Valor econômico, v. 17, n. 4151, 13/12/2016. Brasil, p. A5

Saque do FGTS para pagar dívida ganha força no pacote

 

Fabio Graner
Edna Simão
 
 
Pressionado pelo agravamento da crise política, o presidente Michel Temer aproveitou a viagem que fez ontem para São Paulo para acelerar as discussões sobre medidas econômicas. Um dia depois de ter se encontrado com líderes do Congresso, ele convocou a equipe econômica para se reunir no início da noite e detalhar as ações que pretende anunciar nas próximas semana. Sem muitas opções, ganha força dentro do governo a possibilidade de permitir o saque dos recursos do FGTS para que as pessoas físicas quitem suas dívidas. A Caixa está elaborando um estudo sobre quanto autorizar de uso do fundo sem prejudicar investimentos em infraestrutura.

O governo se divide entre um anúncio com medidas microeconômicas focadas no longo prazo, mas algumas com impacto mais imediato, ou fazer algo que inclua iniciativas que nesse momento não contam com a simpatia do time do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e nem da equipe do presidente do BC, Ilan Goldfajn.

Entre as iniciativas vistas como indesejadas pelo comando da equipe econômica estaria a redução do compulsório voltada para renegociação de dívidas das empresas e um novo Refis, que conta com forte apoio no Congresso e no empresariado. Em meio a essas discussões, o governo prepara o anúncio da renovação, em bases permanentes e com algumas alterações para dar mais flexibilidade, do Programa de Proteção ao Emprego (PPE), política criada ainda no governo Dilma Rousseff.

O Ministério da Fazenda insiste que é preciso focar em medidas mais estruturais e que não adiantaria partir para supostos remendos de curto prazo, dando a sensação de volta ao passado. A pasta também não demonstrava tanta pressa em anunciar as medidas em estudo, mas terá que se apressar, dado o problema político gerado pela delação da Odebrecht, que atinge o núcleo do governo Temer em um momento em que a economia não dá sinal de retomada.

Entre as mudanças microeconômicas está a flexibilização do marco regulatório do petróleo, na qual deve ser retirada a obrigação de conteúdo local mínimo por item e subitem (produtos e serviços), antecipada pelo Valor na semana passada. Iniciativas para melhorar o sistema de cadastro positivo de crédito, dinamizar as relações no mercado de trabalho e outras para reduzir burocracias, como emissão de alvarás e facilitação do processo de pagamento de tributos pelas empresas, relacionadas no relatório "Doing Business" do Banco Mundial, estão no cardápio.

Ontem o secretário de Política Econômica, Fabio Kanczuk, afirmou que o governo prepara "15 ou 16 medidas" para elevar a produtividade das empresas. Segundo o secretário, que esteve em São Paulo representando Meirelles na festa de entrega do Prêmio Equilibrista 2016, do Ibef, essas medidas devem ter impacto sobretudo na desburocratização, com maior facilidade para abertura e fechamento de empresas e maior facilidade para o pagamento de impostos.

Diante do noticiário de que o governo prepara medidas, o setor privado se movimenta para apresentar propostas. A pedido da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), o ministro do Planejamento, Dyogo de Oliveira, deve receber o presidente da entidade, José Carlos Martins, amanhã para tratar de estímulos para o setor. Segundo Martins, devem ser discutidas ideias como o estímulo às parcerias público-privadas (PPPs) de municípios, que poderia destravar investimentos de infraestrutura que hoje não ocorrem por falta de capacidade técnica.

Martins criticou duramente a ideia em discussão de usar o FGTS para pessoas físicas pagarem suas dívidas. Segundo ele, "está todo mundo de olho e quer tirar uma lasquinha" do Fundo, o que pode acabar comprometendo a capacidade de o FGTS fomentar os investimentos em infraestrutura. Na visão de Martins, é preocupante a discussão do FGTS para pagamento de dívida logo depois de permitir o uso do FGTS como garantia para o crédito consignado. "Desse jeito, vão acabar matando a galinha dos ovos de ouro", disse.

Fonte ligada à indústria paulista, por outro lado, defende o uso do FGTS como forma de melhorar o balanço das famílias, embora avalie que isso não é suficiente. A visão desse interlocutor é que é preciso atuar do lado das empresas, que estão sem crédito e superendividadas. E que o melhor, nesse caso, seria uma liberação de compulsório direcionada à renegociação desses débitos.

O setor financeiro também considera positiva as discussões visando liberar parte do saldo FGTS para o pagamento de dívidas. A medida, no entanto, não é vista como grande solução para o mercado de crédito. O saldo disponível em 96% das contas do FGTS é menor que R$ 6 mil. Além disso, 50% das contas foram abertas em até 12 meses. (Colaboraram Andréa Jubé e Eduardo Campos, de Brasília, e Marta Watanabe, de São Paulo)