Volta ao mercado externo

Ana Paula Ribeiro, João Sorima Neto e Bruno Rosa

10/01/2017

 

 

Petrobras faz emissão de US$ 4 bi. Empresas brasileiras devem captar US$ 25 bi este ano

 

SÃO PAULO E RIO- As empresas brasileiras abrem esta semana a temporada de captações de recursos no mercado internacional. A Petrobras, maior emissora do país de títulos de dívida no exterior, anunciou ontem a decisão de fazer uma captação, estimada inicialmente em US$ 2 bilhões. Segundo uma fonte a par do processo, a estatal obteve cerca de US$ 4 bilhões com investidores nos Estados Unidos —e a demanda atingiu US$ 20 bilhões. Já a Fibria, gigante do setor de papel e celulose, encerra hoje a apresentação (road show) de emissão a investidores, sua expectativa é levantar ao menos US$ 500 milhões. Braskem, Raízen, Fibria, Cemig e Vale, de acordo com fontes de mercado ouvidas pelo GLOBO, são outras companhias que engrossam a fila e já preparam a documentação para aproveitar o momento de alta liquidez e de juros ainda próximos de zero nas principais economias do mundo. Nas contas dos bancos de investimento, o total de recursos levantados no exterior este ano deve ultrapassar os US$ 25 bilhões.

No ano passado, segundo dados divulgados ontem pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), essas captações somaram US$ 20,25 bilhões, bem mais que o dobro dos US$ 7,58 bilhões registrados em 2015. Há, portanto, a perspectiva de dois anos seguidos de crescimento das captações externas.

Essas companhias têm em comum o fato de recorrerem com frequência a emissões no exterior e o de desfrutarem de boa avaliação de crédito (rating). A expectativa de recuperação, ainda que lenta, da economia brasileira e a melhora do cenário político também ajudam esse tipo de operação — em 2016, as companhias brasileiras não aproveitaram a tradicional janela do mês de janeiro, e a primeira operação de captação com emissão lá fora, pelo Tesouro Nacional, só ocorreu em março.

 

CORRIDA PARA EMITIR ANTES DA POSSE DE TRUMP

Dos US$ 4 bilhões levantados pela Petrobras ontem, metade vence em cinco anos e tem taxa de 6,125% — menos que em emissões de títulos semelhantes feitas no ano passado, de 8,625% (maio) e 7,875% (julho). A outra metade da captação tem vencimento em dez anos e uma taxa de 7,375%, contra 9% e 8,75% nas emissões de maio e julho de 2016, respectivamente.

Segundo um analista do mercado, a maior procura reflete as melhoras nos dados da Petrobras e a condução da nova diretoria, com a venda de ativos e a adoção de uma política de preços.

Com essa emissão, a primeira deste ano, a Petrobras vai recomprar US$ 2 bilhões em títulos antigos, com vencimento entre 2019 e 2020. Desta forma, pretende prolongar esse vencimento com novos títulos que vencem em cinco e em dez anos. Segundo o comunicado da estatal, a companhia usará o excedente para refinanciar as dívidas a vencer. Coordenaram a operação os bancos Bradesco BBI, Citi, HSBC, Morgan Stanley e Itaú BBA.

Na avaliação de Leandro Miranda, diretor do Bradesco BBI, há uma convergência entre a intenção das empresas brasileiras, de refinanciar dívidas antigas, e o interesse dos investidores, que precisam recompor as suas carteiras. Nos últimos dois anos, o volume de emissões de bônus por empresas brasileiras ficou abaixo da média, o que fez encolher a participação do país nos fundos de renda fixa de América Latina e naqueles dedicados a mercados emergentes.

Além disso, como são esperados pelo menos três aumentos das taxas de juros nos Estados Unidos, o que elevará o custo dessas operações, as empresas brasileiras correm para antecipar as captações. Por isso, a maior parte deve ocorrer no primeiro trimestre. Segundo alguns especialistas, muitas empresas estão se apressando para fechar as emissões ainda antes da posse de Donald Trump, no próximo dia 20, já que a mudança de governo nos EUA pode ocasionar alguma volatilidade nos mercados. Contudo, o feriado de Martin Luther King, na próxima segunda-feira, pode atrasar os planos de algumas companhias.

