Correio braziliense, n. 32040, 22/12/2016. Poder, p. A6

Documentos citam receptores de propina

Sem entregar nomes, papéis dos EUA falam de 'ministros' e membros do 'alto escalão' do governo e do Congresso. Embora trate os mencionados por números, Departamento de Justiça relata episódios de pagamento

Por: Bela Megale, Camila Mattoso, Julio Wiziack e Rubens Valente

 

Os documentos tornados públicos pelo DOJ (Departamento de Justiça) dos Estados Unidos revelam que 14 pessoas, entre políticos brasileiros e funcionários de estatais, ganharam dinheiro para ajudar os interesses das empresas Odebrecht e da Braskem, braço petrolífero do grupo.

O DOJ descreve cada um dos recebedores de propina, sem citar os nomes, colocando de forma genérica os respectivos cargos.

Na relação dos 14 estão "membros do alto escalão do governo", dois "ministros", "membros de estatais brasileiras", "diretor da Petrobras" e "político do alto escalão do Legislativo do Brasil".

Entre as histórias que mostram o envolvimento dos agentes públicos e políticos está a discussão do acordo de segurança ambiental firmado em outubro de 2010 entre a Odebrecht e a Petrobras.

Segundo os investigadores americanos, a empresa ganhou o contrato depois de repassar mais de US$ 40 milhões (R$ 133,3 milhões, ao câmbio desta quarta-feira) para alguns partidos políticos brasileiros.

O dinheiro saiu do departamento de operações estruturadas da Odebrecht, área responsável pelo gerenciamento de propina, segundo as investigações da Operação Lava Jato.

"Parte dos recursos foi paga diretamente a representantes específicos do governo", diz trecho do documento dos EUA.

Folha mostrou na semana passada que Márcio Faria, na época presidente da Odebrecht Engenharia Industrial, informou em delação premiada ao Ministério Público Federal que participou de uma reunião em 2010 para tratar de doações à campanha eleitoral do PMDB daquele ano em troca de facilitar a atuação da empreiteira no projeto PAC SMS (Plano de Ação de Certificação em Segurança, Meio Ambiente e Saúde) da Petrobras.

O encontro foi no escritório do presidente Michel Temer em São Paulo.

Além dele, estavam presentes o ex-presidente da Câmara e ex-deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e o lobista João Augusto Henriques.

Ligado ao PMDB, Henriques já afirmou que um contrato de quase US$ 1 bilhão, ou R$ 3,3 bilhões, foi fechado às vésperas do segundo turno das eleições de 2010 entre a área internacional da Petrobras, sobre a qual ele tinha influência, e a Odebrecht.

O DOJ diz que um funcionário da Odebrecht, identificado como número 5, foi quem participou de toda a negociação, conversando com o cartel que havia se formado para concorrer ao pleito.

Michel Temer nega que tenha tratado de projetos na reunião e diz que não se lembra do nome do empresário que estava em seu escritório.

PROPINAS

O DOJ relata outra história em que a Braskem tentou em 2010, via Congresso Nacional, resolver disputas de impostos travadas nos Estados.

A medida era tratada com alto grau de prioridade porque faria a empresa pagar muito menos impostos com a venda de seus produtos.

A lei foi aprovada e a Braskem pagou R$ 4 milhões para um parlamentar, identificado como servidor número 7, descrito no documento americano como membro do alto escalão do Legislativo brasileiro.

Logo depois, um funcionário da empresa informou que um outro político do Congresso Nacional, sem citar seu nome, também merecia receber dinheiro pela atuação a favor do projeto.

Em delação premiada ao Ministério Público brasileiro, o ex-vice-presidente de relações institucionais da Odebrecht Cláudio Melo Filho disse ter pago R$ 4 milhões a Romero Jucá (PMDB-RR) para aprovação de uma lei que ajudava a resolver conflitos de impostos.

