Reajustes abusivos atormentam idosos

Rodolfo Costa e Renato Souza

05/12/2016

 

 

PLANOS DE SAÚDE » STJ vai decidir sobre a razoabilidade de aumentos elevados aplicados pelas operadoras de convênios médicos a clientes que mudam de faixa etária. Para os que completam 59 anos, correções no preço das mensalidades chegam a 130%

 

O reajuste das mensalidades de planos de saúde por mudança de faixa de idade dos beneficiários virou assunto da Justiça. Milhares de ações questionam as elevadas correções aplicadas, principalmente, na última faixa etária estabelecida nos regulamentos do setor, quando os usuários chegam aos 59 anos de idade. Cientes de que esse é o último ciclo em que podem elevar os preços, em contratos firmados a partir de 2004, as operadoras pesam a mão nos aumentos, que chegam a alcançar 130%

A prática penaliza, sobretudo, os clientes de planos individuais e familiares, que respondem por 19,5% do mercado de saúde suplementar. Os reajustes anuais desses tipos de convênio são regulados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e acompanham a inflação dos serviços médicos, um indicador monitorado pelo órgão. Nos reajustes por faixa etária, contudo, que ocorrem a cada quatro anos, os percentuais podem ser bem maiores.

Na maioria das ações, os beneficiários vinham obtendo sucesso na Justiça. Muitos juízes estavam dando ganho de causa aos consumidores, entendendo que um reajuste de 30% era mais do que suficiente para a última faixa etária. Mas um recurso analisado pela 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) está preocupando usuários de planos e especialistas.

 

Tese

A Corte suspendeu o andamento de 1.412 processos contra reajustes por idade a pessoas com 59 anos. Uma das ações foi escolhida pelos ministros para avaliar a validade, ou não, do aumento da mensalidade de acordo com a faixa etária. No fim de novembro, os 10 magistrados que compõem a 2ª Seção aprovaram por unanimidade a tese de que o reajuste por idade é válido, desde que haja previsão contratual, sejam observadas as normas previstas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), e não sejam aplicados percentuais desarrazoados — ou abusivos — que onerem excessivamente ou discriminem o idoso.

No entanto, o julgamento do recurso ainda não ocorreu, e essa é a principal preocupação. A tese, que deverá ser obrigatoriamente seguida por juízes em ações similares, tem efeito nulo na opinião de Rodrigo Araújo, sócio-fundador do escritório Araújo, Conforti e Jonhsson Advogados Associados. Ele afirma que todos os contratos assinados a partir de 1999 já têm previsão expressa de reajuste por faixa etária, bem como observam normas expedidas pela ANS.

E o terceiro critério, de que os reajustes não sejam abusivos, é, para Araújo, muito subjetivo. “Ajustes razoáveis para alguns podem não ser para outros. Não tem como a tese mudar nada do que já é aplicado hoje”, avalia. As próprias divergências entre os magistrados do STJ reforçam o entendimento do advogado. O julgamento do recurso não foi concluído porque o ministro Marco Buzzi pediu vista do processo em que uma consumidora questiona o reajuste de 88% na mensalidade do plano que teve ao completar 60 anos.

 

Preocupação

“Quero analisar qual seria o montante razoável. A própria operadora poderia ter feito um aumento de 110%, mas fez em 88%. Acho que a prática foi abusiva”, declarou Buzzi, à época. Já o ministro Ricardo Cueva, relator do recurso, entende que o reajuste não seria abusivo. Embora Buzzi tenha ainda mais 48 dias para devolver o processo, não está descartado que o colegiado decida sobre o assunto em 14 de dezembro.

As divergências entre os ministros do STJ preocupam consumidores e especialistas. Como a tese é subjetiva, um veredito  que considere um reajuste próximo de 90% como não abusivo se transformaria em jurisprudência. Uma decisão nesse sentido daria ainda mais força para que advogados das operadoras  questionem decisões de juízes que continuarem a considerar correções de 30% como justas para a última faixa etária.

A polêmica está tirando o sono do comprador Vladimir de Oliveira, 32 anos. Após a mãe ter tido o convênio médico reajustado em 30% por conta da idade, em novembro, ele entrou na Justiça para reverter a decisão. Ele ganhou liminar em primeira instância, mas o processo está paralisado por conta da decisão do STJ. Oliveira diz que a falta de consenso entre os ministros da Corte  sobre o que é um reajuste abusivo é preocupante. “Estamos aflitos porque não sabemos se a decisão pode interferir na liminar. Mesmo fazendo esforço e economizando em alguns gastos, para poder manter o benefício à minha mãe, temo que a mensalidade atinja um patamar que não possa pagar”, afirma.

Outro recurso paralisado é o do aposentado Gilberto Gonçalves, 66. Como o contrato dele foi assinado antes da entrada em vigor do Estatuto do Idoso, a operadora tem, por norma da ANS, permissão para reajustar o plano. E foi o que aconteceu. Em outubro do ano passado, o convênio subiu 68,35%. Em março deste ano, o da mulher sofreu o mesmo reajuste, o que elevou os gastos do casal com saúde suplementar a R$ 3,4 mil por mês. Não fosse pela ação na Justiça, ele não teria recursos para pagar o plano e perderia o direito ao tratamento oncológico que está seguindo.

“Eu precisaria apelar para os filhos ou outros membros da família, e empobreceria a todos”, diz Gonçalves. Por semana, ele toma quatro doses de um medicamento, ao custo de R$ 600, cada uma. “Sem o plano, eu gastaria cerca de R$ 6 mil por mês.” Para Gonçalves, há insensibilidade da operadora em relação ao caso dele. “Diante do reajuste alto que aplicaram ao meu plano e ao da minha mulher, me parece que, para a empresa, é melhor que eu caia fora e morra. Mas a operadora se esquece de que, antes de eu ter o câncer, diagnosticado em 2011, ela ganhou e continua ganhando muito bem com o que eu pago”, desabafa.

 

 

Correio braziliense, n. 19551, 05/12/2016. Economia, p. 6.