Título: Mais um está caindo
Autor: Tranches, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 24/11/2011, Mundo, p. 28

Depois de resistir à revolta por mais de seis meses, Ali Abdullah Saleh assina acordo para deixar a presidência do Iêmen

Após quase 10 meses de manifestações exigindo sua renúncia, o presidente do Iêmen, Ali Abdullah Saleh, assinou ontem um acordo pelo qual se compromete a deixar o poder. Ele continuará como presidente honorário por três meses, mas o cargo será efetivamente ocupado pelo vice, Abdrabuh Mansur Hadi. A saída de Saleh marca o fim de 33 anos de regime autoritário e faz dele o quarto líder a cair na onda de revoltas da Primavera Árabe. O anúncio não bastou, porém, para acalmar os ânimos dos manifestantes, que protestaram imediatamente contra a negociação que deu imunidade a Saleh e sua família. Iemenitas ouvidos pelo Correio relataram que o clima na capital, Sanaa, era uma mistura de esperança pelo fim da crise e desconfiança sobre a implementação real do acordo.

O plano foi apresentado em abril pelas monarquias que integram o Conselho de Cooperação do Golfo (CCG). Desde então, Saleh acenou com a possibilidade de aceitá-lo e retrocedeu em pelo menos três ocasiões. Ontem, o acordo foi assinado formalmente em Riad, capital da Arábia Saudita, diante do rei Abdullah e de chanceleres do CCG, com transmissão ao vivo pela TV estatal saudita. Uma reportagem do jornal norte-americano The New York Times dizia que Saleh cedeu à forte pressão internacional, especialmente dos Estados Unidos e de aliados. Segundo o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, o líder iemenita viajará para Nova York, onde será tratado das lesões e queimaduras que sofreu em junho, quando opositores atacaram o palácio presidencial.

Nos próximos dias, a expectativa é de que Hadi negocie com a oposição a formação de um governo provisório que terá a missão de organizar eleições. Considerado um dos santuários da rede terrorista Al-Qaeda, o Iêmen viu crescer a insurgência nos últimos meses, em meio à agitação política. O novo governo deve enfrentar ainda as fortes divisões tribais e religiosas (entre muçulmanos sunitas e xiitas) e a continuação dos protestos, especialmente dos que se mostram insatisfeitos com o acordo.

Morador do centro de Sanaa (capital) e participante dos protestos, o jovem iemenita Yahya Ahmed Al-Haifi, 19 anos, afirmou a reportagem que os manifestantes nas ruas estão "completamente insatisfeitos" com o plano, que deixou Saleh e a família livres de julgamento. "Depois de tudo que pedimos, ele não pode simplesmente correr para os Estados Unidos e deixar para trás tantas mortes e crimes cometidos em nosso país", indigna-se. O universitário se mostrou insatisfeito também com a forma como será conduzido o governo de transição. Para ele, os opositores não representam a revolução. "Essa é uma revolução jovem e não gostamos do que aconteceu!"

O porta-voz dos manifestantes, Walid Al-Amari, declarou à agência de notícias France-Presse que eles vão se mobilizar novamente hoje. "O comitê organizador dos jovens da revolução pacífica convoca uma manifestação gigantesca, na quinta-feira, para rejeitar o acordo assinado em Riad, que não nos diz respeito", afirmou.

Mais pragmático, o jornalista Nasser Arrabyee espera que o acordo seja realmente implementado e ponha fim à crise. Segundo ele, muitas pessoas comemoram a possibilidade de voltar à normalidade e restabelecer os serviços básicos, que há muito tempo não funcionam regularmente. "Nesse momento em que estamos conversando, há um apagão aqui e somente o telefone está funcionando", relatou, acrescentando que faltam, além da eletricidade, combustível, gás e internet.

Arrabyee demonstra preocupação com relação à atuação de células terroristas em seu país, tido como a mais pobre das nações muçulmanas. Sua inquietação se justifica pelas conexões de alguns grupos radicais islâmicos, ligados à rede Al-Qaeda, a importantes líderes tribais e políticos no país. Tudo isso, segundo ele, demandará muito equilíbrio e habilidade do próximo governo para manter as conversações e a estabilidade no Iêmen. "Apesar de tudo, há muita esperança."

Xeque-mate nos déspotas O primeiro chefe de Estado árabe a cair em meio às revoltas populares foi o presidente da Tunísia, Zine El-Abidine Ben Ali, que ficou 23 anos no poder e fugiu para a Arábia Saudia em 14 de janeiro. Julgado à revelia, foi condenado a 16 anos de prisão por corrupção e fraude. Em 11 de fevereiro foi a vez do presidente do Egito, Hosni Mubarak, que renunciou após quase 30 anos de governo. Atualmente, ele enfrenta um julgamento em seu país. Em 20 de outubro, o ex-ditador Muammar Kadafi teve o mais trágico dos desfechos, ao ser capturado e morto na Líbia, que pôs fim a uma ditadura de 42 anos.