Valor econômico, v. 17, n. 4143, 01/12/2016. Política, p. A11

Câmara retalia MP em pacote anticorrupção

 

Raphael Di Cunto

 

O "Centrão", o PMDB do presidente Michel Temer, PSB e oposição (PT, PCdoB e PDT) foram os principais articuladores da desidratação do projeto das "10 Medidas Contra a Corrupção" pelo plenário da Câmara dos Deputados na madrugada de ontem, marcada pela polêmica aprovação de um dispositivo para punir magistrados e integrantes do Ministério Público (MP) por crime de abuso de autoridade.

O projeto, elaborado pelo Ministério Público Federal (MPF) e apoiado por dois milhões de pessoas, propunha dez conceitos - com dezenas de mudanças legislativas - para auxiliar no combate à corrupção. Com o argumento de que parte da medidas atacava direitos individuais, aumentaria a população carcerária e daria "superpoderes" ao MP e Judiciário, esses partidos aprovaram 13 emendas para alterar a proposta.

Nos bastidores, parlamentares dizem que as mudanças foram uma retaliação à pressão e as investigações do MP e também uma "vingança" contra o relator do projeto, deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), que teria - na visão desses deputados - aproveitado os holofotes para aparecer e jogar a opinião pública contra o Congresso, além de romper um acordo com os partidos para retirar parte dos pontos excluídos pelo plenário ontem.

Com exceção em um ou outro ponto, centrão (PP, PR, PSD, PTB, PSC e Solidariedade), PMDB, PSB, oposição e Psol apoiaram todos os destaques. Líderes desses partidos combinaram, ao longo do dia, abortar a estratégia de votar um substitutivo ao parecer de Lorenzoni, aprovado por uma comissão especial, e discutir ponto a ponto as divergências sobre o texto para evitar a acusação de que estavam atacando o projeto.

Dos 10 conceitos por trás das medidas, sobraram apenas três: transparência nas ações de combate à corrupção; aumento de pena e crime hediondo para crimes de grande monta contra a administração pública; criminalização do caixa dois eleitoral por candidatos, doadores e partidos. Todos tiveram modificações pelo Congresso.

O caixa dois, por exemplo, teve a punição reduzida e, por destaque do PP apoiado por todos os partidos, caiu também a possibilidade de suspensão do diretório partidário e do dirigente por atos "lesivos de extrema gravidade e repercussão" quando o juiz entendesse que a multa aplicada sobre o fundo partidário por caixa dois - reduzida a metade pelos deputados - não fosse punição suficiente.

Outro destaque, do PR, derrubou artigo que revogaria uma lei criada pelo Congresso em 2015 para que dirigentes partidários só possam responder civil e criminalmente por atos lesivos insanáveis nas contas do partido que tenham levado a enriquecimento ilícito - ou seja, impede a punição por práticas menos graves ou se não comprovar o crescimento irregular de patrimônio.

Outro ponto excluído é o enriquecimento ilícito de agentes públicos. Para os contrários, isso inverteria o ônus da prova e o investigado é quem teria que provar a origem legal dos bens. Até o PT, que no governo Dilma apresentou projeto com esse sentido, criticou a proposta. Segundo o líder do partido, Afonso Florence (BA), o motivo é que a versão do MPF visaria atingir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo sítio que o petista alega não ser dele em Atibaia. "O projeto dizia que, ao usufruir de uma propriedade, o agente público teria que explicar a origem. Isso é um absurdo", afirmou.

Contrários as inclusões feitas por Onyx de temas que não estavam nas 10 medidas originais, como tornar obrigatória a participação do MP nos acordos de leniência, o acordo penal para um réu admitir culpa em troca de negociar a flexibilização em sua pena e o "reportante do bem", informante que seria remunerado pela denúncia, os partidos derrubaram os três pontos. Mas acrescentaram duas inovações polêmicas.

Por iniciativa do PDT apoiada pela maioria dos partidos, magistrados e integrantes do MP serão julgados por abuso de autoridade quando atuarem com conduta incompatível com o cargo - o que ficou um texto muito vago e que dá brechas para pressões, dizem os contrários. Um cidadão, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ou organizações de direitos humanos oferecerão a queixa ao Ministério Público, a quem caberá fazer a denúncia. O julgamento se dará pelo tribunal da jurisdição onde o promotor ou juiz exercer sua função.

Apenas quatro partidos se manifestaram contra: Psol, PV, PPS e Rede. O PSDB não orientou a bancada, mas a maioria votou pela rejeição da emenda. Já o DEM, partido do relator, também liberou seus deputados, mas 17 dos 24 que votaram apoiaram a medida. Para o líder da sigla, Pauderney Avelino (AM), isso ocorreu por um erro de condução do MP e de Lorenzoni, que levaram à reação do plenário.

Diante da reações do MP, líderes se reuniram ontem no gabinete do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e cobraram uma reação. Maia defendeu que o Legislativo não é cartório para carimbar projetos. "Quer gostem ou não do resultado, 313 deputados votaram a favor da emenda. É um quórum suficiente para mudar a Constituição e precisa ser respeitado", disse.

Parlamentares argumentam que, mesmo com as modificações, foram aprovadas medidas que ajudarão a combater a corrupção, como o endurecimento de penas, a criminalização do caixa dois e o treinamento de agentes públicos para lidarem com casos de propina. "Quando o clima esfriar vão perceber que o projeto tem avanços importantíssimos", disse o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP).