O Estado de São Paulo, n. 44976, 07/12/2016.  Política, p. A4

Renan desafia ministro e STF tenta saída negociada

Com aval da Mesa Diretora, presidente do Senado não cumpre liminar de Marco Aurélio, que o obriga a se afastar do comando da Casa; crise entre Legislativo e Judiciário se acirra

 

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), com respaldo interno da maior parte dos integrantes da Mesa Diretora, desafiou ontem a decisão liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello, que na noite anterior havia determinado seu afastamento do comando da Casa. Renan se recusou a receber a notificação judicial antes da decisão do plenário da Corte, prevista para ocorrer hoje. A resistência potencializou a crise entre o Legislativo e o Judiciário.

A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, e pelo menos quatro outros ministros tentavam uma saída negociada para o impasse.

A ideia era que o plenário optasse por uma solução de meio-termo.

Eles garantiriam Renan na função, mas o senador ficaria impedido preventivamente de assumir a Presidência da República na ausência de Michel Temer. Marco Aurélio determinou o afastamento de Renan ao acatar pedido da Rede Sustentabilidade para que réus não estejam na linha sucessória do presidente da República.

O Palácio do Planalto também atuou ontem para tentar baixar a temperatura da crise política e encerrar o ano com a aprovação da principal etapa do ajuste fiscal no Congresso – a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Teto de Gastos. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou que é “evidente” que a instabilidade política causa “incertezas” na economia.

Renan, por sua vez, fez do Senado uma trincheira e criticou a liminar de Marco Aurélio. “Uma decisão monocrática, a democracia não merece esse fim.” Em rápida entrevista no Senado, o peemedebista insinuou que o ministro atua para manter os pagamentos acima do teto para o Judiciário. “Marco Aurélio, quando se fala em encerrar supersalários, treme na alma”, afirmou.

O primeiro-vice-presidente da Casa, senador Jorge Viana (PT-AC), indicou apoio à permanência de Renan, contrariando a pressão do próprio partido para que ele se movimente para assumir o cargo e suspender a votação da PEC do Teto, marcada para o dia 13.

 

Coletiva. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), após conceder entrevista à imprensa no Congresso

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Plenário do Supremo julga hoje decisão de Marco Aurélio Mello

Presidente da Corte, Cármen Lúcia negocia com outros ministros solução para impasse entre Legislativo e Judiciário

Por: Eliane Cantanhêde

 

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, e pelo menos quatro outros ministros da Corte buscaram durante todo o dia de ontem amenizar a crise entre Judiciário e Legislativo. Ela incluiu como item número 1 na pauta da sessão de hoje o julgamento sobre a liminar do ministro Marco Aurélio Mello que afastou o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) do cargo de presidente do Senado.

A negociação prevê que a partir das 14 horas o plenário acate apenas em parte o mérito da ação proposta pela Rede pelo afastamento de Renan da presidência do Senado. A intenção é garantir o senador na função de comando, mas impedi-lo preventivamente de assumir a Presidência da República na ausência de Michel Temer.

O plenário do STF é considerado a única instância capaz de estancar uma grave crise entre os Poderes. A avaliação é de que foi criado um impasse institucional.

Sintomaticamente, o primeiro- vice-presidente do Senado, Jorge Viana (PT-AC), foi ontem ao STF manifestar preocupação com o nível de tensão e se disse empenhado em uma solução de equilíbrio e moderação.

Viana ocuparia o cargo no caso de afastamento de Renan e seria o segundo na linha sucessória de Temer. O petista conversou com Cármen Lúcia, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli e Luiz Fux na busca de pacificação das instituições. Ele fez um outro gesto nessa direção: chegou ao Senado ao lado de Renan.

“Jurisprudência. Prudência, prudência, prudência, para a pacificação”, disse a presidente do STF em conversa com o Estado.

Também preocupada com a situação, Cármen Lúcia passou a madrugada de ontem em claro e, quando o ministro Gilmar Mendes telefonou de Lisboa, perplexo, perguntando o que iria acontecer ao longo do dia, reagiu: “Como eu vou saber? São 6h15 da manhã aí e 4h15 aqui!”.

Gilmar é o maior adversário de Marco Aurélio na Corte e o mais áspero crítico de sua liminar, que, segundo ele, “extravasou o limite da legalidade”. Ele chegou a comprar a passagem de volta para Brasília, mas foi demovido da ideia por Cármen Lúcia e outros colegas e seguiu viagem até Estocolmo, na Suécia, para uma reunião de magistrados.

 

Impeachment. O temor era de que o clima esquentasse excessivamente hoje com Marco Aurélio cara a cara com Gilmar, que ontem chegou a pedir o impeachment do colega por crime de responsabilidade.

Segundo Gilmar, os casos de Renan e do presidente cassado da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) são muito diferentes.

Cunha usava a Câmara para obstruir a Justiça e, por isso, seu afastamento, tanto da presidência quanto do mandato, foi decidido por unanimidade no STF.

Já Renan não era suspeito disso e afastá-lo da presidência por liminar só caberia se houvesse algum fato novo que se sobrepusesse ao julgamento já em andamento sobre a inviabilidade de mantêl-o no cargo – hoje, o segundo na linha sucessória da Presidência –, sendo réu no Supremo.

 

Gênese. Esse julgamento foi interrompido por um pedido de vista do ministro Dias Toffoli. Agora, Marco Aurélio atropelou o colega com a liminar. A gênese da crise, aliás, foi uma troca de notas entre os ministros na sexta-feira passada.

Segundo Toffoli, ele só recebeu os autos da ação contra Renan no fim da tarde daquele dia e o prazo regimental para a devolução da vista só se encerraria no dia 21 – quando o STF entra em recesso. Marco Aurélio reagiu de forma sarcástica, escrevendo que “o processo é eletrônico” e seu voto de novembro sobre o afastamento de Renan estava “ao acesso de qualquer cidadão” desde então.

Ontem, antes mesmo do impasse formado, Cármen Lúcia indicou pela manhã que daria urgência à apreciação do caso. “Tudo que for urgente para o País, eu pautarei com urgência”, afirmou a presidente do STF.

 

Ponderação

“Os Poderes atuam de forma harmônica.”

 

“Não vejo motivos para qualquer tipo de retaliação. Não acredito que detentores de cargo público pensem assim.”

 

“Tudo que for urgente para o País, eu pautarei com urgência.”

Cármen Lúcia

PRESIDENTE DO STF