Valor econômico, v. 17, n. 4148, 08/12/2016. Política, p. A12

Especialistas criticam comportamento do STF no caso Renan

Márlon Reis: o advogado do Rede sustenta que a permanência de Renan no cargo diminui o poder do Senado Federal
Por: Por Cristiane Agostine e Ricardo Mendonça

Por Cristiane Agostine e Ricardo Mendonça | De São Paulo

 

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de manter Renan Calheiros (PMDB-AL) na presidência do Senado enfraquece tanto a Corte quanto o parlamento, na análise do advogado Márlon Reis. Defensor do Rede Sustentabilidade e articulador da Lei da Ficha Limpa, Márlon criticou o veredito e disse que o Senado perde força por ter em seu comando alguém que não poderá participar da linha sucessória da Presidência da República.

O STF se desgasta, no entendimento de Márlon, ao não punir Renan, mesmo após o senador ter desobedecido determinação de um de seus membros, o ministro Marco Aurélio Mello.

Idealizador da tese de que réu não pode estar na linha de sucessão da Presidência da República, Márlon disse que não há como dissociar a presidência do Senado da sucessão linha sucessória.

"Renan afrontou não só a autoridade do Supremo, mas também o poder do Senado. Ao permanecer no comando, ele diminui o poder do cargo", disse. "Faz parte da prerrogativa da presidência do Senado poder assumir a Presidência da República".

Na tarde de ontem, o pleno do STF decidiu por seis votos a três que Renan poderá permanecer no comando do Senado, mas sem que possa assumir a Presidência da República em eventual vacância. O pemedebista tornou-se réu no caso em que é acusado de ter recebido favores de uma empreiteira para pagar despesas de uma namorada. O Rede havia pediu o afastamento, solicitação atendida por Marco Aurélio em caráter liminar, mas não cumprida.

"A mensagem que Renan passou foi é a pior possível: a de que é possível descumprir uma decisão judicial que você não concorda", afirmou Márlon. Apesar disso, o advogado acha que as instituições continuam fortes e que o embate faz parte do processo de "amadurecimento" da democracia. "Esse conflito é necessário e positivo. A paz que havia antes era fruto da omissão das instituições em relação aos desvios. Escondia-se as inconformidades".

O professor Joaquim Falcão, da Fundação Getúlio Vargas no Rio, destaca outros aspectos críticos do episódio. Para Falcão, a liminar de Marco Aurélio foi um exemplo de atuação política cada vez mais constante dos magistrados, incentivados por lacunas nas regras internas do STF.

"O que caracteriza o Supremo é que é uma instituição sem regras previsíveis de como cada ministro decide. Exemplo: não tem mais prazo para pedir vista, não se respeita a formalidade administrativa. Tem uma situação de casa desorganizada. Cada ministro passa a ser uma individualidade e não acontece nada mesmo quando não são observadas as regras do STF. O ministro Dias Toffoli ia segurar pedido de vista sobre Renan [na decisão sobre a sucessão presidencial] para aprofundar a análise, mas essa decisão teria a finalidade política de poupar Renan. Ministros têm feito política através da ausência de regras [internas]", disse.

Falcão ressalta que o presidente do Senado é quem delibera sobre impeachment de ministro do STF, e lembra que Renan arquivou pedidos contra Gilmar Mendes e Dias Toffoli neste ano.

"A incerteza administrativa cria insegurança jurídica", diz. "No caso do Gilmar Mendes, por exemplo, sobre a decisão [de proibição] de doação de campanha [por parte de pessoa jurídica], ele reteve o processo. Disse que iria reter o pedido de vistas até que o Congresso se resolvesse em relação ao tema. A crise hoje é de desinstitucionalização da democracia. Fica uma situação de legalidade incerta. Tanto pode ter a [ex-] presidente Dilma nomeando Lula [para a Casa Civil] para protegê-lo da Justiça, como Eduardo Cunha (ex-presidente da Câmara) usando a prerrogativa da pauta para evitar decisões que a economia necessita".

Ao falar da tendência de desinstitucionalização, Falcão não economiza nas críticas a Gilmar Mendes. "Na semana passada, era possível ver pela TV Justiça que a cadeira do Gilmar estava vazia mesmo com a sessão do Supremo já iniciada. Ao mesmo tempo, a TV Senado o mostrava no Senado, em evento com o juiz Sergio Moro, defendendo o Renan. O ministro não estava cumprindo sua função (...). É difícil acreditar na independência dos Poderes vendo essa cena", afirmou.

O advogado Pierpaolo Bottini tem uma visão destoante do episódio envolvendo Renan. Para Bottini, os ministros do Supremo erraram na interpretação segundo a qual um parlamentar réu em ação penal não pode eventualmente exercer a Presidência da República na ausência do titular.

É esse "erro original", segundo Bottini, que gerou toda a confusão subsequente: a liminar de Marco Aurélio determinando afastamento de Renan, o desrespeito da decisão e, por fim, a tensa votação de ontem no pleno do STF contrariando Marco Aurélio e mantendo Renan no cargo.

A tese segundo a qual ocupante de cargo na linha sucessória não pode exercer suas funções quando réu em ação penal é baseada no dispositivo constitucional que prevê afastamento do presidente da República se o Senado receber contra ele denúncia ou queixa-crime pela prática de crime comum.

Bottini destaca que o mesmo texto não fala em qualquer crime comum, mas só aqueles relacionados ao exercício de suas funções na Presidência, ou seja, praticados durante o mandato. É esse detalhe, segundo ele, que foi ignorado pelo Supremo.

Quando o delito foi cometido antes da posse do presidente, lembra, o procedimento fica suspenso até que ele deixe o cargo. Por essa lógica, diz, não deve haver impedimento para que parlamentar réu em ação penal eventualmente assuma a Presidência.

O advogado defendeu essa tese num artigo escrito há cerca de duas semanas e publicado na segunda pelo site "Poder360".