Valor econômico, v. 17, n. 4143, 01/12/2016. Política, p. 10

Senado rejeita manobra de Renan para apressar votação de pacote

 
Vandson Lima
Andrea Jubé
 
 
Em uma criticada manobra, que os próprios senadores identificaram como sendo uma reação do presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), aos procuradores da Lava-Jato, aliados do pemedebista tentaram passar ontem um requerimento para votar imediatamente o projeto do pacote anticorrupção, que foi em grande parte esvaziado em votação na madrugada pela Câmara.

O Senado, no entanto, rejeitou a articulação, por 44 votos a 14. Renan foi duramente criticado. "É uma desmoralização completa. O senhor está promovendo um abuso de autoridade nesta Casa", acusou o senador Cristovam Buarque (PPS-DF). "Vossa excelência está colocando este Senado no fundo do poço. Toda a população ficará contra nós", protestou Ataídes Oliveira (PSDB-TO).

Líder do governo no Senado, Aloysio Nunes (PSDB-SP) orientou contra a urgência na votação. Interlocutores do Palácio do Planalto negaram que o governo tenham participado da costura. Pela manhã, Temer fez movimentos, acionou o líder do PMDB, Eunício Oliveira (CE), justamente para tentar impedir a votação.

Assinaram o documento líderes do PMDB, PSD e PTC - este último só tem um senador, Fernando Collor de Mello (AL). Segundo aliados de Renan, a manobra de fato era uma tentativa de resposta aos procuradores da força-tarefa da Operação Lava-Jato, que ameaçaram abandonar os trabalhos se a "proposta de intimidação de juízes e procuradores", como se referiram ao pacote das "10 Medidas contra a Corrupção", nos moldes da Câmara, fosse sancionada.

Pela articulação, os senadores aprovariam o pacote desfigurado, numa demonstração de que não se dobrariam ao que consideraram uma tentativa de intimidação dos procuradores. Só que na hora de registrar o voto nominal, vários aliados abandonaram Renan e não quiseram deixar suas digitais na mudança polêmica.

Votaram em favor da manobra, além de Collor, Valdir Raupp (PMDB-RO), Benedito de Lira (PP-AL), Ciro Nogueira (PP-PI), Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE), Humberto Costa (PT-PE), Lindbergh Farias (PT-RJ), Hélio José (PMDB-DF), Ivo Cassol (PP-RO), João Alberto (PMDB-MA), Roberto Requião (PMDB-PR), Pastor Valadares (PDT-RO), Vicentinho Alves (PR-TO) e Zezé Perrella (PTB-MG). Destes, os sete primeiros tem ou tiveram contra si inquéritos na Lava-Jato, bem como o próprio Renan.

Alvo de nove pedidos de investigação no âmbito da Lava-Jato, Renan criticou a ação dos procuradores. "A decisão da Câmara não pode sofrer pressão externa. Não se pode fazer cadeia nacional para pressionar por nada que absolutamente conteste, esvazie o Estado de direito", atacou Renan.

Mais cedo, o presidente havia indicado que não pretendia dar qualquer prioridade à tramitação das "10 medidas", que considera em sua maioria "defensáveis apenas em um regime fascista".

"O pacote estava fadado ao tratamento que recebeu", apontou Renan. "Num regime democrático, propor teste de integridade, informante do bem, fim do habeas corpus, validação de provas ilícitas? Isso tudo é defensável no fascismo. No Estado de direito não".

Líder do governo, o tucano Aloysio fez um forte discurso na direção contrária à de Renan. Alertou para o divórcio entre as ações recentes do Congresso Nacional e o desejo da sociedade. "Estamos mexendo com coisas muito perigosas, delicadas e num ambiente explosivo, onde o povo brasileiro olha para nós, seus representantes, dizendo: 'Vocês não nos representam'. Nós queremos jogar pólvora nessa fogueira?", questionou.

A ação de Renan ontem ocorreu na véspera do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), hoje, de denúncia contra ele por supostamente ter despesas de uma filha com a jornalista Mônica Veloso bancadas por uma empreiteira.

Houve panelaços na noite de ontem em várias cidades do país. Nos gritos de protesto estavam críticas às mudanças feitas no pacote anti corrupção. A defesa do "Fora, Temer" foi registrada em capitais como Rio de Janeiro e São Paulo. (colaborou Cristiane Agostine, de São Paulo)