O ex-executivo contou ainda que o hoje ex-senador e delator Delcídio do Amaral (ex-PT-MS) recebeu R$ 500 mil por ter reclamado, depois da aprovação da lei, que não havia recebido a devida "atenção" pelos serviços prestados. Amaral foi o relator do projeto.

Em outra parte do documento, os americanos contam que a Odebrecht pagou propina para integrar um consórcio de um projeto de transporte no Brasil, não identificado.

De acordo com os EUA, a empresa pagou um agente público, denominado servidor número 4, em troca de sua ajuda para fazer parte da construção.

Neste caso, o DOJ identifica o agente 4 como um membro do alto escalão do governo, com mandato em curso.

Os pagamentos a ele e outros agentes públicos relacionados ao tema, no valor de mais de US$ 20 milhões, cerca de R$ 66,6 milhões, aconteceram entre 2010 e 2014. A Odebrecht lucrou aproximadamente U$S 184 milhões (R$ 613 milhões) com o negócio.

A Odebrecht e a Braskem não têm se manifestado sobre o conteúdo das delações premiadas e acordos de leniência firmados.

Editoria de arte/Folhapress

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Braskem falsificou registros para ocultar suborno

Por: Bela Megale, Camila Mattoso, Julio Wiziack e Rubens Valente

 

Segundo os documentos das autoridades americanas, a Braskem, braço químico da Odebrecht, "falsificou livros e registros" para ocultar os destinatários de US$ 175 milhões dos US$ 250 milhões (R$ 813 milhões atuais) pagos em propina a brasileiros.

Os recursos pagos identificados foram, ainda segundo o Departamento de Justiça dos EUA, indevidamente justificados por "contratos fictícios".

De acordo com os americanas, a petroquímica pagou o montante a governadores, membros do governo federal, congressistas e executivos em troca de benefícios de US$ 289 milhões (R$ 963 milhões).

Foi paga propina até para renovar contratos com a sócia Petrobras. Em 2005, a petrolífera e a Braskem discutiam parceria em um megaprojeto petroquímico no Rio de Janeiro. Ambas tinham contratos assinados, mas funcionários da Braskem descobriram que a Petrobras queria substituí-la. Por isso, a empresa pagou para continuar na parceria.

Na sequência, a petroquímica passou a renegociar com a Petrobras a renovação do contrato de fornecimento de nafta (matéria-prima).

O assunto era prioritário porque poderia comprometer o futuro da Braskem. Sem esse contrato, ela perderia competitividade e seu valor de mercado despencaria.

Nas negociações, a Petrobras apresentou índices de cálculo do preço da nafta favoráveis à estatal. As conversas seguiram de 2009 a 2011 e a Braskem, dizem os EUA, pagou US$ 12 milhões (R$ 40 milhões em valores atualizados) a integrantes do governo e altos executivos da Petrobras.

Segundo as investigações americanas, a maior parte das vantagens obtidas pela Braskem surgiu a partir da aprovação de quatro leis que garantiram desonerações fiscais.

Por essas medidas, a empresa destinou R$ 76,3 milhões em propinas a parlamentares. Parte foi paga por doação oficial de campanha e outra via caixa dois, relata a investigação.

Nos Estados, de acordo com os documentos, pelo menos quatro governadores aceitaram propina via doação de campanha em troca de novos investimentos e a manutenção do regime tributário que garantia à petroquímica pagar menos imposto.

O DoJ não mencionou os nomes dos envolvidos. Menciona que para um dos governadores, a Braskem doou R$ 800 mil, sendo R$ 200 mil na campanha de 2006, e R$ 600 mil na de reeleição, em 2010.

Ainda segundo os EUA, a empresa se comprometeu a pagar US$ 957,6 milhões em indenizações e multas. Desse total, 70% ficarão no Brasil (US$ 442,8 mi), 15% nos EUA e 15% na Suíça (US$ 94,8 mi cada). A SEC, regulador do mercado de capitais dos EUA, receberá US$ 365 milhões.