Acordo garante desocupação pacífica

Ana Virato

08/12/2016

 

 

Estudantes que protestavam contra mudanças propostas pelo governo na economia e na educação negociaram com a Reitoria a saída hoje, às 9h, depois de 39 dias. Apesar de se dizer apartidários, participantes do movimento mostram influências de partidos políticos

 

Após 39 dias de diálogo, a Comissão de Negociação da Universidade de Brasília (UnB) e os representantes do movimento estudantil atingiram um consenso: a instituição federal de ensino superior deve ser desocupada, de forma gradual, a partir das 9h de hoje. A decisão engloba o câmpus Darcy Ribeiro, na Asa Norte, e a Faculdade de Planaltina. A saída dos manifestantes ocorrerá de forma pacífica. A oficialização da medida ocorrerá no anfiteatro do câmpus Darcy Ribeiro, que sediará o encontro entre estudantes, a reitora Márcia Abrahão, representantes do Ministério Público Federal no DF (MPF/DF) e da Defensoria Pública. Lá, o grupo assinará um termo de compromisso com a administração superior, no qual reforçará o acordo de desocupar todos os espaços. Haverá vistoria e limpeza das dependências e a expectativa é de que as unidades retomem o funcionamento normal até a próxima segunda-feira.

O comprometimento, porém, não é em vão. A Reitoria da UnB firmou a garantia de tratamento das demandas específicas levantadas pelos estudantes relacionadas à universidade. Entre as exigências, destaca-se a constituição de uma comissão, cujo objetivo será o de analisar a possibilidade de ampliar os benefícios da assistência estudantil, além da instauração de um grupo de discussão permanente sobre assuntos que envolvam a educação, tais como o projeto Escola sem Partido e a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55, que limita os gastos públicos durante 20 anos. Em nota, o movimento OcupaUnB constatou inúmeras conquistas, entre as quais ressalta a volta do espaço de debate político à universidade, “assim como a ressignificação dos espaços públicos e a reflexão acerca do modelo educacional existente”.

O movimento teve início em 31 de outubro, no câmpus de Planaltina. Com as mensagens “Não ao retrocesso” e “FUP (Faculdade UnB Planaltina) ocupada”, 75% dos universitários decretaram o início da ocupação. Devido à manifestação, foram suspensas as atividades regulares de professores, de técnicos-administrativos e de alunos. Quatrocentos discentes acamparam no local com barracas e colchões. O fluxo diário, entretanto, foi maior. Segundo a comissão de comunicação da mobilização, todos os interessados tinham acesso às aulas públicas e às assembleias que ocorrem no local. O ato estendeu-se, no mesmo dia, ao câmpus Darcy Ribeiro. Durante a noite, 1.434 universitários determinaram a ocupação da Reitoria. Em seguida, mais de 10 departamentos promoveram votações próprias e receberam as aglomerações.

 

Histórico

Durante todo o período da ocupação, os estudantes fizeram questão de reiterar que o movimento é apartidário. Também não houve uma voz única à frente das ocupações. Pelo contrário, o grupo que ocupou a Reitoria tinha gestão independente da dos demais departamentos da universidade. Em nota, a Comissão de Comunicação do #OcupaUnB argumentou que o ato tem caráter horizontal e, por isso, não conta com lideranças. Ressaltou, ainda, que “não criminaliza nenhum indivíduo pertencente a organizações políticas que venha somar ao movimento, uma vez que eles atuam como estudantes, e não como representantes de algum partido”. Os manifestantes alegaram também que a “linha de posicionamento e atuação do movimento é tirada em espaços de democracia direta, como as assembleias”. Por último, informaram que a autonomia é assegurada mediante a atuação dos discentes como protagonistas.

Apesar disso, nos bastidores, o movimento tinha uma feição característica, por vezes acompanhada de influências políticas e refletindo ideias e posições de grandes partidos políticos da esquerda brasileira, inclusive o posicionamento dessas legendas no Congresso Nacional. As siglas PT, PSOL e PCdoB foram as únicas a votar em bloco pela rejeição da chamada PEC 55 na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, por exemplo, e são as três que aparecem nas preferências de alguns dos estudantes que deram cara ao movimento.

À frente da Comissão Eleitoral da UnB, responsável pela convocação de assembleias gerais, inclusive a que determinou a ocupação da universidade, está Patrique Xavier de Lima, filiado ao PC do B desde 2005. O rapaz, de 28 anos, cursa direito na instituição e responderá pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE) até a nova eleição da entidade, prevista para 2017. Ele é servidor público, atua na Secretaria Nacional da Juventude, e ocupou os cargos de ex-diretor nacional da União da Juventude Socialista (UJS) e da União Nacional dos Estudantes (UNE). A estudante Lucci del Santos Laporta integra a corrente Juntos!, do PSOL. Paulista e estudante de serviço social, ela mantêm laços estreitos com os membros da sigla. Em janeiro deste ano, parabenizou Luciana Genro, fundadora da legenda, pelo aniversário.

A Comissão de Articulação do movimento de ocupação também conta com uma série de integrantes ligados a partidos políticos e às correntes das legendas. A estudante de letras Sarah Lindalva, por exemplo, filiou-se ao PT em 2012. Em comissões, caravanas ou postagens on-line, a brasiliense defende ideais do movimento estudantil e da sigla da qual é membro. Ela alimenta, com artigos, o site O Trabalho, da corrente O Trabalho do PT. Em uma das postagens, de 27 de agosto, ela critica a previsão do Executivo de cortes de 45% dos recursos previstos para investimento em universidades federais em 2017.

O PCdoB também tem representantes no segmento de articulação. Discente de ciência política, Luiza Calvette é a coordenadora do núcleo da UJS na UnB, entidade filiada à legenda. O envolvimento político, no caso da socialista, tem raízes familiares. O pai, Luiz Henrique Costa, é integrante da sigla desde 1984 e, atualmente, ocupa o cargo de diretor estadual da sigla. Calvette ocupa, ainda, o posto de vice-presidente da UNE no DF e é presença garantida em manifestações populares. Ela esteve em mobilizações como a passeata pela democracia, em 31 de março, e o movimento contrário à aprovação da PEC 55, na semana passada. A militante Maria Eduarda Gomes, também componente da Comissão de Articulação, filiou-se ao PSOL neste ano. O engajamento em causas da sigla a levou a viajar ao Rio de Janeiro para apoiar a campanha de Marcelo Freixo e Luciana Genro pela prefeitura do Estado.

 

Diálogo

 

Confira alguns dos termos do acordo firmado entre manifestantes e a Reitoria

» Os estudantes devem desocupar, imediatamente, todos os espaços administrativos e acadêmicos que se encontram impedidos de acesso pelo movimento Ocupa UnB, liberando completamente o prédio da reitoria até as 9h de 8 de dezembro de 2016;

 

» A administração superior se compromete a:

1. Constituir comissão com o objetivo de analisar a possibilidade de ampliar os benefícios da assistência estudantil;

 

 

2. Constituir comissão permanente de discussão sobre assuntos que envolvam a educação, tais como: o projeto Escola sem Partido, a PEC nº 55/2016, entre outros temas que abordem a área da educação;

 

3. Estabelecer canal permanente de diálogo com a comunidade para encaminhamento — junto às instâncias competentes da universidade — das demandas específicas das unidades acadêmicas, entregues pelo Movimento Ocupa UnB à administração;

 

4. Manter a destinação, em caráter provisório, da sala BT 620 do ICC ao Grupo Quilombo, até que seja encontrado local definitivo em comum acordo.

 

 

Correio braziliense, n. 19554, 08/12/2016. Cidades, p. 21.