Correio braziliense, n. 19568, 22/12/2016. Política, p. 2

Máquina da propina espalhada pelo mundo

CRISE NA REPÚBLICA » Assinatura de acordo de leniência recorde revela o tamanho da rede de corrupção comandada pela Odebrecht e a Braskem, o braço petroquímico da empreteira. Subornos eram pagos em 12 países. Só no Brasil, os repasses chegaram a R$ 1,6 bilhão a políticos e a servidores

 

Documentos revelados pelo Departamento de Justiça  (DOJ) dos Estados Unidos mostram que a Odebrecht e a Braskem pagaram mais US$ 1,03 bilhão, equivalentes a R$ 3,46 bilhões, em propina em projetos espalhados pelo Brasil e outros 11 países, entre 2001 e 2016. Do total, aproximadamente R$ 2 bilhões foram repassados a partidos, a políticos e a servidores públicos em território nacional. A revelação dos valores ocorreu no mesmo dia da divulgação da assinatura de acordos de leniência, espécie de delação premiada para empresas, com a empreiteira e com a Braskem, braço petroquímico da Odebrecht em sociedade com Petrobras. As companhias terão de arcar com multas de R$ 6,9 bilhões, o maior valor já acordado mundialmente, entre o Ministério Público brasileiro, o MP na Suíça e o DOJ.

De acordo com os americanos, somente a Odebrecht repassou US$ 788 milhões (R$ 2,6 bilhões) em propina. No Brasil, a empresa pagou US$ 349 milhões (R$ 1,6 bilhão) a partidos políticos e a servidores públicos. Em troca, a construtora lucrou mais de US$ 1,9 bilhão. A empreiteira também pagou cerca de US$ 439 milhões para partidos, políticos e servidores em Angola, Argentina, Colômbia, República Dominicana, Equador, Guatemala, México, Moçambique, Panamá, Peru e Venezuela. O esquema rendeu mais de US$ 1,4 bilhão para a Odebrecht. Já a Braskem promoveu pagamentos no valor de US$ 250 milhões — R$ 835 milhões, em valores atualizados pela cotação de ontem.

Os documentos fornecidos pelo DOJ detalham como funcionava o esquema de corrupção, que envolvia fraude e suborno pelo mundo. A Odebrecht tinha atuação em 27 países, inclusive nos Estados Unidos. O controle e os repasses eram feitos pela Divisão de Operações Estruturadas, criada para gerenciar os pagamentos ilegais, chamado de bribe departament ou “departamento do suborno”, pelos americanos.

Segundo o documento, a Smith & Nash Engineering Company, uma empresa baseada nas Ilhas Virgens Britânicas, foi estabelecida e gerenciada do Departamento de Operações Estruturadas. A S&N abriu pelo menos uma conta offshore em nome da Odebrecht. Dessa forma, a empreiteira transferia dinheiro de bancos sediados em Nova York, por exemplo. A grana era, então, usada para pagar a propina.

“A S&N foi usada pela Odebrecht para promover o esquema de propina e ocultar e disfarçar pagamentos indevidos feitos a funcionários estrangeiros e partidos políticos estrangeiros em vários países”, descreve o documento. O esquema feito com a S&N foi repetido com outras empresas, como a Arcadex Corporation, incorporada em Belize, e a Golac Projects and Construction Corporation, nas Ilhas Virgens Britânicas.

O esquema e a distribuição eram controlados por executivos de alto escalão na construtora. Funcionários da Odebrecht, que trabalhavam no departamento destinado aos pagamentos ilegais, operavam de Miami, na Flórida, em encontros e no pagamento das propinas. Um executivo da área internacional era o responsável por aprovar os pagamentos ilegais a oficiais e partidos políticos fora do Brasil.

No exterior, os repasses eram feitos para assegurar a continuidade de contratos, por exemplo. Para Angola, cita o documento, foram pagos mais de US$ 50 milhões. A empreiteira se beneficiou com aproximadamente US$ 261,7 milhões. Para a Colômbia, foram mais de US$ 11 milhões, e se beneficiou com mais de US$ 50 milhões.

A propina era justificada com taxas coletadas pelas subsidiárias. O pagamento era feito por meio de operadores financeiros e doleiros. Usavam também bancos em países pequenos. A construtora fazia pagamentos elevados às instituições bancárias e pagava propina para executivos de bancos.

 

Acordo recorde

O Ministério Público do Brasil, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos e o Ministério Público suíço fecharam acordos de leniência com a Odebrecht e a Braskem no âmbito da Lava-Jato, após as empresas reconhecerem terem cometido crimes de corrupção. Ambas concordaram em pagar pelo menos US$ 3,5 bilhões em multas, o equivalente a pelo menos R$ 6,9 bilhões. Trata-se do maior ressarcimento mundial em termos de acordos. As empresas ainda serão monitoradas por cerca de dois anos por integrantes do MP.

Para o Brasil, serão repassados R$ 5,3 bilhões; para a Suíça, R$ 800 milhões; e para os Estados Unidos, R$ 800 milhões. Com o acordo, além de pagarem as multas, as empresas fornecerão informações privilegiadas.  Os valores serão quitados ao longo de 23 anos. O acordo de leniência já foi homologado pela Câmara de Combate à Corrupção do MPF. Os pactos serão ainda submetidos à homologação do juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba. A empreiteira divulgou nota em que afirmou se arrepender dos atos ilícitos e pediu desculpas. “A Odebrecht agradece a oportunidade de virar a página e superar esse doloroso episódio”, diz a empresa. A Braskem também afirmou reconhecer a responsabilidade.

 

“A hora é agora”

O procurador da República Deltan Dallagnol, que integra a força-tarefa do Ministério Público Federal na Operação Lava Jato, divulgou, em redes sociais, mensagem sobre o bilionário acordo de leniência com a Odebrecht e a Braskem. Em sua conta no Facebook, ele disse que “é possível um Brasil diferente e a hora é agora”. “Se você acha que o Brasil não tem jeito e veste a camisa do complexo de vira-lata, esta mensagem é para você. É possível um Brasil diferente, e a hora é agora. A Lava-Jato está fazendo a sua parte”, escreveu Dallagnol.