OAB: presos dominam presídio em Roraima

Thiago Herdy

11/01/2017

 

 

Em vistoria, comissão flagra falta de controle de agentes sobre o trânsito de detentos na unidade

 

Palco da chacina de 33 detentos na última sextafeira, a Penitenciária Agrícola de Monte Cristo (Pamc) tem áreas controladas pelos próprios presos e coleciona denúncias de más condições e ilegalidades. Durante visita surpresa realizada há menos de um ano na unidade prisional, a Comissão de Direitos Humanos da OAB-RR constatou que 69% dos 1,4 mil detentos estavam presos preventivamente (sem julgamento) e 13% (cerca de 180) nunca tinham sido levados a um juiz.A inspeção constatou paredes que se desmancham, esgoto estourado com dejetos fecais inundando áreas abertas, cadeados simples fechando celas e tratamento “agressivo, desrespeitoso e desumano” a detentos, de acordo com o relatório obtido pelo GLOBO.Atualmente, agentes não são capazes de identificar a localização de cada preso em celas da penitenciária. Ontem, o advogado Ivonei Darci Stulp tentou buscar um preso da penitenciária. Em vídeo, gravou a própria entrada da unidade, que só ocorre acompanhada de agentes do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope). Os policiais perguntam pelo detento a outros colegas de unidade, já que a administração não tem controle sobre o trânsito de presos.

Como os cadeados da unidade são simples (facilmente arrombáveis) detentos controlam a unidade principalmente durante a noite, quando a presença policial é nula, segundo Stulp. Imagens gravadas em 2016 mostram o que detentos chamam de “cavalo doido”. Eles usam pedaços de madeira para construir uma escada e seguem em disparada até o muro que dá acesso à rua.A administração da governadora Suely Campos (PP) recebeu o documento da OAB em agosto de 2016. Havia sugestões de conclusão de reformas, realização de mutirões jurídicos e separação entre condenados e presos preventivos. Entre os pedidos, apenas a compra de colchões e a realização de um mutirão foram atendidos plenamente pelo estado.O documento traz registros de ferimentos com bala de borracha nas pernas e nas costas de detentos — reclamação recorrente de parentes ouvidos pelo GLOBO na entrada da penitenciária esta semana, nos dias que se sucederam à chacina de 33 presos, atribuída a lideranças do Primeiro Comando da Capital (PCC). Só 5% dos mais de mil detentos da unidade frequentam uma escola na prisão, segundo o documento. O relatório conta que há uma sala para trabalhos artesanais, mas ela não funciona porque não existe equipamento. Presos ainda vivem numa favela construída dentro da unidade.— O policial é formado para atuar em conflito, não como agente penitenciário — destaca Rita Cássia Ribeiro de Souza, membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RR.Ontem, o governo de Roraima informou que “desconhece agressão a reeducandos”, apesar do relatório ter imagens dos ferimentos com bala de borracha. Disse que o esgoto a céu aberto será eliminado em reforma nos “próximos dias” e que um novo presídio será construído com recursos federais. O Tribunal de Justiça de Roraima não se pronunciou.

 

 

O globo, n. 30473, 11/01/2017. País, p. 06.