A virada das 'commodities'

Rennan Setti

03/01/2017

 

 

Após iniciar 2016 em baixa, empresas na Bovespa fecham ano com valorização de até 200%

 

A recuperação das commodities no mercado internacional e a mudança de governo no Brasil após o impeachment levaram, em 2016, a saltos de quase 200% entre as ações que compõem o principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Companhias do setor de siderurgia, além da mineradora Vale e da estatal Petrobras, dominaram o ranking de companhias do Ibovespa que mais se valorizaram. A maioria desses papéis começou o ano operando em suas menores cotações em mais de uma década, deprimidas pelo fim do chamado “superciclo” dos produtos básicos, por graves problemas de gestão, que levaram a alto endividamento e baixa geração de caixa, e por três anos consecutivos de queda da Bolsa provocados pela recessão e pela paralisia política. Quarenta e nove das 58 ações que integram o principal indicador da Bolsa fecharam o ano em alta, favorecidas pela onda de otimismo que dominou o mercado. Graças a isso, as dez ações que mais subiram levaram a um aumento de R$ 243,8 bilhões no valor de mercado das oito companhias que correspondem a elas.

A mudança de expectativas também fez vítimas. O fortalecimento do real — divisa que teve a maior alta frente ao dólar entre as 31 principais moedas do mundo — levou à desvalorização de ações de empresas exportadoras, como Embraer e produtoras de papel e celulose.

A ação do Ibovespa que mais se valorizou em 2016 foi a Bradespar, empresa de investimentos que detém 21,2% do capital votante da controladora da Vale, a Valepar. A ação preferencial (PN, sem direito a voto) registrou disparada de 199,92% no ano que passou. O movimento foi proporcionado pelo desempenho da própria Vale, cujos papéis preferenciais (PNA, sem voto) subiram 129,2% e os ordinários, 98,2% (R$ 25,68). Segundo analistas, a principal razão foi a valorização do minério de ferro, cuja tonelada avançou 81%, encerrando o ano a US$ 78,87.

O “rali” do produto foi provocado pelo investimento em infraestrutura na China e, no fim do ano, pela eleição de Donald Trump e sua promessa de investir US$ 1 trilhão em obras. Além disso, grandes produtoras de minério pisaram no freio em 2016 em reação aos baixos preços do começo do ano. A alta do minério também ajudou as siderúrgicas, mas Álvaro Bandeira, do Modalmais, observa que foi mais determinante a decisão do governo chinês de cortar a produção de aço. Ele explica que havia uma supercapacidade produtiva no país asiático, que despejava aço barato no mercado global. Como resultado, a Metalúrgica Gerdau disparou 192% em 2016, enquanto sua controlada Gerdau subiu 133,3%. As rivais CSN e Usiminas saltaram 171,2% e 169%, respectivamente.

— O setor de siderurgia foi um dos principais destaques, mas é preciso lembrar que ele estava praticamente com o pé na cova. O que o salvou foi o movimento de Pequim. Mas a melhora não deve se sustentar por muito tempo. Não aconteceram as mudanças necessárias para que essas siderúrgicas de fato se tornem rentáveis. O custo de produção, a logística e a demanda interna seguem sendo empecilhos — avaliou Alexandre Wolwacz, da Escola de Investimentos Leandro & Stormer.

As ações da Petrobras saltaram 97,7% (ON) e 121,9% (PN). Uma razão, segundo Raphael Figueredo, da Clear, foi a própria alta do petróleo, cujo barril do tipo Brent subiu 23,3% no ano e foi favorecido pelo acordo de grandes países produtores para cortar a produção em 2017. Mas o analista destaca a mudança na gestão da companhia, com Pedro Parente assumindo o comando em maio e impondo uma nova política de preços. A ação ordinária da companhia, no entanto, cotada abaixo dos R$ 17, ainda está longe do seu pico de R$ 51,30 em 2008. Completa o top 10 do Ibovespa o Banco do Brasil, que subiu 99,4% no ano.

— A ponta contrária do pregão foi dominada por empresas exportadoras, que sofreram muito com a queda do dólar. Mas há também algumas questão particulares. A Embraer, por exemplo, tem uma dívida elevada. A JBS afastou investidores por estar envolvida na confusão da política — acrescentou Figueredo.

De acordo com Alvaro Bandeira, companhias ligadas ao consumo interno também foram vítimas, é claro, da recessão. É o caso da Ambev, que não se beneficiou da bonança da Bolsa e caiu 4,8%. Segundo relatório de novembro do JP Morgan, seus preços vêm de cinco anos seguidos de reajustes acima da inflação, enquanto seu portfólio de produtos é mais orientado para os segmentos médio e alto do mercado consumidor. Com o aumento do desemprego, sua clientela foi atingida em cheio.

Mas teve empresa que depende do consumo se destacando na Bolsa. No índice Small Caps, que reúne empresas menores, o Magazine Luiza foi um fenômeno, subindo 501% no ano, após ter despencado 70% em 2015. Muitos analistas não veem razões para tamanha valorização. Mas, em outubro, os analistas do BB observaram que os números da varejista superaram a expectativa ao longo do ano. Nos nove primeiros meses de 2016, as vendas subiram 6%, enquanto o segmento de bens duráveis teve contração de 10,8% em 12 meses, segundo o IBGE. Já a Votorantim Corretora, no fim de agosto, ressaltou o foco digital do diretor-executivo Frederico Trajano, que assumiu o Magazine Luiza em novembro de 2015, e fez com que as vendas on-line saltassem 30,6% no primeiro semestre.

A Via Varejo, de Casas Bahia e Pontofrio, saltou 229%, embalada por rumores de que o Grupo Pão de Açúcar estaria negociando a venda do controle. Entre as dez ações que mais caíram do Small Caps, quatro papéis de empresas ligadas ao setor imobiliário (PGD, Gafisa, Rossi e BR Properties), que sofrem com a crise econômica e com os altos juros, e também da outrora queridinha Totvs, de softwares, cujos resultados têm desapontado investidores. A Valid, de soluções tecnológicas de pagamento e identificação, foi a que mais caiu do índice, recuando 40%. Segundo Alexandre Wolwacz, o nível de endividamento da empresa está crescendo mais rapidamente do que a evolução de suas receitas.


“O setor de siderurgia foi um dos principais destaques, mas é preciso lembrar que ele estava com o pé na cova. A melhora não deve se sustentar por muito tempo” Alexandre Wolwacz Sócio da Leandro&Stormer

 

 

 

O globo, n. 30465, 03/01/2017. Economia, p. 17.