Os primeiros sinais do furacão Odebrecht

Julia Chaib

10/12/2016

 

 

Executivo da empreiteira cita Temer, Renan, Padilha, Moreira Franco, Rodrigo Maia, entre outros nomes da classe política na colaboração premiada fechada com o MP. Segundo o delator, o presidente pediu R$10 milhões para campanha eleitoral

 

A delação premiada de Cláudio Melo Filho, ex-vice-presidente de Relações Institucionais da Odebrecht, atinge em cheio a cúpula do governo e o PMDB, o partido do presidente Michel Temer. Em um depoimento de 82 páginas, o executivo — um dos 77 funcionários da empreiteira que fecharam o acordo de colaboração com o Ministério Público Federal — detalha conversas com Temer, com o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, com o líder do governo no Congresso, Romero Jucá (PMDB-RR), com o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA) e com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). O secretário do Programa de Parcerias para Investimentos (PPI) do governo federal, Moreira Franco, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), também são citados.

Trechos da delação premiada de Cláudio Melo Filho foram divulgados ontem pelo Jornal Nacional, da TV Globo, pelo site Buzzfeed e pela revista Veja. Segundo o executivo, Temer pediu R$ 10 milhões ao empreiteiro Marcelo Odebrecht, presidente da empresa, em 2014. O dinheiro teria sido entregue, à época da campanha eleitoral, em espécie, ao escritório do advogado José Yunes, amigo próximo de Temer, e ao ministro Eliseu Padilha. Yunes foi tesoureiro da campanha do peemedebista e hoje é seu conselheiro no Palácio do Planalto.

Segundo o delator, Temer teria tido pelo menos dois encontros com Marcelo Odebrecht. Dos R$ 10 milhões, R$ 6 milhões seriam destinados para a campanha do presidente da Fiesp e então candidato do PMDB ao governo de São Paulo, Paulo Skaf. Os outros R$ 4 milhões foram repassados a Padilha. O ministro da Casa Civil era responsável por distribuir o dinheiro para outras campanhas do partido.

Temer já havia sido citado em delações, mas não de forma tão direta. Em agosto, a Veja já havia noticiado que o presidente havia pedido dinheiro em um jantar com Odebrecht e Padilha, em maio de 2014, no Palácio do Jaburu, residência oficial da vice-presidência. Em nota, Temer repudiou “com veemência as falsas denúncias” do executivo e disse que as doações foram declaradas ao TSE (leia mais ao lado).

Caixa dois

Com o início da divulgação dos depoimentos dos delatores da Odebrecht, a classe política começa a viver momentos de tensão. Segundo os empreiteiros, conforme reportagem publicada pela Folha de S.Paulo, Geraldo Alckmin também foi beneficiado com dinheiro de caixa dois da construtora. Segundo a delação, para a campanha de 2010, empresários entregaram R$ 2 milhões em espécie ao empresário Adhemar Ribeiro, irmão da primeira-dama, Lu Alckmin. O dinheiro teria sido repassado no escritório do próprio Ribeiro, em São Paulo. De acordo com a delação, Alckmin também recebeu dinheiro da empresa para a campanha à reeleição em 2014.

Outro tucano, José Serra, também teria recebido recursos ilegais da empresa para a campanha presidencial de 2010. De acordo com o depoimento de Carlos Armando Paschoalo, ex-diretor da empreiteira em São Paulo, foram repassados cerca de R$ 23 milhões à campanha do atual ministro das Relações Exteriores.

Outros integrantes da cúpula do governo de Temer ainda são citados na delação. Um deles é o secretário-executivo do Programa de Parceria de Investimento, Moreira Franco. Outro citado é o ex-ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, que deixou o governo no último dia 19, alvo de denúncias de tráfico de influência pelo ex-ministro da Cultura Marcelo Calero. O líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira (CE), e o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), também são mencionados e negam terem recebido dinheiro ilegal.

A delação ainda atinge integrantes da época do governo do PT. O próprio ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva consta em um dos depoimentos. Segundo os executivos, a construção da Arena do Corinthians teria sido um presente ao ex-presidente. Aparecem ainda nas delações premiadas como beneficiários de dinheiro ilegal o ex-tesoureiro do PT João Santana, o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, e a senadora e ex-ministra da Casa Civil Gleisi Hoffmann (PT-PR). Segundo a Revista Istoé, Gleisi teria recebido R$ 4 milhões para a campanha ao governo do Paraná, em 2014, a mando da então presidente Dilma Rousseff. Ontem, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cláudia Lamachia, pediu esclarecimentos rápidos acerca dos repasses feitos pela Odebrecht.

 

 

Correio braziliense, n. 19556, 10/12/2016. Política, p. 2.