Socorro negado

Eduardo Barreto e Catarina Alencastro

07/01/2017

 

 

O ministro da Justiça tentou negar, mas documentos mostraram que o governo federal negou ajuda solicitada pelo governo de Roraima para tentar conter a grave crise no sistema carcerário do estado, que resultou ontem no terceiro maior massacre da História do país, com 31 mortos na Penitenciária Agrícola Monte Cristo, em Boa Vista, cinco dias após a chacina de 60 presos em Manaus.

Em 21 de novembro do ano passado, a governadora de Roraima, Suely Campos (PP), enviou ofício ao ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, no qual pediu expressamente e “em caráter de urgência” apoio do governo federal “em virtude dos últimos acontecimentos” no sistema prisional do estado.

Inicialmente, o ministro da Justiça disse que o pedido do estado foi para o uso dos homens da Força Nacional na segurança pública para controlar a entrada de venezuelanos.

— O que foi solicitado pelo governo de Roraima foi o envio da Força Nacional para fazer segurança pública, e não o envio para o sistema penitenciário. O pedido foi feito em virtude da questão da entrada maior de venezuelanos — declarou o ministro, durante o anúncio do Plano de Segurança Pública, no Planalto. Até então, o documento de Suely Campos não era conhecido.

A documentação encaminhada pelo governo de Roraima ao ministério ia além. O secretário de Justiça do estado, Uziel de Castro Júnior, em folhas anexas ao pedido da governadora, relatou a ocorrência de 13 mortes com requintes de crueldade, 14 fugas, graves ameaças e batalhas entre as facções Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho (CV), além de tentativas em vão de separar e transferir presos na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo. Algumas mortes foram por esquartejamento, decapitação e carbonização.

 

MINISTÉRIO TENTA EXPLICAR CONTRADIÇÕES

Moraes respondeu ao pedido da governadora cinco dias depois, em 26 de novembro, informando que não poderia atender à sua solicitação pois a Força Nacional estava empregada em outras ações. “Apesar do reconhecimento da importância do pedido de Vossa Excelência, infelizmente, por ora, não poderemos atender ao seu pleito”, escreveu o ministro no documento.

Ontem, horas depois da negativa de Moraes, o Ministério da Justiça tentou explicar, por meio de nota, a posição do ministro. A pasta informou que em 18 de outubro, um mês antes do pedido de socorro da governadora, o ministro teve um encontro com Suely Campos, que o informou que iria pedir apoio do governo federal aos presídios do estado. Na data, de acordo com os relatos do ofício, dez presos do CV já haviam sido assassinados por rivais do PCC, que derrubaram um muro da cadeia.

De acordo com a Justiça, Moraes explicou que a Força Nacional não poderia atuar dentro dos presídios, e que o governo só poderia auxiliar em eventual rebelião ou eventos subsequentes. O ministério ainda disse que, na ocasião, foram liberados R$ 13 milhões para compra de equipamentos e armas nos presídios de Roraima.

Entretanto, o ofício de Suely Campos, depois da referida reunião fala em “apoio do governo federal”, e não somente da Força Nacional. No documento em que recusou socorro ao estado, o ministro da Justiça não dá explicações detalhadas. Além disso, apesar de a Justiça alegar que liberou R$ 13 milhões dez dias antes do ofício da governadora, ela pediu 180 armas para o sistema carcerário.

Além de pedir ajuda federal, o governo de Roraima deu ao Ministério da Justiça detalhes de mortes e rebeliões recorrentes na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, que seriam coordenadas pelo PCC em retaliação “à tentativa do Estado de retomar o controle do sistema penitenciário”. Presos rivais foram separados e transferidos de prisão, mas até um muro foi derrubado pelo PCC para atacar integrantes da facção rival.

 

MINISTRO VÊ SITUAÇÃO SOB CONTROLE

De acordo com fatos narrados pelo secretário de Justiça de Roraima e anexados ao ofício da governadora, ainda em agosto, após “cisão”, detentos do PCC fizeram “grave ameaça à vida” dos integrantes do CV, e por isso foram separados de ala. Dois meses depois, em 16 de outubro, presos do PCC derrubaram o muro que apartava as facções, durante o horário de visitas da cadeia, e dez presos do CV foram decapitados e queimados. Isso levou à transferência de membros da facção para outra carceragem em Roraima, a Cadeia Pública de Boa Vista. Nos dias seguintes, sete presos do PCC foram transferidos para o sistema penitenciário federal.

Em 22 de outubro, um preso foi esquartejado. O mesmo aconteceu em 15 de novembro, na mesma ala. Nos dias 9 e 12 de novembro, 14 presos fugiram da cadeia. Em 16 de novembro, um policial militar foi morto em casa, com dois tiros na nuca, “sem a mínima possibilidade de defesa”, segundo o secretário de Justiça, que pontua que o ato foi “a maior demonstração de selvageria”. Já no dia 21 de novembro, data do ofício para o Ministério da Justiça, um detento foi encontrado decapitado. Fazendo apelo para que o governo federal desse socorro ao sistema penitenciário do estado, o secretário relata “baixo efetivo de agentes e policiais”.

No anúncio do Plano de Segurança, Moraes disse que a situação nos presídios brasileiros está sob controle e que o governo não teme uma onda de rebeliões e assassinatos. De segundafeira a ontem, mais de 90 presos foram mortos em Manaus e em Roraima.

— A situação não saiu do controle. É outra situação difícil. Roraima já havia tido problemas anteriormente. Tivemos 18 mortos no ano passado em Roraima. A questão do fato de termos rebelião ou termos mortes talvez tenha sido o grande problema: a cada problema você cuida do problema e larga a questão sequencial. Temos que atuar nas duas frentes — declarou, completando: — Trata-se de um acerto interno de contas

O ministro chegou a anunciar, durante sua coletiva, que seguiria para Roraima ainda ontem. Mas a viagem foi cancelada após uma conversa da governadora com o presidente Michel Temer. Suely Campos argumentou que a situação estava sob controle e que não seria necessária a presença do Moraes no estado.

 

 

O globo, n. 30469, 07/01/2017. País, p. 03.