O Estado de São Paulo, n. 44975, 06/12/2016. Política, p. A8

Abuso de autoridade deve sair da pauta

 
Isadora Peron
Julia Lindner

 

O afastamento de Renan Calheiros (PMDB-AL) da presidência do Senado deve inviabilizar hoje a votação do projeto de Lei de Abuso de Autoridade. A avaliação de senadores da base e da oposição é de que não há “clima” para levar ao plenário da Casa a discussão sobre a proposta.

Esse já era o sentimento no Senado antes mesmo da decisão de Marco Aurélio Mello, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), por causa das manifestações de rua de anteontem que criticaram a proposta.

O senador Álvaro Dias (PVPR) chegou a apresentar ontem um requerimento para tirar o projeto da pauta do plenário. O senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) também passou o dia colhendo assinaturas para adia a votação da proposta.

Para os parlamentares, manter a votação para hoje iria de encontro ao sentimento da sociedade, uma vez que anteontem houve manifestações de rua em todo o País contra a corrupção, em apoio à Operação Lava Jato e com criticadas focadas em Renan.

“O problema do Brasil não é excesso de abuso de autoridade, mas sim abuso da prática da corrupção, do tráfico de influência, da formação de quadrilha.

As prioridades são outras. Esta não foi a prioridade da multidão que foi às ruas”, disse Dias.

O líder do PT na Casa, Humberto Costa (PE), também disse acreditar que não será possível votar o projeto, com era esperado.

“Se já não havia clima para isso, ficou mais difícil”, afirmou.

Além desse projeto, porém, a mesma matéria – crime de abuso de autoridade para juízes, promotores e procuradores – continuará em discussão na Casa, uma vez que também está em análise o projeto anticorrupção com o tema aprovado pela Câmara na semana passada.

 

Parecer. Apesar de dizer que o projeto não tem como objetivo inibir a Lava Jato, o relatório apresentado por Roberto Requião (PMDB) considera abuso de autoridade medidas que vêm sendo usadas nas investigações, como os decretos de prisão preventiva e condução coercitiva.

Pelo texto, “executar a captura, prisão ou busca e apreensão de pessoa que não esteja em situação de flagrante delito ou sem ordem escrita de autoridade Judiciária” pode levar o juiz à detenção de 1 a 4 anos.

A mesma pena poderá ser aplicada se um juiz “decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado que for manifestamente descabida ou sem prévia intimação de comparecimento ao juízo”.

 

Vazamento. De acordo com o relatório, será considerado abuso de autoridade “divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada, ou ferindo honra ou a imagem do investigado ou acusado”.

 

Sessão. Juiz Sérgio Moro conversa com senador Roberto Requião no debate sobre projeto de Lei de Abuso de Autoridade

 

Câmara

O deputado Eduardo Bolsonaro (PSC-SP) pediu ao STF para anular a votação na Câmara que incluiu no pacote anticorrupção o crime de abuso de autoridade para juízes e procuradores.

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Requião manda manifestante comer ‘alfafa’

 

Daniel Weterman

 

O relator do projeto de Lei de Abuso de Autoridade, senador Roberto Requião (PMDB-PR), criticou os manifestantes que foram às ruas anteontem para protestar em defesa da Operação Lava Jato e contra o Congresso Nacional. Ele recomendou “muita alfafa” para os participantes dos atos.“Eu recomendo alfafa, muita alfafa. In natura ou como chá. É própria para muares e equinos, acalma e é indicada para passeatas nonsense”, escreveu anteontem em seu perfil no Twitter. Ontem pela manhã, o senador fez uma transmissão ao vivo pelo Facebook e chamou a publicação de “alfafa, ironia e a necessidade da democracia”. Requião destacou que havia tratado o assunto das manifestações com ironia e que foi atacado por suas publicações. “Eu não vou ‘frouxar’, peço a vocês que me assistem agora que não ‘frouxem’, não cedam, dureza contra a corrupção. Jamais vou aceitar o autoritarismo do fascismo, do nazismo ou do entreguismo que querem acabar com a soberania nacional”, afirmou.Em Curitiba, seu berço eleitoral, o senador e ex-governador foi alvo da manifestação na frente da sede da Justiça Federal, local de trabalho do juiz Sérgio Moro.

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Cármen Lúcia alerta para ‘democracia ou guerra'

 
Rafael Moraes Moura
Breno Pires

 

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Cármen Lúcia, disse ontem que o papel do Poder Judiciário é de pacificação de conflitos no País e afirmou que “ou é a democracia ou a guerra” ao defender o Estado. As declarações foram dadas durante a abertura do 10.º Encontro Nacional do Poder Judiciário.

“Há uma enorme intolerância com a falta de eficiência do poder público que nos leva a pensar como é que temos de agir para que a sociedade não desacredite no Estado, uma vez que o Estado democrático previsto constitucionalmente parece ser até aqui a nossa única opção.

Ou é a democracia ou a guerra. E o papel da Justiça é exatamente pacificar”, disse Cármen.

O discurso da ministra foi proferido um dia após as manifestações de rua por todo o País que defenderam a Operação Lava Jato, pediram o combate à corrupção e criticaram o Congresso Nacional, principalmente o senador Renan Calheiros (PMDB-AL).

De acordo com Cármen, os servidores públicos têm a função cumprir “uma finalidade constitucionalmente fixada para atender ao interesse público”.

“Como não há paz sem Justiça, o que se busca é exatamente que atuemos no sentido de uma pacificação em um momento particularmente grave”, disse a presidente do STF.

 

‘Encruzilhada’. Ao citar a filósofa alemã Hannah Arendt, Cármen afirmou que toda sociedade tem um momento em que se vê em uma “encruzilhada”. “Ou a sociedade acredita em uma ideia de Justiça que vai ser atendida por uma estrutura estatal e partimos para um marco civilizatório específico. Ou a sociedade deixa de acreditar nas instituições e por isso mesmo opta pela vingança”, afirmou a ministra.

“Nós não esperamos que a sociedade em algum momento precise desacreditar (nas instituições), a tal ponto que resolva fazer justiça pelas próprias mãos, que é nada mais do que exercer a vingança, que é a negativa da civilização”, disse a presidente do STF.

 

Vingança

“Ou a sociedade acredita em uma ideia de Justiça que vai ser atendida por uma estrutura estatal e partimos para um marco civilizatório específico. Ou a sociedade deixa de acreditar nas instituições e por isso mesmo opta pela vingança.”

Cármen Lúcia

PRESIDENTE DO STF E CNJ

 

PONTOS-CHAVE

Peemedebista trava embate com Judiciário

Projeto

Investigado na Lava Jato, Renan Calheiros resolve desengavetar e acelerar a tramitação de projeto de 2009 que prevê punições a crimes de abuso de autoridades.

 

‘Juizeco’

Em outubro, Renan chamou de ‘juizeco’ o juiz Vallisney de Souza Oliveira, responsável pela Operação Métis, que autorizou busca e apreensão no Senado.

 

‘Fora, Renan’

No domingo, Renan foi um dos principais alvos dos participantes das manifestações, apontado como autor de tentativa de sabotar a Lava Jato no Senado.