Garantido no cargo, Renan acelera PEC

Julia Chaib

09/12/2016

 

 

CRISE NA REPÚBLICA » Presidente do Senado abre três sessões para contar prazo da proposta que restringe gastos federais. Um dia depois de o peemedebista descumprir liminar no Supremo, governo Temer afasta perigo de a emenda ser desmontada no Congresso

 

No dia seguinte à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de mantê-lo no cargo, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), acelerou o ritmo de tramitação do texto de interesse ao governo Michel Temer: a PEC dos gastos. E, mesmo depois de descumprir uma liminar do ministro Marco Aurélio de Mello, de se afastar da Presidência, o peemedebista afirmou que “decisão judicial se cumpre”. Aconselhado por aliados, ele agora deverá deixar para o ano que vem o projeto de lei sobre abuso de autoridade. A avaliação é de que não é hora de comprar mais uma briga com o Judiciário e outros setores, que criticam o projeto. Mas tampouco deve retirá-lo de pauta.

No lugar do abuso de autoridade, Renan garantiu a votação da PEC dos gastos na próxima terça-feira e abriu ontem três sessões para contar o prazo necessário para colocar a proposta na pauta. O movimento é incomum, principalmente em uma terça-feira. O governo respirou aliviado com a decisão do STF de manter Renan na presidência, justamente porque conseguiria garantir a votação da principal medida de ajuste fiscal, o que poderia ficar ameaçado no caso do afastamento.

Já o abuso de autoridade, encampado pelo próprio Renan, não deverá ser votado. Parlamentares contrários à votação da proposta agora propuseram um requerimento para retirar a urgência da proposta, que está em plenário. Com isso, o projeto faria a tramitação normal, passando pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Renan não colocou o requerimento de retirada de urgência em análise e também não pretende colocá-lo até o recesso parlamentar para evitar ser derrotado. Informalmente, líderes já conseguiram o apoio de 45 senadores para tirar da pauta, sendo necessárias 41 assinaturas para aprová-lo.

A estratégia, então, é colocar o projeto do abuso no fim da pauta e arrastá-lo para o ano que vem, já que o recesso começa no dia 16, próxima sexta-feira. O único entrave na decisão é que em fevereiro há eleições para a Mesa da Casa, portanto o projeto cairia no colo do líder do PMDB, Eunício Oliveira, que deve ficar no comando do Senado. Hoje, o próprio PMDB se opõe a colocar a proposta em votação neste ano. Na última semana, antes de ser afastado e descumprir a decisão do STF, Renan acabou perdendo em plenário ao tentar colocar um pedido de urgência para votar o pacote anticorrupção que foi desfigurado na Câmara dos Deputados. O relator do projeto de abuso de autoridade, que recebeu críticas do juiz Sergio Moro e de outras entidades representantes do Ministério Público, por exemplo, Roberto Requião (PMDB-PR) diz estar pronto para votar.

Questionado sobre a pauta e o pedido de urgência, Renan respondeu: “Eu já convoquei publicamente”. Mas não disse quando colocaria em pauta o requerimento. A prioridade é a PEC que limita o aumento dos gastos públicos, atrelado à inflação do ano anterior, por 20 anos. Foi a segunda sessão de discussões. São necessárias três sessões para votar a proposta.

No início da sessão de ontem, Renan teceu elogios ao primeiro vice-presidente da Casa, Jorge Viana (PT-AC). O petista assinou a decisão da Mesa que garantiu ao peemedebista o descumprimento da liminar de Marco Aurélio, afastado-o da Presidência. Viana também articulou junto ao Supremo para que os ministros aceitassem o recurso impetrado pelo peemedebista, para mantê-lo no cargo e tirá-lo da linha sucessória. “Eu lembrei assim: mas o Jorge não é petista, o Jorge é uma instituição suprapartidária. E foi esse o papel que o Jorge, em nome do Senado, em nome da democracia, em nome da separação dos Poderes, e em nome do PT também, apesar de ele ser mais amplo, maior do que o PT, ele cumpriu”, disse, depois de explicar que a senadora Angela Portela (PT-RR) não assinou a decisão da Mesa.

Em resposta a Renan, Viana disse ter ficado “satisfeito” por defender o Senado, e deu uma alfinetada. “Não tinha outro caminho a seguir. Procurei fazer o que todo vice deve fazer: ser vice é trabalhar para que o eleito cumpra seu mandato”, afirmou o primeiro vice-presidente. Ontem, o peemedebista fez questão de reafirmar sua inocência na ação em que se tornou réu no Supremo por peculato. “Decisão do STF fala por si só. Não dá pra comentar. Decisão judicial do Supremo Tribunal Federal é para se cumprir”, disse. Na última semana, o STF aceitou a denúncia da Procuradoria por 8 votos a 3, e tornou Renan réu por crime de peculato, suspeito de desvio da verba indenizatória do Senado. As acusações por falsidade ideológica e uso de documento falso prescreveram, por causa da demora do processo em ser concluído. “Já fui quatro vezes depor na Polícia Federal e irei quantas vezes forem necessárias para que tudo se esclareça”, disse Renan.

 

 

Correio braziliense, n. 19555, 09/12/2016. Política, p. 2.