Reação incerta

Catarina Alencastro, Eduardo Barretto e Renata Mariz

06/01/2017

 

 

Após massacre em Manaus, governo anuncia medidas de Segurança sem prazos e metas

 

-BRASÍLIA- A reboque de novo massacre em prisões brasileiras, com o assassinato de 56 pessoas dentro do maior complexo prisional do Amazonas, o governo federal anunciou ontem um pacote de Segurança, sem, contudo, apresentar metas ou prazos. Após se reunir com ministros, o presidente Michel Temer anunciou que serão construídos cinco novos presídios federais de segurança máxima para abrigar detentos perigosos, antecipando uma das medidas do Plano Nacional de Segurança, que ainda não foi debatido com governos estaduais. Em cada unidade haverá entre 200 e 250 novas vagas. Os gastos serão de cerca de R$ 200 milhões, ou até R$ 45 milhões por unidade.

Antes de erguer novas cinco penitenciárias federais, o governo precisa, no entanto, terminar a quinta unidade do tipo no país, que começou a ser construída em Brasília, mas está atrasada. O edital do projeto foi lançado em 2013. A empresa responsável abandonou a obra, e a segunda colocada na licitação havia assumido o canteiro, após uma longa negociação, de acordo com o governo.

A mesma promessa de construir cinco presídios federais foi feita pelo ex-presidente Lula no primeiro ano de governo, em 2003. Ele disse que todas as unidades estariam funcionando em 2006, mas a quarta e última prisão ativa só começou a operar em 2009. Problemas com terrenos, licitações e licenças são apontados como motivo para o atraso de mais de dez anos em relação à previsão inicial de finalização das unidades.

Os presídios federais também não se mostram imunes à atuação das facções. Investigações da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal (MPF) mostram que ao menos um líder da Família do Norte (FDN), apontada como responsável pelo massacre em Manaus que deixou 60 mortos, manteve influência no grupo criminoso mesmo preso na unidade da União.

Segundo investigações da PF, substitutos são preparados com antecedência para ficar nas cadeias estaduais quando os “chefes” são transferidos para prisões federais. Foi o que ocorreu no caso do suposto líder da FDN, José Roberto, que já tinha escolhido um braço-direito para lhe suceder quando fosse retirado do estado, o que ocorreu em 2015. Diálogos nesse sentido foram interceptados nas investigações.

O MPF denunciou ainda que um membro da FDN identificado como Jociclei Braga de Moura mantinha “contato” e “influência” na facção mesmo “recolhido em presídio federal”. O preso transmitia mensagens de comando para o grupo criminoso por meio da mulher, que foi interceptada como interlocutora em diversas comunicações, segundo as investigações, e também pelos advogados que o visitavam na cadeia.

Ontem, o governo também prometeu que serão gastos R$ 150 milhões por ano em bloqueadores de celular para cobrir pelo menos 30% das unidades em cada estado. E mais R$ 80 milhões para a compra de equipamentos, como scanners e equipamentos de raio-X. No total, o governo promete investir R$ 430 milhões com essas ações. Afora a liberação de R$ 1,2 bilhão anunciada na semana passada do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) para os estados e que propiciaria a abertura de 27 mil novas vagas para presos em todo o país. As medidas farão parte de um novo Plano Nacional de Segurança.

 

— Acho que a União há de ingressar fortemente nesta matéria, que hoje a questão de Segurança, embora cabível aos estados, gera preocupação da União. Teremos recursos hipotecados para o problema, sem invadir as atribuições dos estados — disse Temer ao abrir a reunião no Palácio do Planalto.

Temer repetiu que cabe aos estados gerir a Segurança Pública, mas que o problema extrapolou os limites dessas unidades da Federação, preocupando o governo federal. O presidente determinou que presos de alta periculosidade fiquem instalados em prédios separados dos presos de menor potencial violento. Ele invocou a Constituição para dizer que a situação atual, na qual presos de diferentes calibres e detentos provisórios se misturam a presos definitivos, é uma “inconstitucionalidade”.

— O preso deve cumprir a pena de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo. E nós sabemos que isso não tem sido cumprido. Portanto, está havendo permanentemente, por assim dizer, uma quase inconstitucionalidade em face do não cumprimento deste preceito — disse Temer.

Segundo o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, os cinco presídios federais serão construídos um em cada região, ainda sem meta de conclusão das obras. E neles já haverá separação predial entre os que cometeram crimes de forma violenta e os demais. Moraes disse que só construir presídios não resolve o problema do sistema penitenciário.

Sem apontar culpados sobre a situação do sistema prisional do país, o ministro defendeu penas alternativas para detentos que cometeram crimes sem violência ou grave ameaça. Cerca de 40% dos presos no Brasil são provisórios, enquanto a média nos países desenvolvidos é de 8%. No Amazonas, estado em que aconteceu o massacre do último domingo, o índice sobe para 56%.

— Nós sabemos que a construção somente de presídios não é o que vai solucionar a questão penitenciária. Para evitar o que nós vimos que ocorreu temos que racionalizar o sistema penitenciário. No sistema brasileiro nós prendemos muito, mas prendemos mal — reconheceu.

Ele pontuou que um bandido que pula o muro e rouba um botijão de gás tem o mesmo tratamento daquele que rouba a mão armada. E citou que foram identificadas 1.800 mulheres presas por tráfico qualificado, que são rés primárias, foram pegas com pequenas quantidades de droga e têm filhos pequenos que dependem delas. Essas mulheres, disse, poderiam ter penas alternativas, ingressar em cursos de capacitação e usar tornozeleiras eletrônicas. Segundo o ministro, 72% das detentas são acusadas de tráfico qualificado.

Ao explicar as medidas, Moraes afirmou que o governo vai propor ao Ministério Público e às defensorias públicas dos estados que realizem mutirões de audiência de custódia e que seja oferecido ao juiz “um cardápio” com alternativas além das duas opções de soltar ou manter preso o acusado de crime.

Nesse anúncio parcial do Plano Nacional de Segurança, ele pouco falou sobre medidas para melhorar as condições dos detentos, e só após ser perguntado disse que há previsão para cursos de capacitação para os agentes penitenciários e para os presos. Em algumas unidades, poderá ser construído um local para que os detentos aprendam uma profissão. No início da noite, o Ministério da Justiça anunciou que hoje serão divulgados os detalhes do plano.

 

A PROPOSTA

PRESÍDIOS FEDERAIS:

Construção de cinco presídios de segurança máxima, um em cada região. Com custo de R$ 200 milhões, as prisões terão entre 200 e 250 vagas. Os prédios serão separados de acordo com a gravidade dos crimes, sexo e idade.

EQUIPAMENTOS:

Bloqueio de celular em cerca de 30% das penitenciárias, ao preço de R$ 150 milhões por ano. Outros R$ 80 milhões comprarão aparelhos de raios-x.

PUNIÇÃO:

Proposta de penas alternativas para crimes sem violência ou grave ameaça. E mutirão de audiências de custódia para redução de presos provisórios.

FRONTEIRA:

Serão destinados R$ 450 milhões para o monitoramento de fronteiras, em cooperação com países vizinhos.

INTEGRAÇÃO:

Núcleo de inteligência nas capitais, com Polícia Federal, Abin, secretarias de sistema penitenciário, PM, Polícia Rodoviária e Polícia Civil.

AVALIAÇÃO.

Mapeamento e operações para coibir a violência contra a mulher nas capitais.

 

 

O globo, n. 30466, 04/01/2017. País, p. 03.