Valor econômico, v. 17, n. 4152, 14/12/2016. Política, p. A16

PEC depende de outras ações para se tornar efetiva

 
Luciano Máximo
Tainara Machado
Marta Watanabe


Economistas de diferentes correntes concordam que a PEC 55 cumprirá seu papel de reduzir gastos orçamentários, mas só será efetiva, dentro de um escopo de ajuste fiscal, se for combinada com reforma da Previdência, ações para recuperação de receitas tributárias e até a redução dos juros básicos.

Com o Orçamento da União vigorando baseado apenas no novo regime, que limita o crescimento das despesas federais à inflação oficial nos próximos 20 anos - com chance de revisão no décimo ano -, o governo só conseguirá atingir resultado primário positivo em 2022 e reverter a trajetória de alta da dívida pública bruta nos anos seguintes, depois de ela ter batido em mais de 85% do Produto Interno Bruto (PIB) ante marca de 70% atualmente, segundo cálculos do consultor legislativo do Senado Paulo Springer.

O problema nesse cenário, opina Fabio Klein, economista da Tendências Consultoria, é que os gastos previdenciários - equivalentes a 40% de toda a despesa primária do governo - crescem quase 5% acima da inflação todos os anos. "A imensa despesa com Previdência é obrigatória e não entra nas novas regras, por isso a reforma da Previdência é essencial para a PEC do teto funcionar a todo vapor e não comprimir demais outros gastos orçamentários", avalia Klein, para quem a aprovação mais apertada da PEC pelos senadores "veio dentro do esperado" pelo mercado, sem razões para "celeuma".

Pelas contas do economista Nelson Marconi, professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EESP-FGV), o governo tem hoje à disposição 5,7% do PIB para bancar despesas primárias (investimentos, compras públicas, etc.), sem considerar pagamento de juros, pessoal, saúde e educação. Em dez anos, com a PEC 55 em vigor, esse percentual cairá a 2,7% do PIB e a 0,5% do PIB em 20 anos, limite da vigência do novo regime fiscal.

"A distribuição disso é inviável. Vão alterar essa PEC mais para frente porque ela vai se mostrar inviável. O governo coloca um teto mas não dá instrumentos necessários para cumpri-lo. Politicamente governo nenhum vai conseguir manter isso, não poderão parar infraestrutura, fiscalização, teria que cortar muito em pessoal, saúde, educação", prevê Marconi.

 

Um dos pontos mais polêmicos da PEC é o artigo que veda qualquer medida que aumente o gasto obrigatório caso a despesa supere o teto previsto na lei. Como a variação do salário mínimo corrige uma série de despesas, entre elas o piso da Previdência e o abono salarial, o reajuste real do mínimo - dado pelo PIB de dois anos antes - poderia ficar comprometido.

Amir Khair, especialista em contas públicas, observa que a PEC aprovada só deverá resultar em efeitos para a economia real no longo prazo. "Como os efeitos irão ser muito lentos haverá em pouco tempo uma reação por medidas para acelerar a economia", avalia Khair.

Ele defende a adoção de medidas que teriam efeito mais rápido no investimento porque mudariam o perfil da dívida pública e aliviariam a preocupação das empresas com a as altas despesas financeiras.

Fernando Nogueira, professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, afirma que o governo dominou as discussões fiscais no país nos últimos meses, sem abrir espaço para o debate da PEC aprovada ontem. "Criou-se o argumento de que o problema recessivo do país está calcado na questão fiscal, mas a maior parte dele vem da taxa de juro elevada e do déficit nominal, e não do déficit primário, que é o atacado pela PEC e pode ser revertido com crescimento econômico e elevação da arrecadação."

Nogueira acrescenta que a PEC é um instrumento de política econômico excessivamente restritivo. "Não está combinada com outros instrumentos de política econômica [monetário, externa, renda] e retira qualquer flexibilidade de execução da política econômica futura, o que pode deixar o país amarrado numa conjuntura depressiva", afirma o acadêmico.

O economista Felipe Salto, recentemente empossado como diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), pondera que foi melhor aprovar o projeto sem alterações no Senado do que correr o risco de voltar a discussão para Câmara e ver a PEC naufragar. "Nada impede também que, daqui alguns anos, se o crescimento voltar a algo em torno de 2% a 2,5%, essas regras sejam revistas", afirma.

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Resultado não afasta risco político

 

Cristiane Agostine

 
Em meio à crise política enfrentada pelo governo federal, a aprovação da PEC do teto, que cria um limite para os gastos públicos, demonstra que a agenda econômica ainda está preservada das denúncias de corrupção e da baixa popularidade do presidente Michel Temer (PMDB). No entanto, o apoio obtido pelo presidente no Congresso para passar a principal meta de sua gestão neste ano não pode ser vista como um "fôlego extra" para o pemedebista, já que não afasta a possível debandada da base de apoio, nem garante a votação da reforma da Previdência em 2017. Essa é a leitura feita por analistas políticos de consultorias econômicas. Mesmo com a vitória do governo ontem, não há perspectivas de que o cenário político irá melhorar nos próximos meses.

Com as investigações da Lava-Jato avançando sobre o núcleo político do governo, inclusive sobre Temer, "só resta a via econômica" para segurar o governo, afirmam analistas.

Para Rafael Cortez, analista político da Tendências Consultoria, quanto maior a magnitude da crise, maior será a necessidade de o presidente garantir a aprovação da agenda econômica para trazer dividendos políticos ao governo. "O resultado da aprovação da PEC foi bastante salutar ao governo, em um cenário de crise política. Mostra que a agenda econômica de Temer ainda está protegida da fraqueza de seu capital político, de sua baixa popularidade", disse Cortez. O analista, porém, afirmou que "há um problema crônico de falta de coordenação política" no governo Temer. "A tensão na base será constante", disse. "Não há como garantir a votação da reforma da Previdência. E a PEC do teto é a apenas o primeiro passo para a retomada do crescimento."

O analista político Humberto Dantas, associado da 4 E Consultoria, destacou a vitória pontual do governo a aprovação da PEC do teto, mas reforçou que se a reforma da Previdência não for aprovada, as contas públicas ficarão prejudicadas. "Em termos políticos, o governo conseguiu cumprir aquilo que havia prometido, mas se não passar a reforma da Previdência, a conta vai explodir no colo do governo", disse.

O placar apertado do segundo turno da votação da PEC no Senado, com doze votos a menos do que no primeiro, mostrou que as divergências na base de apoio já afetam as negociações no Congresso. Temer conseguiu 53 votos a 16, quatro a mais do que os 49 necessários, e viu a debandada dentro do próprio PMDB. Dário Berger (SC) votou contra e dos oito ausentes, três eram do PMDB.

Para Cortez, com as ameaças do Centrão a Temer, o apoio do PSDB é fundamental para o governo. E o sucesso do governo também é importante eleitoralmente para caciques tucanos. Segundo o analista, o governo "minimamente estável" é uma "arma" para o senador Aécio Neves (MG) e o ministro José Serra (Relações Exteriores), pré-candidatos à Presidência, minimizarem o crescimento do governador Geraldo Alckmin (PSDB), que se fortaleceu nas eleições deste ano e não tem sua imagem associada a Temer.