestos para derrubar a matéria e participará da votação.

Mas o projeto encontra resistências. O senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) disse que vai "ficar de olho" e tentará impedir a votação, caso Renan realmente o leve a plenário.

Renan chamou de "ridícula" a denúncia apresentada contra ele pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, por corrupção e lavagem de dinheiro.

O senador é acusado de usar intermediários para pedir e receber dinheiro da empreiteira Serveng, que tem contratos com a Petrobras. Renan nega as acusações e considera que está sendo "perseguido".

"Essa denúncia é risível. Ridícula. Estou sob devassa, perseguido há nove anos", afirmou. "Eles não têm o que me contestar nem na minha vida pública nem privada. Não tenho o que temer".

Renan voltou a argumentar que o MP tem três procuradores que trabalham com Janot atuam por "vingança", pois foram rejeitados pelo Senado para a ocupação de cargos no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e no Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

No tiroteio, sobrou até uma lembrança ao juiz federal Sergio Moro. Na sessão de debates do projeto de abuso de autoridade, Renan recordou que Moro escrevera, 12 anos antes, artigo analisando a operação italiana Mãos Limpas. "Perguntei se ele mantinha aqueles pontos de vista do artigo. Em um deles, dizia que era preciso vazar delação para a imprensa amiga para minar a credibilidade do sistema político e representativo".