O Estado de São Paulo, n. 44975, 06/12/2016. Política, p. A4
Ministro afasta Renan da presidência do Senado

 

Breno Pires
Rafael Moraes Moura
Beatriz Bulla

 

O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu ontem medida liminar (provisória) afastando Renan Calheiros (PMDB-AL) da presidência do Senado, um dia depois de ele ser alvo de protestos por todo o País por apoiar projetos vistos como ameaça à Operação Lava Jato. A decisão foi no âmbito de uma ação ajuizada ontem pela Rede Sustentabilidade que pede que réus não possam estar na linha sucessória da Presidência da República. Cabe recurso.

Com a medida, o vice-presidente do Senado, Jorge Viana (PT-AC), assumirá o cargo. Ele voltou do Acre para Brasília e se reuniu com Renan e outros parlamentares.

A substituição gera apreensão entre os aliados do presidente Michel Temer, já que Viana faz parte do principal partido da oposição e cabe ao presidente do Senado definir as pautas de votação do plenário.

Na próxima semana, está previsto o segundo turno de votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Teto de Gastos, considerada um dos pontos mais importantes do ajuste fiscal, que cria um limite para as despesas públicas por 20 anos.

Ao deixar o encontro com Renan na residência oficial do Senado, Viana disse que seria precipitado tratar sobre as próximas votações. “Temos uma situação muito grave do ponto de vista institucional. Não vou antecipar nada antes que tudo aconteça”, afirmou o petista.

O Planalto também está preocupado com o agravamento de crise entre os Poderes (mais informações na pág. A6). Renan vem tendo embates com juízes e procuradores e, na semana passada, virou réu. O STF decidiu, por 8 votos a 3, receber a denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o senador pelo crime de peculato. Ontem, a Rede alegou que, com o recebimento da denúncia, “passou a existir impedimento incontornável para a permanência” de Renan na presidência.

A investigação que fundamentou a abertura de uma ação penal contra o senador era de 2007, ano em que ele renunciou ao comando da Casa após uma onda de protestos. A lista de inquéritos contra Renan foi engrossada desde o início da Lava Jato. Ele é alvo de mais 11 inquéritos no STF, oito abertos pela força-tarefa, incluindo a apuração sobre a formação de organização criminosa para atuar na Petrobrás.

A Rede pedia urgência na avaliação da matéria porque, se não houvesse uma análise rápida, o Supremo poderia decidir sobre a questão depois do fim do mandato de Renan, que se encerra no dia 1.º de fevereiro.

Ministros do STF foram pegos de surpresa com a decisão.

Nos bastidores, a expectativa é de que o caso seja levado brevemente ao plenário, para ser analisada possivelmente amanhã.

 

Atos. Marco Aurélio negou ao Estado que as manifestações de anteontem tenham influenciado a sua decisão. “O STF tem de continuar sendo a última trincheira da cidadania e não faltar à nacionalidade”, disse. Ele também avaliou que o afastamento não traz risco para a estabilidade.

“A observância da Constituição jamais provoca risco.” O ministro foi um dos que votaram, no início de novembro, pela impossibilidade de réus ocupar cargos na linha sucessória da Presidência da República.

Apesar de o STF ter formado maioria para tirar réus da linha sucessória, o julgamento foi suspenso por um pedido de vista do ministro Dias Toffoli.

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, também havia pedido ao Supremo, no final da tarde de ontem, o afastamento de Renan do cargo. Para Janot, “não se pode admitir como normal” que um réu ocupe cargo na linha de sucessão da Presidência. / COLABORARAM JÚLIA LINDNER e ISADORA PERON

 

PEEMEDEBISTA NO SUPREMO

Marco Aurélio Mello , do Supremo Tribunal Federal, concedeu liminar afastando Renan Calheiros (PMDB-AL) da presidência do Senado. Renan é réu em uma ação penal e é alvo de outros 11 inquéritos na Corte, a maioria deles relacionados à Lava Jato.

