O balcão de negócios de Mps no Congresso

Eduardo Militão

25/12/2016

 

 

Investigações das operações Zelotes e Lava-Jato apontam que pelo menos seis empresas pagaram ou ofereceram R$ 145 milhões em propinas para modificação de medidas provisórias na Câmara e no Senado. Eduardo Cunha lidera a lista

 

Ao menos seis empresas são suspeitas de pagar ou oferecer R$ 145 milhões em propinas entre 2005 e 2015 para 11 parlamentares a fim de criarem ou modificarem 25 projetos de leis e medidas provisórias, de acordo com levantamento do Correio. Foram analisados papéis das operações Zelotes e Lava-Jato, que se baseiam em depoimentos, colaborações premiadas, mensagens de e-mails, anotações em agendas e transferências bancárias, contidos em sentenças, relatórios da Polícia Federal e denúncias do Ministério Público. Parte da legislação supostamente “comprada” não foi identificada totalmente, com o nome do pagador, do “vendedor” do valor e ou mesmo da norma exata que seria negociada. A maioria das regras em discussão se refere a impostos e a isenções fiscais, assunto estratégico no mundo das finanças.

As empresas apontadas como “compradoras” de leis no Congresso são as construtoras Odebrecht e OAS, a siderúrgica Gerdau, o banco BTG Pactual e as montadoras de automóveis Caoa Hyundai e MMC Mitsubishi. Esta última teve dois executivos condenados pela Justiça por corrupção ativa acusados da “compra” da MP 471. À exceção da Odebrecht, que admitiu ter cometido crimes, todas as empresas têm negado participação nos esquemas. O BTG Pactual lidera a lista com R$ 45 milhões, seguido pela Odebrecht, com R$ 27 milhões. Um grupo de lobistas, geralmente contratados por montadoras não totalmente identificadas neste episódio, é suspeito de encaminhar outros R$ 45 milhões para modificar uma medida provisória no Congresso.

Os parlamentares e ex-congressistas apontados como “vendedores” são os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), os senadores Eunício Oliveira (PMDB-CE) e Ciro Nogueira (PP-PI), os deputados Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA) e Duarte Nogueira (PSDB-SP), o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), os ex-senadores Gim Argello (ex-PTB-DF) e Delcídio do Amaral (ex-PT-MS) e o ex-deputado Carlinhos Almeida (PT-SP).

“Vendedores”
Cunha, com R$ 61 milhões, Renan e Jucá, com R$ 28 milhões cada, lideram a lista dos “vendedores” de emendas e mudanças legislativas de acordo com os documentos em poder de investigadores da Zelotes e da Lava-Jato. Eles rejeitam as acusações. Na lista, consta um delator, Delcídio do Amaral, acusado por outro colaborador de exigir e receber propina de R$ 500 mil. Essa informação não foi revelada pelo ex-senador em seus depoimentos à Procuradoria-Geral da República. Os advogados de Delcídio não querem comentar o caso porque a delação do ex-diretor da Odebrecht Cláudio Melo Filho ainda não foi homologada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

A Odebrecht negociou ao menos 19 proposições em andamento no Congresso, de acordo com Melo Filho. Os pagamentos eram feitos em espécie ou em doações registradas à época das votações ou pouco depois delas. Onze parlamentares receberam um total de R$ 27 milhões da empreiteira. Melo afirmou que seu principal ponto de contato era Jucá e o Senado, por isso, ressalvou que talvez alguns repasses para deputados não tenham sido relatados por ele. A dupla Jucá e Renan atuava sempre junta. Muitos repasses destinados ao primeiro eram compartilhados com o presidente do Senado e outros peemedebistas, anotou Melo. Ele contabilizou repasses de R$ 22 milhões a Jucá, valor que era dividido com outros congressistas.

Ataque empresarial
A MP 627 modificava a tributação de lucros no exterior. Foi aprovada em março de 2014. Há a suspeita de que cinco empresas mobilizaram lobistas para fazer alterações na norma, com uso de subornos. A Odebrecht, segundo Melo, injetou R$ 5 milhões para a dupla Jucá e Renan mexer no texto. A PGR aponta que a OAS se valeu da atuação do relator, Eduardo Cunha, a fim de obter benefícios com mudanças no texto — assim como fizera em relação às MPs 450, 575, 600 e 656, e no projeto de lei nº 238/13.


Na denúncia da Operação Zelotes contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, há uma narrativa da atuação de Cunha na mesma MP 627. Neste caso, as montadoras Hyundai e Mitsubishi pagaram R$ 8,4 milhões cada uma para ver emendas inseridas na proposição. Os valores foram repassados à consultoria Marcondes & Mautoni e tinham o ex-presidente como um dos destinatários segundo a acusação. Mas o parecer de Cunha apresentado em 26 de março de 2014, em comissão do Congresso, continha um artigo de interesse das montadoras. “No dia anterior, 25/3/2014, Cristina Mautoni (dona da empresa de lobby) recebeu de Vladimir Spíndola (advogado) a última versão do relatório da MP 627, na qual já constava o inovador artigo 100 inserido pelo relator”, explica a denúncia. A reportagem não teve retorno dos advogados de Eduardo Cunha.

 

 

Correio braziliense, n. 19571, 25/12/2016. Política, p. 2.