Odebrecht fecha acordo bilionário
Eduardo Militão
02/12/2016
CRISE NA REPÚBLICA » Empreiteira pagará R$ 6,8 bilhões ao Brasil, aos EUA e à Suíça, em pacto de colaboração recorde fechado com a Lava-Jato. Delações premiadas de acionistas, executivos e funcionários começaram a ser assinadas com o MP
No maior acordo fechado pela Operação Lava-Jato, o grupo de construção Odebrecht assinou um pacto de colaboração com o Ministério Público que prevê o pagamento de R$ 6,8 bilhões. Autoridades do Brasil, dos Estados Unidos e da Suíça receberão os valores em 23 anos, que deverá aumentar devido à correção monetária. A maior fatia ficará com o Brasil. Os estrangeiros acertaram o pagamento em dólares e francos suíços, respectivamente, o que também vai fazer o valor variar de acordo com a cotação da moeda no futuro. À noite, a empresa pediu “desculpas” pelos pagamentos de propina que realizou nos últimos anos.
O acordo de leniência da pessoa jurídica foi assinado ontem. Parte dos 77 acionistas, executivos e funcionários já começou a assinar os tratos de colaboração premiada na Procuradoria-Geral da República (PGR), auxiliados por 50 advogados. Outros funcionários da empresa prestarão depoimentos como testemunhas comuns e não como delatores, aqueles que também confessam a prática de crimes. A expectativa é que todos os acordos terminem de ser assinados hoje.
A pena do presidente afastado do grupo, Marcelo Bahia Odebrecht, preso na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, ficou em 10 anos, mas apenas dois anos e meio em regime fechado. Como ele está detido desde junho de 2015, o empreiteiro ficará encarcerado até dezembro do ano que vem.
A ideia é que os depoimentos comecem a partir da semana que vem. O que os delatores têm para contar já foi resumido em pequenos anexos e declarações entregues aos procuradores nos últimos meses. Depois disso, os documentos serão enviados ao ministro-relator da Lava-Jato no Supremo, Teori Zavascki. Ele deverá confirmar, modificar ou rejeitar os termos dos acordos sem entrar no conteúdo das acusações feitas.
A Odebrecht aceitou fazer o pacto só após ver seu presidente perder sucessivos recursos pedindo soltura nos tribunais, assistir a uma devassa da Lava-Jato com a revelação de contas secretas no exterior e ser surpreendida com a descoberta de seu setor para contabilizar e pagar propinas em espécie no Brasil.
O ingresso da Odebrecht no time de colaboradores da Lava-Jato vai dobrar a quantidade de delatores da operação. Até então, eram 70. Agora, serão 147.
“Fomos coniventes”
Ontem, o comunicado “Desculpe, a Odebrecht errou” foi divulgado pela empresa. “A Odebrecht reconhece que participou de práticas impróprias em sua atividade empresarial”, inicia o texto. A empreiteira disse que não importa se cedeu a pressões externas ou se ainda há vícios a serem combatidos na relação entre o setor privado e o Estado. “O que mais importa é que reconhecemos nosso envolvimento, fomos coniventes com tais práticas e não as combatemos como deveríamos.”
A Odebrecht garantiu que isso não vai mais acontecer. “Não admitiremos que isso se repita.” A empresa assumiu 10 compromissos. O primeiro é “combater e não tolerar a corrupção em quaisquer de suas formas, inclusive extorsão e suborno”. “Dizer ‘não’, com firmeza e determinação, a oportunidades de negócio que conflitem com esse compromisso”, continua.
A mudança de postura da Odebrecht começou em março deste ano. Em setembro de 2015, Marcelo Odebrecht participou, já na condição de presidiário, de uma audiência da CPI da Petrobras. Na reunião, foi elogiado por parlamentares da esquerda e da direita — boa parte deles com campanhas eleitorais financiadas pela empreiteira nos últimos anos — por sua atuação como empresário. À vontade, Marcelo negou fazer delação. Para ele, isso significaria ser uma espécie de “dedo-duro”. “Para alguém dedurar ele precisa ter o que dedurar.”
Em julho do ano passado, o Ministério Público encontrou contas secretas da Odebrecht na Europa, inclusive na Suíça. A partir delas, eram feitas transferências para ex-dirigentes da Petrobras, como Paulo Roberto Costa, Pedro Barusco e Renato Duque. Documentos mostram que a Odebrecht era dona das contas Smith & Nasch, Golac, Arcadex Corporation e Havinsur, por onde fez 115 transações financeiras totalizando R$ 1,038 bilhão. Barusco e Paulo Roberto confessaram que o dinheiro era propina para facilitar a contratação da Odebrecht pela Petrobras. Em depoimentos, eles acrescentaram que parte do dinheiro era distribuída a políticos e partidos, principalmente PT, PMDB e PP.
Em março deste ano, mais duas investidas da Polícia Federal na Lava-Jato descortinaram o Setor de Operações Estruturadas. Os investigadores obtiveram planilhas de dois sistemas de informática em que uma série de pagamentos era contabilizada em nome de uma obra e de uma pessoa. Os nomes eram codificados com apelidos e com o endereço da entrega do dinheiro vivo.
O tamanho da empresa
Desde 2014, com a Lava-Jato, os indicadores do grupo Odebrecht não param de cair. Maior conglomerado da construção do Brasil foi criado há 72 anos pelo avô de Marcelo, Norberto Odebrecht, que morreu um ano antes de o neto ir para a cadeia
» Fundação
1944
» Receita bruta
2012 R$ 9,74 bilhões
2013 R$ 10,14 bilhões
2014 R$ 7,45 bilhões
2015 sem informação
» Patrimônio líquido
2012 R$ 5,88 bilhões
2013 R$ 6,67 bilhões
2014 R$ 8,15 bilhões
2015 sem informação
» Percentual de contratos públicos
2012 37%
2013 31%
2014 40%
2015 31%
» Equipamentos
2014 2.770
2015 1.860
» Funcionários
(% com curso superior)
2012 138 mil (6%)
2013 139 mil (4%)
2014 125 mil (12%)
2015 107 mil (12%)
» Perfil dos funcionários
85% são homens 65% têm entre 25 e 45 anos de idade
São de 70 nacionalidades
61% são brasileiros
Há 2.831 estagiários
e jovens parceiros
» Filiais e sedes
26 países
» Clientes no exterior
41 países
» Usuários de serviços
20 milhões (transporte urbano, rodovias e saneamento básico)
» Ação social
A Fundação Odebrecht anuncia que atende 46 mil pessoas de 350 comunidades do sul da Bahia, com
R$ 40 milhões em investimentos
Fontes: Odebrecht e Ranking da Construção da CBIC
Correio braziliense, n. 19548, 02/12/2016. Política, p. 2.