Gestora subcontratou outras empresas suas

Ruben Berta e Thiago Herdy

05/01/2017

 

 

Umanizzare, que administra presídio, já recebeu R$ 800 milhões do estado. MP quer fim de contratos

 

-RIO E MANAUS- Com mais de R$ 800 milhões recebidos desde 2013 do governo do Amazonas, a Umanizzare Gestão Prisional e Serviços, responsável pela administração do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), onde ocorreu a rebelião que culminou com a morte de 56 detentos, criou uma rede de firmas, todas com a mesma dona, que vêm sendo subcontratadas para atuar nos presídios do estado.

Um levantamento feito pelo GLOBO mostra que a empresária Regina Celi Carvalhaes de Andrade controla, além da Umanizzare, cinco outras empresas em áreas como alimentação e informática, que prestam serviços nas cadeias, apesar de não terem contrato direto com a Secretaria de Administração Penitenciária.

Ontem, o Ministério Público de Contas do Amazonas protocolou um pedido no Tribunal de Contas do Estado (TCE) para que sejam rescindidos os contratos com a Umanizzare e a Multi Serviços Administrativos, que também atua na gestão terceirizada dos presídios. O MP aponta suspeitas de superfaturamento, mau uso de dinheiro público, conflito de interesses empresariais e ineficácia da gestão.

Segundo o procurador de Contas Ruy Marcelo Alencar de Mendonça, o governo do estado paga à Umanizzare R$ 4.709,78 por mês por preso que está no Compaj “sem a devida contrapartida de serviços proporcionais, inclusive por presos extras, que respondem por superlotação carcerária, denotando assim intolerável conflito de interesses empresarial e má aplicação do dinheiro público”.

A Umanizzare atua em cinco presídios no Amazonas. A empresa possui ainda contratos para a administração de duas unidades no Tocantins, onde também foi aberto no ano passado um procedimento pelo Ministério Público para investigar a atuação da firma.

A relação entre a Umanizzare e a rede de empresas criadas pela própria Regina Celi para atuar nas penitenciárias não chega a ser cercada de sigilo. Um exemplo é a Buon Piatto Alimentação, que tem sede registrada na Receita Federal na cidade de Iranduba, na Região Metropolitana de Manaus. Numa ação recente que a firma impetrou na Justiça contra uma decisão da Secretaria estadual de Fazenda que rescindia o cadastro da empresa no órgão, uma das alegações da defesa foi exatamente a importância do fornecimento de comida para a Umanizzare, que atua no sistema prisional.

Um outro exemplo curioso é o da Cárcere Serviços e Sistemas Inteligentes, firma com sede na Avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo, cujo telefone registrado na Receita Federal é o mesmo da Umanizzare. Autora de uma ação trabalhista no Amazonas, a advogada Aldacy Regis de Sousa Melo garante que seu cliente atuava como agente penitenciário numa cadeia administrada pela Umanizzare, mas seu contracheque era assinado pela Cárcere.

— Cheguei a fazer um questionamento numa das audiências sobre o fato de as empresas terem os mesmos sócios, mas eles negaram — afirma.

Também estão em nome de Regina Celi a Infozzare Serviços de Informática, com sede em Barueri (SP); a Ultratec Serviços Técnicos, de Aparecida de Goiânia (GO); e a Loc All Locações e Serviços, com sede na capital paulista, cujo telefone é o mesmo da Umanizzare.

O GLOBO teve acesso ao modelo de contrato de concessão assinado pela Secretaria de Administração Penitenciária do Amazonas com a Umanizzare que diz em sua 14ª cláusula: “O presente contrato não poderá ser objeto de cessão ou transferência, total ou parcial, a não ser com a prévia anuência do contratante, e sempre mediante instrumento próprio a ser publicado no Diário Oficial do Estado”.

Nos contratos, quem aparece como representante legal da Umanizzare é Divino Ronny Rezende Júnior. Ele é dono também de uma firma chamada Ronju Serviços Corporativos, com sede na cidade de Nerópolis (GO). O telefone dessa empresa é o mesmo da Ultratec Serviços Técnicos, uma das seis firmas de Regina Célia. O GLOBO ligou para o número, mas foi informado que não havia nem Ultratec nem Ronju no local.

Ao ser questionado ontem sobre os serviços prestados pela Umanizzare, o secretário executivo adjunto da Secretaria de Estado de Administração Prisional (Seap) do Amazonas, Jorge Rebello Neto, disse que “a empresa apresenta relatórios de atividades desenvolvidas, previstos em contrato”. E afirmou “não ver problemas na prestação dos serviços ao estado.”

Em nota, a Umanizzare não esclareceu as subcontratações. A empresa disse que “foi contratada, por meio de licitação pública, com base na Lei 8.666/93, para prestar serviços, em regime de cogestão, no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj)”.

“Pelo regime, o Estado cuida das atividades-fim, tais como a execução penal dos sentenciados, a direção do presídio e a disciplina e vigilância dos detentos, enquanto cabe à empresa terceirizada a prestação de suporte às atividades-meio, tais como apoio logístico, limpeza, conservação, manutenção, alimentação, assistência material e assistências jurídica, psicológica, médica, odontológica, social, ocupacional e religiosa”, conclui.

 

 

O globo, n. 30467, 05/01/2017. País, p. 05.