Valor econômico, v. 17, n. 4147, 07/12/2016. Política, p. A5

Renan resiste a cumprir liminar

Renan: depois de ter se recusado a receber a notificação na noite de segunda-feira, senador deixou oficial de Justiça esperando por quatro horas e não a assinou
Por: Por Vandson Lima e Fabio Murakawa
Por Vandson Lima e Fabio Murakawa | De Brasília
 

 

A decisão do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), de afastar Renan Calheiros(PMDB-AL) da presidência do Senado criou uma situação de confronto entre os Poderes Legislativo e Judiciário e confusão entre os próprios senadores, que sequer concordam sobre quem preside os trabalhos da Casa neste momento. A Mesa Diretora do Senado decidiu não cumprir a liminar que retira provisoriamente Renan do cargo. Só que as lideranças partidárias disseram não terem sido consultadas e discordaram da ofensiva comandada pelo pemedebista, a partir da Mesa, à decisão do Supremo.

A Mesa do Senado informou que aguardará a decisão final do Supremo antes de tomar providências. Renan e seus aliados dizem que, com isso, ele permanece no comando, enquanto parlamentares tanto da oposição quanto da base governista alegam que Jorge Viana (PT-AC) é o presidente até que o Supremo resolva a questão.

"Decisão judicial se cumpre, Viana é o presidente", disse o líder do DEM, Ronaldo Caiado (GO). Senador do partido que propôs a liminar contra Renan, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) considerou a decisão da Mesa "intempestiva e inadequada". "É uma caminhada insensata em direção ao abismo. Quando vi, não acreditei no que estava escrito. Não teve sequer consulta aos líderes. É uma decisão de força contra uma decisão judicial".

Renan marcou um evento ontem no Senado para receber a notificação, mas deixou o oficial de Justiça esperando por mais de quatro horas e não assinou o documento.

Em última instância, a crise instalada pode afetar até a votação da proposta de emenda à Constituição (PEC) que institui um teto para os gastos da União, considerada prioritária para o governo de Michel Temer. A sessão do Senado de ontem foi cancelada. Caso o mesmo ocorra hoje, a contagem de prazos da PEC, cuja votação estava prevista para terça-feira, ficará prejudicada.

Na decisão, a Mesa anotou que eventual saída de Renan impactará gravemente votação de propostas e que a Constituição lhe garante prerrogativa de escolher e afastar seus dirigentes. Senadores de oposição, que são contra a PEC do teto, usarão o impasse para defender que não ocorra nenhuma votação. "A ideia é levar a votação da PEC para fevereiro. Até lá, tudo pode ter mudado", contou reservadamente um senador da oposição. Esta fonte acredita que, até lá, as condições do governo do presidente Michel Temer podem se deteriorar mais, por conta da delação de executivos da Odebrecht.

Para aumentar a confusão, Viana, ao mesmo tempo que se mostra contra o afastamento de Renan, afirma nos bastidores que, se for alçado ao comando da Casa até o fim do mandato, terá dificuldades em colocar para votar medidas propostas por um governo que considera ilegítimo, como a PEC do teto. "Como vou trabalhar por um governo que nos derrubou?", teria dito a integrantes do PMDB em encontro na residência de Renan, que entrou pela madrugada.

Viana deu sinais pouco claros do que deve acontecer com a pauta do Senado daqui para frente. "Sou de um partido que foi vítima de um processo político. Temos uma discordância enorme com essa agenda, mas ela foi fruto de acordo", afirmou, para depois dizer que vê grande dificuldade para votações no momento. "Vou fazer mais conversas. Não podemos pensar em pauta, nada. Vai ficar uma situação muito difícil. Hoje cancelei a sessão. Amanhã é outro dia".

No primeiro turno da PEC, Viana não votou. A proposta foi aprovada por 61 votos a 14, mas necessita passar por nova votação para ser promulgada.

"Fui eleito para ser vice, jamais vou trabalhar em meu favor neste caso. Não vou repetir outros precedentes. Não sou e não quero ser Michel Temer nem Waldir Maranhão", afirmou Viana. "Estou falando como primeiro-vice no exercício da presidência. Sou o substituto do presidente Renan em qualquer circunstância". O petista esteve à tarde no Supremo e disse estar esperançoso de que a Corte não agirá para adensar a crise. "Sei da intenção da presidente Cármen Lúcia, ela está muito sensível a essa questão. Já tivemos uma ruptura do Legislativo com o Executivo [no impeachment]. Fico torcendo para que não tenhamos, depois da decisão do STF, mais uma crise. O país não suporta mais", alertou.

Já Renan foi ao ataque. Mirou pessoalmente Marco Aurélio, a quem acusou de usar a liminar como revide à iniciativa do Senado de criar uma comissão especial para acabar com os salários acima do teto constitucional. "Toda vez que Marco Aurélio ouve sobre acabar com supersalários, ele parece tremer na alma". E continuou: "Como presidente do Senado, já me obriguei a cumprir liminares piores do ministro Marco Aurélio. Em uma delas, que fiz questão de cumprir, impedia que acabássemos com supersalários no Legislativo. Tive de citar um a um os 1.100 servidores que ganhavam acima do teto".

Renan deu a entender que o afastamento pedido pelo ministro é uma questão política. "Ao tomar a decisão de afastar um presidente de um poder por decisão monocrática, nove dias antes do término de um mandato, nenhuma democracia merece isso. A democracia, mesmo no Brasil, não merece esse fim".

A avaliação geral dos vários senadores que passaram pela residência oficial do Senado, tão logo a liminar foi divulgada, foi de que não cabe à Corte retirar um mandato dado a Renan pelo Senado. De acordo com um deles, o adequado seria impedir que Renan assumisse a presidência da República, já que se tornou réu, mas não tirá-lo do comando dos trabalhos do Senado. "Vira uma situação absurda: Michel [Temer] pode ser réu, continuaria presidente e pode até ser candidato à reeleição. E o presidente do legislativo não pode nem ficar no cargo", apontou um interlocutor.

Já as consequências para o funcionamento do Senado nos próximos dias dividiram opiniões. O senador AécioNeves (PSDB-MG) defendeu que seja mantida para o dia 13 de dezembro a votação em segundo turno da PEC do teto, seja ou não mantida a decisão da liminar que determinou o afastamento do Renan. O calendário de votações, lembrou, foi estipulado em um acordo entre líderes dos partidos. "Aquela cadeira [da presidência doSenado] não pode se transformar em um bunker partidário", disse, questionado sobre a possibilidade de Viana usar do posto para travar a tramitação da proposta.