Título: Fé nos vetos de Dilma
Autor: Jeronimo, Josie
Fonte: Correio Braziliense, 24/11/2011, Política, p. 2

Sem acordo entre ambientalistas e ruralistas na votação do Código Florestal no Senado, parlamentares apostam que a presidente vai harmonizar pontos de conflito no texto. Destaques serão votados hoje na Comissão de Meio Ambiente

Um acordo entre o governo e a bancada ruralista selou ontem a aprovação do texto-base do Código Florestal na Comissão de Meio Ambiente do Senado. O relator da proposta, senador Jorge Viana (PT-AC), considerou o resultado de consenso de uma "lei realista". Ambientalistas e parlamentares contrários às concessões ambientais presentes no texto já desistiram de brigar no Senado por mudanças e apostam nos vetos seletivos da presidente Dilma Rousseff para harmonizar os pontos de discórdia (confira no quadro ao lado) que permaneceram no código.

A ex-senadora Marina Silva acompanhou as cinco horas de debate que antecederam a aprovação do relatório de Viana, acrescido de 41 emendas, e saiu da sessão convocando a sociedade para uma "campanha pelo veto" presidencial ao código que sairá do Congresso. "Só nos resta a campanha para que a presidente Dilma cumpra o que prometeu: vetar qualquer anistia a desmatadores."

Representantes de entidades ambientalistas também pregam a campanha pelo veto antes mesmo de o texto passar no plenário. O analista de políticas públicas da WWF Brasil, Kenzo Ferreira, afirma que o código do Senado é mais elaborado do que o da Câmara do ponto de vista jurídico, mas que o parecer de Viana mantém "questões estruturais" presentes no relatório do ex-deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP). "Esse código acaba com as possibilidades de o Brasil ter qualquer papel decisivo nas discussões do clima na Rio+20. Exceto o capítulo da agricultura familiar, a lei inteira deveria ser vetada. Foi o pior presente de Natal para a presidente."

Emenda Na votação da comissão de Meio Ambiente, o acordo para a aprovação estava tão consolidado que apenas o senador Randolfe Rodrigues (PSol-AP) deu voto contrário. Lindberg Farias (PT-RJ), suplente na comissão e sem direito a voto, compareceu à sessão para criticar o entendimento acertado entre as bancadas na véspera da deliberação. "Não aceito negociação na calada da noite feita pela bancada ruralista com setores do governo para impor a todos os senadores goela abaixo."

Jorge Viana não gostou do protesto do colega de partido e rebateu o comentário dizendo que seu relatório não tinha acordo, mas entendimento. "Não participei de qualquer acordo na calada da noite. Sou parlamentar e é do parlamento fazer entendimento. Fiquei até de madrugada trabalhando em cima das emendas. Não estava fazendo acordo de madrugada, muito menos recebendo ordens de governo. Sou do governo, sou leal ao governo, mas tenho independência para relatar essa matéria com a minha consciência."

O suposto acordo fechado na noite que antecedeu a votação seria o acolhimento da Emenda nº 196, do senador Luiz Henrique (PMDB-SC), que modifica a redação de 11 artigos da lei. A emenda do catarinense trata do programa de conversão de multas, estipula responsabilidades para órgãos regionais de controle ambiental e especifica regras para utilização de áreas de inclinação entre 25 graus e 45 graus, permitindo atividades agrossilvopastoris. De acordo com Luiz Henrique, a conversão das multas em serviços é bem vista pelo governo, pois as sanções têm alto índice de inadimplência e apenas 1% do total aplicado foi pago. Hoje, a comissão de Meio Ambiente votará os destaques apresentados ao texto pelos parlamentares.

Em conflito Confira os assuntos que ambientalistas e ruralistas discordam no Código Florestal

Anistia O marco de julho de 2008, considerado como ponto zero para começar a contar as irregularidades cometidas em propriedades rurais, permanece no texto. Os ambientalistas insistem que a criação do marco zero é uma forma de anistiar os desmatadores. Os ruralistas, por sua vez, alegam que a data garante segurança jurídica ao setor, pois não seria justo punir produtores por atos praticados antes de regras de preservação estarem em vigor.

Reserva legal O texto especifica que apenas as propriedades que tinham quatro módulos em julho de 2008 poderão ser contempladas com a isenção de reserva legal, para evitar que produtores desmembrem a terra para driblar a lei. Os ambientalistas criticam a regra alegando que em um sistema contínuo de faixa de propriedades de quatro módulos, a isenção de reserva pode criar um deserto institucionalizado.

Autodeclaração Ambientalistas criticam o sistema que simplifica a comprovação de área consolidada. A ausência de mecanismos de aferição daria ao proprietário o direito de produzir documento de autodeclaração, afirmando que já utilizava áreas para fim de produção desde 2008, para fugir de deveres de recomposição.

APPs O relatório do senador Jorge Viana (PT-AC) retoma a obrigação de recompor áreas de preservação permanente (APP), mas a limitação de 100m de renovação de faixas para rios de maior largura foi considerada um retrocesso pelos ambientalistas, que defendem 400m para grandes leitos.

Multas O programa de conversão de multas em prestação de serviços de preservação é uma saída política para acertar pontos do Código Florestal com a bancada governista, mas ambientalistas reclamam que a estratégia pode desencadear uma regra geral, que reduzirá a penalidade, independentemente de o estrago ambiental ter sido grande ou pequeno.

Protesto na chapelaria

Um grupo de 40 estudantes esteve ontem no Congresso para pedir que a presidente Dilma Rousseff vete o Código Florestal. Houve bate-boca com seguranças e com produtores rurais. Alguns alunos foram vestidos de palhaços e fizeram performances artísticas. "Nós achamos que o Código Florestal tem vício de oportunidade. Ele foi feito para favorecer os grandes produtores", critica Iara Vicente, aluna de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB). Durante o protesto, os estudantes afirmam que a Polícia Militar disparou gás lacrimogêneo. A PM nega. No fim, os manifestantes foram ao Eixo Monumental e bloquearam a passagem de veículos.