O Estado de São Paulo, n. 44975, 06/12/2016. Política, p. A6

Planalto vê crise entre Poderes e vai negociar com Viana

 
Tânia Monteiro
 Vera Rosa

 

O Palácio do Planalto avaliou ontem que a liminar concedida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello afastando imediatamente o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) da presidência do Senado pode agravar a crise política entre os Poderes. A maior preocupação do presidente Michel Temer, que foi surpreendido com a decisão, é que não seja cumprido o calendário que prevê a votação do segundo turno da PEC do Teto, que limita os gastos públicos, no próximo dia 13.

Além disso, auxiliares diretos do presidente avaliam que, se a liminar não for derrubada, pode haver prejuízo ainda em outras áreas já que o vice-presidente do Senado, Jorge Viana, é do PT, partido de oposição ao Planalto, que poderá aproveitar o momento para, não só postergar a votação da PEC, como colocar na agenda do Congresso pautas bombas que prejudiquem o governo. Para um auxiliar palaciano, “nada impede que o petista mude a data ou a ideia do que deve ser apreciado pelo plenário”.

O senador Romero Jucá (PMDB-RR), líder do governo, soube da notícia pela imprensa e ficou surpreso. Jucá tentou amenizar o problema, justificando que “há um acordo entre os partidos” e que “qualquer um que assumir” a presidência do Senado terá de cumprir o rito estabelecido. Mas no Planalto a avaliação é que o PT, neste momento, não teria motivo para facilitar a vida de Temer.

 

Data. A ideia é que Temer peça a Jucá para procurar Jorge Viana para conversar e evitar que ele mude a data de votação do segundo turno da PEC do Teto. A cadeira de Renan ficou vazia durante a reunião de Temer no Planalto com líderes de partidos da base aliada na Câmara e no Senado para tratar da reforma da Previdência. O encontro, marcado para 17 horas, começou 50 minutos depois porque todos estavam à espera do presidente do Senado. Temer decidiu dar início à reunião, mas, logo na abertura, disse que o aliado não demoraria. “Ele já está chegando, vindo de Alagoas”, afirmou o presidente.

O presidente tinha acabado de chegar ao seu gabinete no terceiro andar no Planalto, depois da reunião, quando foi avisado da decisão de Marco Aurélio Mello. A decisão foi recebida por Temer e auxiliares com “surpresa total”, conforme relatos.

A liminar foi concedida em resposta a uma ação ajuizada pela Rede, que pede que réus não possam estar na linha sucessória da Presidência da República.

Para o Planalto, “é o pior dos mundos, um risco sério”, comentou um interlocutor do presidente, preocupado com que comportamento adotará o vice- presidente do Senado.

A avaliação no Executivo é que se “já era ruim com Renan, muito pior será sem ele”. De acordo com um assessor palaciano, além do problema de cumprimento do calendário previsto pelo governo com o senador alagoano, há o risco de uma crise entre Poderes.

Outro fator de preocupação ao Planalto é que, enquanto o comando do Senado ficará com o PT, a presidência do Congresso será ocupada pelo deputado Waldir Maranhão (PP-MA), 1.º vice-presidente da Câmara.

 

Surpresa. Na Câmara, deputados receberam com surpresa a decisão de Marco Aurélio. “Depois da excepcionalidade do voto de Teori (Zavascki) no caso (Eduardo) Cunha, se criou uma jurisprudência”, disse o líder do PPS na Câmara, Rubens Bueno (PR). “Prejudica o governo, é natural (...) Renan é uma peça importante que sai do xadrez”, observou o líder do PR, deputado Aelton Freitas (MG).

Os parlamentares lembram que a pauta relevante para o governo, que é a reforma da Previdência, começa a tramitar pela Câmara. No Senado, só resta aguardar a votação do segundo turno da PEC do Teto, que limita os gastos da União. Com Viana assumindo o comando do Senado, os deputados preveem que, pelo perfil do senador, não haverá grandes ameaças ao Planalto.

“Ele não será um Cunha da vida não”, apostou Bueno.

 

Sucessor. Jorge Viana (PT-AC) vai à residência de Renan

 

‘Golpe’

Ex-governador do Acre, Jorge Viana (PT) é considerado um político moderado pelo governo, mas, ainda assim, sempre fez oposição a Temer. A exemplo de outros petistas, ele também classificou como "golpe" o impeachment de Dilma Rousseff.

 

CRONOLOGIA

1978

Ainda estudante de Direito, Renan Calheiros é eleito deputado estadual em Alagoas pelo MDB.

 

1990

Deputado federal pelo PMDB, é escolhido líder na Câmara do governo de Fernando Collor de Mello.

 

1994

Renan é eleito senador por Alagoas.

 

1998

Em abril, toma posse como ministro da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso.

 

2005

É eleito presidente do Senado com o apoio de 72 dos 81 senadores

 

2007

Renan Calheiros renuncia à presidência do Senado para fugir da cassação, acusado de quebra do decoro por supostamente pagar contas pessoais com propina de lobistas.

 

2013

Reeleito senador em 2010, é eleito mais uma vez presidente do Senado. Na semana anterior, é denunciado ao STF por peculato (desvio de dinheiro público), falsidade ideológica e uso de notas fiscais falsas.

 

2015

Em fevereiro, é reeleito presidente do Senado, vencendo o colega Luiz Henrique (SC), que se lançou na disputa sem o apoio do PMDB.

 

Em março, o ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa diz, em sua delação premiada, que Renan recebeu propina em contratos da Diretoria de Abastecimento. O peemedebista é alvo de 8 inquéritos relacionados à Lava Jato.

 

 

2016

Em abril, a relatora da Zelotes no STF, Cármen Lúcia, abre inquérito para apurar suposto envolvimento de Renan com a venda de emendas a MPs relacionadas ao setor automotivo editadas pelo governo.

 

Em 30 de novembro, Renan coloca em votação requerimento de urgência para votar projeto sobre corrupção – modificado e aprovado na madrugada pela Câmara –, mas é derrotado.

 

Em 1º de dezembro, o Supremo decide, por 8 votos a 3, tornar réu o presidente do Senado pelo crime de peculato.