MP denuncia Lula e o filho

10/12/2016

 

 

O ex-presidente e Luis Cláudio são acusados de lavagem de dinheiro e organização criminosa. Ministério Público quer que o petista também vire réu por tráfico de influência. Um dos casos investigados é a compra de 36 caças

 

 

O Ministério Público Federal em Brasília denunciou à Justiça, no âmbito da Operação Zelotes, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelos crimes de tráfico de influência, lavagem de dinheiro e organização criminosa. A acusação atinge também o filho do petista Luis Cláudio Lula da Silva, além do casal de lobistas Mauro Marcondes e Cristina Mautoni. Todos foram denunciados por “negociações irregulares que levaram à compra de 36 caças do modelo Gripen pelo governo brasileiro e à prorrogação de incentivos fiscais destinados a montadoras de veículos por meio da Medida Provisória 627”.É a quarta denúncia criminal contra Lula. Anteriormente, o ex-presidente foi acusado pelo Ministério Público Federal por obstrução de Justiça, por supostamente ter tentado barrar a delação do ex-diretor da área Internacional da Petrobras Nestor Cerveró na Operação Lava-Jato; por lavagem de dinheiro e corrupção no caso do triplex do Guarujá; e também por tráfico de influência em um empreendimento da Odebrecht em Angola, na Operação Janus, que envolve o sobrinho de sua primeira mulher.Nesta nova denúncia, a Procuradoria da República afirma que os crimes teriam sido praticados entre 2013 e 2015, quando Lula, já na condição de ex-presidente, “integrou um esquema que vendia a promessa de que ele poderia interferir junto ao governo para beneficiar as empresas MMC, grupo Caoa e SAAB, clientes da empresa Marcondes e Mautoni Empreendimentos e Diplomacia LTDA (M&M)”.Em troca, afirma a denúncia, Mauro e Cristina, donos da M&M, repassaram a Luis Cláudio pouco mais de R$ 2,5 milhões. Ao longo de 154 páginas, os procuradores da República Hebert Mesquita, Frederico Paiva e Anselmo Lopes descrevem a atuação dos investigados em dois fatos a partir da existência do que chamaram de “uma relação triangular”.“Uma das vértices era formada pelos clientes da M&M — que aceitaram pagar cifras milionárias por acreditar na promessa de que poderiam obter vantagens do governo federal —, outra, pelos intermediários (Mauro, Cristina e Lula) e a terceira, pelo agente público que poderia tomar as decisões que beneficiariam os primeiros, a então presidente da República, Dilma Rousseff. Durante as investigações, não foram encontrados indícios de que a presidente tivesse conhecimento do esquema criminoso”, afirma a denúncia.A acusação tem base na análise de documentos apreendidos por ordem judicial — tanto na Zelotes quanto na Lava-Jato —, além de informações prestadas em depoimentos, como o do próprio ex-presidente Lula e de um representante da SAAB no Brasil, Bengt Janér.Entre as declarações feitas pelo executivo da Quadricon, que, durante um período era contratada pela companhia sueca, está a de que, a partir de 2009, o processo de compra dos aviões se tornou mais político do que técnico. Um procedimento investigatório criminal (PIC), instaurado na Divisão de Combate à Corrupção, do Ministério Público Federal do Distrito Federal, para apurar a compra dos caças também serviu de base para a ação.Na denúncia, a Procuradoria sustenta que a promessa de interferência no governo por parte do ex-presidente Lula (venda de fumaça) rendeu a Luis Cláudio o recebimento de vantagens indevidas e que o valor repassado só não foi maior por causa da deflagração da Zelotes, em março de 2015. Segundo a ação, a expectativa era de um recebimento total de R$ 4,3 milhões, sendo R$ 4 milhões da M&M e o restante da montadora Caoa. Entre os meses de junho de 2014 e março de 2015, a M&M fez nove pagamentos à LFT que somados chegaram a exatos R$ 2.552.400,00.


