CRISTOVAM BUARQUE - O teto e a educação

Cristovam Buarque

06/12/2016

 

 

A educação é parte do tecido social e econômico brasileiro. O que acontece ao redor, em todo o território e com toda a população, se reflete dentro do sistema escolar e de cada escola.  Ao olhar ao redor, é possível ver que a educação brasileira está ameaçada por uma profunda crise social e econômica, que acena para o risco de uma desagregação social, devido a diversos fatores sociais, políticos, econômicos e mesmo culturais que ocorrem: violência urbana, criando clima de guerra e impossibilitando clima de paz; radical corporativismo, rompendo com a possibilidade de coesão social; corrupção, oportunismo, falta de liderança de políticos, partidos sem propostas nem identidade; inflação, recessão, desemprego; aparelhamento do Estado para servir a interesses particulares; a cultura do individualismo e imediatismo; crise fiscal que provoca situação de falência em municípios, estados e União dívida crescente. Ainda mais grave, cada um deles afeta os demais formando um círculo vicioso que levará ao crescimento de cada um dos outros.

Por isso, o equilíbrio das contas públicas é condição fundamental para o bom funcionamento da educação ao longo dos próximos anos e décadas. Os que defendem um bom sistema educacional e sabem que isso será a base para o progresso devem entender que nesse momento é urgente e fundamental recuperar o quadro falimentar das finanças públicas. Para isso, o Brasil tem deestancar as despesas da União, que têm crescido em proporções muito superiores à arrecadação, devido ao elevadíssimo custo da dívida pública, dos custos operacionais do setor público, especialmente na Previdência, no montante de sacrifícios fiscais e nos gastos de setores como educação e saúde.

Importante enfatizar que não se trata de congelar os desembolsos de cada setor e cada rubrica orçamentária, mas do conjunto deles. Depois da determinação do teto, o governo e o Congresso poderão elevar gastos em qualquer setor, desde que reduzindo em outros setores. Essa nova realidade será fundamental na educação da política brasileira. Pela primeira vez, teremos a obrigação de eleger prioridades para execução do orçamento da União e de buscar eficiência na execução destes gastos.

Mais ainda. A PEC 55 dá ao Congresso Nacional um poder que nós, parlamentares, ainda não exercemos. Os deputados e senadores poderão dizer qual é setor mais prioritário para o país, qual pode ser deixado a cargo da iniciativa privada e quais, como educação e saúde, merecem mais recursos. De qualquer forma, no primeiro momento, a PEC do Teto não interfere na alocação de recursos para a educação, porque o Projeto de Lei Orçamentária para 2017, encaminhado pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional, destinou o total de R$ 62,5 bilhões, equivalentes a 21,8% da receita líquida de impostos estimada, para manutenção e desenvolvimento do ensino. E se considerarmos todas as fontes de recursos previstas no orçamento para a educação, esse valor salta para R$ 88,3 bilhões — 71,5% (R$ 36,8 bilhões) acima do que a Constituição asseguraria com a manutenção do artigo 212.

A PEC vai dar um choque de veracidade na distribuição dos recursos e exigir mais militância dos defensores de mais recursos para a educação. Já não bastarão pedidos para a educação. Será preciso identificar não apenas quem é a favor da educação, mas também, pela primeira vez, quem é contra. Agora, além de lutarmos por mais recursos para a educação, seremos obrigados a definir de onde tirar esses recursos adicionais — teremos que optar entre estádios e escolas. E essa é uma condição necessária para construirmos um “partido dos educacionistas”. Isso será positivo, porque alguns se acomodaram ao defender apenas mais recursos para a educação, sem disputar com os demais setores da economia. Ficava fácil defender mais dinheiro para a escola, fechando os olhos para o descalabro e a corrupção.

(...)

 

» CRISTOVAM BUARQUE

Senador pelo PPS-DF e professor emérito da UnB

 

 

Correio braziliense, n. 19552, 06/12/2016. Opinião, p. 13.