Renan desafia o STF e Brasília ferve

Julia Chaib, Natália Lambert, Paulo de Tarso Lyra e Patrícia Rodrigues

07/12/2016

 

 

LEGISLATIVO X JUDICIÁRIO » Mesa Diretora do Senado diz que aguardará decisão do plenário do Supremo sobre o afastamento do peemedebista da presidência, após liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio. Sessão no STF está prevista para hoje à tarde

 

No dia seguinte à decisão, do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello, de afastar Renan Calheiros (PMDB-AL) da presidência do Senado, o peemedebista acendeu um fósforo na crise entre os Poderes e desafiou a determinação. Decisão da Mesa Diretora enviada ontem ao STF informa que a Casa aguardará uma decisão final do plenário da Corte, marcada para hoje. Logo pela manhã, o Senado entrou com recursos no Supremo para tentar reverter a liminar de Marco Aurélio, expedida na segunda-feira. O governo teme que o afastamento de Renan impacte diretamente em votações importantes, como o segundo turno da PEC dos Gastos, marcado para a próxima terça-feira.

Depois de se recusar a ser notificado da decisão na noite de segunda, Renan negou-se ontem novamente a assinar o documento levado por um oficial de Justiça ao Senado. O servidor do Supremo ficou, das 11h até por volta de 15h, aguardando um posicionamento de Renan. Enquanto isso, a sessão do Senado era cancelada e integrantes da Mesa Diretora redigiam uma decisão para garantir Renan no comando até o julgamento no plenário do STF. Duas versões do documento foram feitas. A primeira delas dizia expressamente que haveria o descumprimento da liminar de Marco Aurélio. A segunda, divulgada oficialmente, não deixa clara a decisão. Apenas traz argumentos, como o que há previsão de Renan assumir a presidência da República, e diz que é necessário esperar o plenário do Supremo.

A falta de clareza gerou divergências na interpretação da decisão por parte de senadores. Parlamentares chegaram a afirmar que o presidente em exercício era Jorge Viana (PT-AC), o primeiro-vice-presidente, que também assinou o documento. Oficialmente, segundo a Mesa do Senado, o presidente, até a noite de ontem, era Renan. O peemedebista evitou dizer que estava indo contra uma decisão do STF, mas criticou Marco Aurélio. “Há uma decisão da Mesa Diretora do Senado Federal que precisa ser observada do ponto de vista da separação dos Poderes e do afastamento, a nove dias do término de um mandato de um presidente de um Poder, por decisão monocrática. É isso que tem quer ser observado”, disse Renan à tarde. O peemedebista ainda criticou liminares anteriores do ministro e disse que “nenhuma democracia merece isso”.

Logo após a reunião da Mesa Diretora, Renan seguiu até o Palácio do Planalto, acompanhado pelo líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), convocado pelo presidente Michel Temer. Preocupado com o impacto do afastamento e da briga em si entre os Poderes, Temer chamou Renan para saber se havia a garantia da votação da PEC do teto dos gastos ou se seria necessário pensar em um plano B. O presidente do Senado explicou que esperava decisão favorável no recurso que interpôs no Supremo. E que, em relação à PEC, há um acordo de líderes para a votação, por isso, a troca no comando da Casa não deveria alterar o calendário.

Oposicionista, o primeiro-vice-presidente da Casa, Jorge Viana, evitou comentar o calendário de votações. Com uma postura cautelosa, Viana classificou como “crise institucional” a situação e como “grave” a decisão de Marco Aurélio por interferir em outro Poder. Mas também negou que a decisão da Mesa confrontasse o STF. “É uma manifestação que, inclusive, pede e dá prazo para o presidente Renan se manifestar. (...) Não sou, não vou ser nem quero ser nem Michel Temer nem (Waldir) Maranhão. Sinceramente, o país precisa agora de muita serenidade”, disse.

À tarde, Viana esteve reunido com o presidente do PT, Rui Falcão, e com a bancada no Senado. Embora Falcão tenha deixado claro que o partido é contrário à PEC 55, que limita os gastos públicos por 20 anos, segundo presentes no encontro, evitou pressionar Viana. Isso porque retirar a proposta de pauta seria ir contra um entendimento dos líderes e boa parte dos senadores. A PEC foi aprovada em primeiro turno com um placar expressivo: 61 votos a favor da proposta.

Embora, publicamente, petistas afirmem que defenderão a retirada da PEC dos gastos da pauta, internamente adotam cautela. Na segunda-feira, estiveram reunidos com o líder do PMDB, Eunício Oliveira (CE), o mais cotado para suceder Renan. Parlamentares já negociam com os próximos integrantes da Mesa Diretora. As eleições serão realizadas em 1º de fevereiro.

 

Julgamento

Na decisão tomada segunda à noite, Marco Aurélio atendeu, monocraticamente, ao pedido da Rede Sustentabilidade de que, ao se tornar réu, Renan não poderia continuar no cargo por estar na linha sucessória à presidência da República. O ministro se baseou no julgamento de uma ação sobre o tema, que foi interrompido em novembro. Na ocasião, o ministro Dias Toffoli pediu vistas, mas a ação já tinha maioria (seis votos) para que réus não pudessem ficar na linha sucessória da presidência. A tendência deve ser seguida no julgamento de hoje. Dois dos 11 ministros não vão participar: Luís Roberto Barroso se declarou impedido e Gilmar Mendes está em viagem ao exterior.

Em entrevista ao blog do jornalista Jorge Bastos Moreno, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, sugeriu inimputabilidade ou impeachment para o colega Marco Aurélio. Ontem à noite, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) manifestou preocupação com “os recentes acontecimentos”. “A necessidade de constante aperfeiçoamento da democracia exige a preservação da confiança da população nas instituições e no legítimo, independente e harmônico funcionamento dos Poderes”, diz a nota.

 

 

Correio braziliense, n. 19553, 07/12/2016. Política, p. 2.