Após silêncio, Temer chama chacina de 'acidente pavoroso' e é criticado

Catarina Alencastro, Daniel Guillino, Eduardo Barreto e Júnia Gama

06/01/2017

 

 

Também repercute mal declaração que exime poder público de culpa

 

-RIO E BRASÍLIA- Criticado pelo silêncio, o presidente Michel Temer resolveu finalmente falar sobre os 56 mortos no presídio Anísio Jobim em Manaus e acabou criticado, de novo. Ao se manifestar sobre o massacre após quatro dias, ele eximiu o governo do Amazonas de responsabilidade e, ao prestar solidariedade às famílias dos presos assassinados numa guerra de facções iniciada na virada do ano, chamou a chacina de “acidente pavoroso”:

— Eu quero mais uma vez solidarizar-me com as famílias que tiveram os seus presos vitimados naquele acidente pavoroso que ocorreu no presídio de Manaus. Nossa solidariedade, portanto, é uma solidariedade governamental e, tenho certeza, apadrinhada por todos aqueles que aqui se acham — disse, ao abrir reunião no Palácio do Planalto para anunciar medidas na Segurança.

A má repercussão da declaração em referência ao massacre foi captada pela Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência. Auxiliares do Palácio do Planalto informaram ao presidente que a expressão “acidente pavoroso” gerou reações negativas nas redes sociais: nas críticas, muitos consideraram que não se tratou de algo fortuito, mas de uma tragédia anunciada e que poderia ter sido evitada.

Temer determinou que a Secom esclarecesse o episódio e divulgasse sinônimos da palavra acidente, para explicar que não era sua intenção dizer que se tratava de algo imprevisível. Mas, pouco depois, ele próprio publicou em sua conta no Twitter expressões com o mesmo sentido: “Sinônimos da palavra ‘acidente’: tragédia, perda, desastre, desgraça, fatalidade”. Uma internauta contestou: “Por que o senhor não usou então logo uma dessas?”.

No “Dicionário Houaiss”, entre os sinônimos para acidente não estão tragédia, desastre ou desgraça. Estão lá: “acontecimento casual”, “fortuito”, “inesperado” ou “qualquer acontecimento, desagradável ou infeliz”, que envolva perda , sofrimento ou morte. Já no “Aurélio”, há a definição: “acontecimento infeliz, casual ou não”, que resulte em “desastre”.

Ontem, integrantes do governo fizeram mea-culpa pelo fato de não ter havido qualquer mensagem do Planalto logo após a tragédia. Admitiram que faltou “timing”.

O presidente e o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, alinharam-se ao aliviar a culpa do governo do Amazonas e da União sobre as mortes e apontar o dedo para a empresa privada que gere a prisão.

— Lá em Manaus, o presídio era privatizado e portanto não houve uma responsabilidade muito objetiva, muito clara, dos agentes estatais — disse Temer.

Moraes afirmou em seguida que a maior responsável pelo segundo maior massacre em prisões no país foi a empresa terceirizada:

— Houve falha da empresa. Não é possível que entrem armas brancas e escopetas e celulares. Quem tem a responsabilidade imediata de verificar a entrada é a empresa de segurança.

Para Maria Laura Canineu, diretora da Human Rights Watch no Brasil, Temer foi infeliz tanto na demora em se pronunciar como ao chamar o massacre de “acidente pavoroso”.

— Acidente dá a ideia de algo imprevisto. O massacre não teve nada de imprevisto — disse, citando a superlotação e o número insuficiente de agentes de Segurança como indicativos da má situação do sistema penitenciário.

Canineu condenou ainda a tentativa de minimizar a responsabilidade do estado no confronto, já que a gestão do presídio é feita por uma empresa privada:

— É bastante revoltante. A responsabilidade estatal é total. Ele não pode abrir mão da responsabilidade daqueles que estão sob a sua custódia.

A crítica foi reforçada por Marcos Fuchs, diretor-adjunto da Conectas:

— O Estado é responsável pela tutela, pela garantia da vida daquele que está dentro da unidade — frisou Fuchs.

 

“Quero mais uma vez solidarizar-me com as famílias que tiveram seus presos vitimados naquele acidente pavoroso no presídio”

Michel Temer

Presidente

 

“Acidente dá a ideia de algo imprevisto. O massacre não teve nada de imprevisto”

Maria Laura Canineu

Diretora do Human Rights Watch

 

“A responsabilidade estatal é total”

Marcos Fuchs

Diretor da Conectas

 

 

O globo, n. 30468, 06/01/2017. País, p. 04.