Compra dos caças
Em relação aos caças, a ação do MPF traz um relato detalhado do processo que durou oito anos. O edital para a compra — considerada a maior aquisição militar da América Latina e que viabilizaria o chamado Projeto FX-2 — foi lançado em 2006. No entanto, apenas em 2014, o governo brasileiro firmou contrato com a empresa SAAB para o fornecimento das aeronaves. A empresa sueca teve como concorrentes um modelo francês (Rafale) que, em 2009, chegou a ser anunciado como vencedor da licitação pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva — e um americano (Super Hornet) — que por algum tempo (2011 e meados de 2012), foi o preferido da presidente Dilma Rousseff. Em declarações dadas ao MPF, o representante da SAAB afirmou que, nesse período, a empresa acreditou que seria preterida pelos americanos. “Joguei a toalha”, disse Bengt Janér.O que se viu, no entanto, foi uma nova investida por parte da empresa sueca que já possuía um contrato indireto com a M&M (via Quadricon) e que, em agosto de 2012, passou a trabalhar diretamente com os brasileiros. As investigações realizadas por integrantes da Força-Tarefa da Operação Zelotes revelaram que, ao todo, a M&M recebeu da SAAB € 1,84 milhão, sendo € 744 mil apenas entre 2011 e 2015. A explicação para esse reforço nos pagamentos está, segundo os investigadores, no fato de os lobistas Mauro e Cristina terem convencido os suecos que possuíam proximidade com o ex-presidente e que poderia contar com a sua influência junto ao governo para assegurar uma vitória na disputa concorrencial. “Assim, argumentos técnicos e indicadores de eficiência tornaram-se meros detalhes diante das jactadas proximidade e amizade a agentes públicos federais”, pontuam os autores da ação.Em nota à imprensa, os advogados do ex-presidente informaram não ter sido autorizados a acessar o teor da denúncia contra o Lula e o filho dele. Eles acusaram o Ministério Público de transformar a denúncia em um “espetáculo midiático” e negaram irregularidades cometidas pelos dois. “A denúncia ofertada é fruto de novo devaneio de alguns membros do Ministério Público que usam das leis e dos procedimentos jurídicos como forma de perseguir Lula e prejudicar sua atuação política”, diz o texto.

 

As acusações
» Mauro Marcondes
Tráfico de influência (três vezes), lavagem de dinheiro 
(nove vezes), organização criminosa e evasão de divisas (uma vez)

» Cristina Mautoni
Tráfico de influência (três vezes), lavagem de dinheiro 
(nove vezes), organização criminosa e evasão de divisas (três vezes)

» Luiz Inácio Lula da Silva
Tráfico de influência (três vezes), lavagem de dinheiro 
(nove vezes) e organização criminosa

» Luis Cláudio Lula da Silva
lavagem de dinheiro (nove vezes) e organização criminosa


Moro quer Bumlai atrás das grades
O juiz Sérgio Moro quer mandar José Carlos Bumlai, pecuarista amigo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de volta para a prisão fechada. Ele comunicou ao ministro Teori Zavascki, relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal, que Bumlai — condenado no polêmico empréstimo de R$ 12 milhões envolvendo o banco Schahin e um suposto socorro financeiro ao PT — “não se enquadra” mais nas hipóteses de permanência em prisão domiciliar. Bumlai foi detido em 24 de novembro de 2015 na Operação Passe Livre, desdobramento da Lava-Jato. Moro o condenou a 9 anos e 10 meses de prisão por gestão fraudulenta de instituição financeira. A petição do juiz de Curitiba, base da Lava-Jato, seguiu para o Supremo porque Teori Zavascki, em 17 de novembro, deu liminar ao pecuarista, autorizando-o a cumprir pena em regime domiciliar. O ministro acolheu os argumentos dos defensores de Bumlai, que enfrenta um câncer e problemas cardíacos.

 

 

Correio braziliense, n. 19556, 10/12/2016. Política, p. 4.