 

Lava Jato

Quadrilhão

Renan é um dos mais de 40 parlamentares investigados no inquérito- mãe da Lava Jato;

 

Diretorias da Petrobrás

Inquérito apura se Renan atuou para manter os ex-diretores Paulo Roberto Costa e Nestor Cerveró na Petrobrás em troca de propina .

 

Delator

Cerveró cita Renan como beneficiário de propina do esquema na estatal;

 

Transpetro

Renan é alvo de inquérito por supostamente ter recebido propina de contratos da Transpetro;

 

Outros casos

Verba indenizatória

Responde a ação penal em que é acusado de peculato por desviar verba indenizatória do Senado;

 

Angra 3 e Belo Monte

Inquéritos investigam se Renan recebeu dinheiro desviado de obras de Angra 3 e Belo Monte;

 

Zelotes

Inquérito apura se o senador tem ligação com venda de emendas a medidas provisórias;

 

Movimentação financeira

Investigadores consideram suspeita movimentação de R$ 5,7 milhões de Renan.

 

PARA LEMBRAR

Cunha foi alvo na Câmara

Esta é a segunda vez que um presidente de uma casa legislativa do Congresso Nacional é afastado neste ano. Em maio, por unanimidade, os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal decidiram manter a suspensão do mandato e a suspensão por tempo indeterminado de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) da presidência da Câmara. A decisão ratificou liminar que havia sido concedida pelo ministro Teori Zavascki, relator da Operação Lava Jato no Supremo. Teori analisou pedido da Procuradoria- Geral da República. Os ministros apontaram que Cunha usou o cargo para prejudicar as investigações da Lava Jato. O peemedebista acabou renunciando ao cargo e foi cassado. Atualmente cumpre prisão preventiva em Curitiba.

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Revés

 

Rubens Glezer

 

Ao trocar a presidência do Senado, o Supremo Tribunal Federal (STF) truncou as reformas pretendidas pelo governo Michel Temer. Em tese, o STF apenas afastou Renan Calheiros, mas na prática deixou em seu lugar Jorge Viana, colocando a pauta de votação nas mãos da oposição.

Nesse cenário, quem reina soberana é a instabilidade.

A incerteza emana em primeiro lugar do próprio STF. A decisão foi tomada pelo ministro Marco Aurélio Mello e pode ser revertida pelo plenário. Contudo, o Supremo é dono de seu próprio tempo. Há uma demora para que o processo seja remetido ao plenário e há também a total liberdade para que a presidente Cármen Lúcia escolha quando colocá-lo em julgamento. Além disso, haverá sempre a possibilidade de o novo julgamento ser interrompido por qualquer ministro.

No Senado, o presidente em exercício terá total liberdade para controlar a pauta de votação, possivelmente adiando a votação da “PEC do Teto” e da reforma da Previdência.

Pelo precedente recente da Câmara dos Deputados, novas eleições somente ocorrem se o vice-presidente renunciar. Porém, a situação do senador Jorge Viana (PT) é bem distinta à do deputado Waldir Maranhão (PP-MA). A transferência de poder no Senado abre espaço para novas rodadas de disputa política até então inimagináveis. Some- se a isso a imprevisibilidade da Lava Jato e das investigações em torno da saída de Marcelo Calero do Ministério da Cultura.

O ministro do STF, porém, poderia agir assim? Sob o aspecto técnico, já houve outros casos em que ministros decidiram sozinhos com base em julgamentos que possuíam maioria, mas paralisados por pedido de vista. Contudo, isso não havia acontecido em nenhum cenário de tamanha repercussão política. Havia a opção de remeter a decisão ao plenário. Tomar a decisão isoladamente decorreu um juízo de conveniência.

Quando ministros do STF tomam decisões políticas tão relevantes, acabam por expor o tribunal ao cenário político e, acima de tudo, aos riscos políticos. Em meio a tantos reveses, talvez fosse prudente protegê-lo.