Oito dias, 99 mortos

Alírio Lucas

09/01/2017

 

 

Conflito entre internos transferidos para Cadeia Pública após chacina em Manaus faz mais 4 vítimas

 

Uma nova chacina fez subir para 99 o número de presos mortos em penitenciárias do país desde o início do ano, sendo 64 em Manaus, 33 em Boa Vista e dois em Patos, na Paraíba. Na madrugada de ontem, a quinta rebelião registrada em oito dias, ocorrida na Cadeia Pública Desembargador Raimundo Vidal Pessoa, em Manaus, deixou quatro presos mortos, um ferido levado para o hospital e outros dois desaparecidos, segundo dados oficiais. No momento do conflito, havia apenas dois agentes penitenciários de plantão no local para cerca de 300 presos. Os assassinatos tiveram requintes de crueldade: três vítimas foram decapitadas. Não se sabe se os desaparecidos, cuja ausência foi notada durante uma recontagem dos presos, fugiram ou foram assassinados. O número de mortos pode subir para 102, pois outros três corpos, em estado avançado de decomposição, foram localizados na mata atrás do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), também em Manaus, cenário da primeira rebelião, em 1º de janeiro, na qual 56 detentos foram mortos. No início da noite, um outro tumulto na Cadeia Pública deixou sete feridos, segundo o Samu, que fez o transporte dos presos para o hospital.

 

EM RORAIMA, JUSTIÇA MANDA ESVAZIAR PRESÍDIO

Desativada por recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) desde outubro passado, a Cadeia Pública de Manaus foi reaberta, em caráter emergencial, para acomodar detentos ameaçados de morte pela facção Família do Norte (FDN), apontada como responsável pela rebelião no Compaj. Na última sexta-feira, os presos fizeram motim na Cadeia Pública, reivindicando mais espaço.

Após a rebelião de ontem, o policiamento no presídio foi reforçado pelo Batalhão de Choque da Polícia Militar. O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, autorizou o envio de apoio federal para atender a pedidos dos estados de Amazonas, Rondônia e Mato Grosso. O governo do Amazonas também solicitou ontem apoio da Força Nacional de Segurança, alegando que o trabalho no sistema e na busca pelos foragidos está levando os envolvidos “a limites preocupantes do ponto de vista físico e psicológico”.

Em novembro de 2016, um mês depois de um confronto entre facções ter deixado dez presos mortos no Instituto Penitenciário Agrícola Monte Cristo, na zona rural de Boa Vista, a governadora de Roraima, Suely Campos (PP), solicitou ajuda urgente do governo federal, mas teve o pedido negado pelo ministro da Justiça. Na última sexta-feira, o mesmo presídio registrou mais 33 mortes nas mesmas condições. No sábado, a Justiça de Roraima, a pedido da Comissão de Direitos Humanos da OAB do estado, concedeu o benefício de prisão domiciliar, até o dia 13, para os 161 detentos do Centro de Progressão Penitenciária, salientando que a própria direção da unidade afirmou não poder garantir a segurança dos presos, todos cumprindo regime semiaberto, e dos funcionários.

O Comitê de Gerenciamento de Crise do governo do Amazonas divulgou nota a respeito da nova rebelião, afirmando que a situação está controlada e que as mortes serão investigadas. Ainda segundo o informe, a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) e a polícia realizam buscas dentro e nas proximidades da cadeia. O tiprisional tular da Seap, Pedro Florêncio, descartou a possibilidade de uma nova briga entre facções:

— Não há motivos aparentes. Alguns se dizem do PCC, mas eles são todos iguais. Na sexta, fizeram um motim querendo mais espaço. Demos; eles ficaram com mais um pavilhão. Então, não sei por que fizeram isso. Não foi briga de facção.

Ainda de acordo com Florêncio, às 6h, logo após a remoção dos corpos pelo Instituto Médico Legal (IML), a situação foi controlada:

— Por volta das 2h30m, o batalhão chegou ao local, pois tínhamos a informação de que havia mortos dentro do presídio. Às 6h, tudo já estava normalizado e sob controle.

De acordo com o presidente do Sindicato dos Servidores Penitenciários do Amazonas, Rocinaldo Silva, o ideal era que, no momento da rebelião, pelo menos dez agentes estivessem de plantão na Cadeia Pública. Ele afirmou ainda que o local não tem estrutura para acomodar 300 internos.

— Como não houve separação dos presos por crimes, acontecem essas coisas — disse. — O local não tem gestão. Não tem assistência social. Não tem limpeza. Não tem nada. Ou seja, não tem capacidade de abrigar esses detentos.

Parentes dos internos relatam que a rebelião começou por volta das 2h e que às 5h duas viaturas do IML chegaram.

— Não passaram nenhuma informação para a gente — disse um deles.

 

PARENTES PEDEM SAÍDA DE GOVERNADOR

Na última quarta-feira, após visitar a Cadeia Pública, Pedro Bezerra, procurador-geral do Ministério Público, disse que o presídio estava deteriorado e os presos, “muito amontoados”.

Na sexta-feira, durante o motim no local, os presos reclamaram da falta de estrutura e pediram mais espaço. Representantes da Secretaria estadual de Segurança Pública e da Seap e membros da Defensoria Pública do Estado foram conversar com eles.

Ontem, quando o Batalhão de Choque da PM chegou ao presídio, parentes dos detentos protestaram, queimando colchões e pedindo a saída do governador José Melo (PROS). Os agentes revidaram com spray de pimenta. (Colaborou Thiago Herdy)

 

SEQUÊNCIA DE TRAGÉDIAS
 

 

DIA 1º E 2/JAN

Rebelião no Complexo Penitenciária Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, deixa 56 detentos mortos. O secretário de Segurança Pública, Sérgio Fontes,

disse que se trata de “massacre” provocado pela briga entre o Primeiro Comando da Capital (PCC) e a Família do Norte (FDN), do Amazonas

2/JAN

Na Unidade Prisional de Puraquequara (UPP), zona rural de Manaus: 4 mortos

3/JAN

O ministro da Justiça, Alexandre de

Moraes, afirmou que a situação em presídios de Manaus era “tensa”, mas estava “sob controle”

4/JAN

O governador do Amazonas,

José Melo, declarou em entrevista que “não havia nenhum santo” entre os 56 mortos

6/JAN

Rebelião na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Boa Vista (RR), deixa 33 presos mortos. Documentos revelam que o governo de Roraima pediu em novembro apoio do governo federal devido à tensão no sistema carcerário. O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, negou o pedido

ONTEM

Cadeia Pública Desembargador Raimundo Vidal Pessoa, Manaus (AM): 4 mortos. Cadeia tinha recebido detentos transferidos após massacre em outro presídio. Havia dois agentes penitenciários para cerca de 300 presos

 

 

O globo, n. 30471, 09/01/2017. País, p. 03.