— Os emissores vão tentar acelerar as emissões e fazê-las o mais cedo possível. É importante combinar um momento de alta liquidez e ainda sem os efeitos da alta de juros nos Estados Unidos. E o melhor momento deve ser aquele com o ambiente político menos turbulento. Esse primeiro trimestre pode ser muito favorável — diz Miranda, que espera que o volume dessas operações no ano fique entre US$ 25 bilhões e US$ 30 bilhões.

Cristina Schulman, superintendente executiva de mercado de capitais do Santander, avalia que, como mercado de captações estará aberto durante todo o ano de 2017 (no ano passado, fechou em outubro por causa da eleição nos EUA), o volume de emissões por empresas brasileiras lá fora vai, sim, superar os US$ 20 bilhões, mas não deve chegar aos US$ 40 bilhões observados em 2014. O valor exato, diz, vai depender da capacidade de recuperação da economia brasileira, que se refletirá no potencial de financiamento das companhias.

Segundo Cristina, não são só as empresas brasileiras que estão se adiantando nas captações por causa da posse de Trump: companhias da América Latina e dos EUA estão fazendo o mesmo:

— A expectativa é que os juros nos Estados Unidos subam este ano, mas o presidente Trump é sempre fonte de notícias, o que pode trazer certa instabilidade aos mercados.

Entre as empresas que devem ir ao mercado está a Raízen, do setor sucroenergético. Em comunicado, a empresa informou que seu road show junto aos investidores lá fora começou ontem, mas que o montante a ser captado ainda não está definido. Fala-se no mercado, contudo, em algo próximo a US$ 500 milhões.

Outra que está quase pronta para captar lá fora, dizem fontes, é a petroquímica Braskem, que tem como controladores Petrobras e Odebrecht. A empresa iniciou road show na Europa e nos Estados Unidos na última sexta-feira, e a expectativa é que a Braskem levante mais de US$ 500 milhões para alongar suas dívidas. A companhia tem apenas US$ 56 milhões em bônus no exterior vencendo este ano, e mais US$ 38 milhões em 2018.

A petroquímica começou a testar o apetite do mercado após fechar acordos de leniência, em dezembro, junto ao Ministério Público Federal (MPF) brasileiro e às autoridades nos Estados Unidos, pelos quais comprometeu-se a pagar multas de R$ 3,1 bilhões (US$ 957 milhões) por causa de propinas. Procurada, a empresa não comentou o assunto.

 

MERCADO ‘CAUTELOSAMENTE OTIMISTA’

O Tesouro Nacional, o BNDES e a Rumo Logística também estudam buscar recursos com novas emissões no exterior, mas ainda não bateram o martelo, segundo fontes. Procurada, a Rumo afirmou que “estuda constantemente alternativas de financiamento para o seu plano de investimentos”.

Outro fator que contribui para essas operações, neste momento, é o fato de que o prêmio de risco do país, medido pelos credit default swaps (CDS), recuou e está em torno de 260 pontos, nível registrado antes da eleição americana.

— O apetite por papéis de empresas brasileiras está em alta neste início de ano, diferentemente de 2016, quando a crise política trouxe uma onda de incertezas — afirma Adeodato Volpi Netto, estrategista da Eleven Financial. — Também existe a percepção de que a taxa de juros (Selic) vai cair em um ritmo mais forte, o que melhora o ambiente de negócios. E o real mais valorizado contribui para mitigar o risco de default de uma empresa.

Para Jorge Simão, diretor de distribuição do banco de investimento Haitong, a janela de emissões existe porque o ano começou com uma percepção melhor sobre o Brasil:

— As incertezas continuam, mas, para empresas com bom nível de crédito e operação no mercado internacional, o mercado está aberto.

Apesar da expectativa do segundo ano de aumento no volume de captações externas, Sérgio Goldstein, presidente do Comitê de Finanças Corporativas da Anbima, vê um “otimismo moderado”:

— O mercado está cautelosamente otimista com a volta da confiança dos empresários e, portanto, do investimento. As principais variáveis para esse movimento são a subida dos juros nos EUA, as medidas do governo Trump e as do governo Temer. O andamento das reformas vai ajudar a criar um ambiente de negócios melhor.

 

 

O globo, n. 30472, 10/01/2017. País, p. 15.