Correio braziliense, n. 19573, 27/12/2016. Política, p. 2

Dinheiro extra para fechar o ano

Estados e municípios vão receber na próxima sexta-feira mais de R$ 10 bilhões do governo federal, referente ao valor arrecadado com as multas do programa de repatriação de recursos do exterior. Cenário para 2017 segue sombrio

Por: Azelma Rodrigues e Julia Chaib

 

Endividados e com dificuldades para pagar servidores, estados e municípios terão um respiro neste fim de ano, mas o cenário para 2017 segue sombrio. Após uma série de acertos e muita pressão, os entes federados receberão na próxima sexta-feira mais de R$ 10 bilhões, fruto do dinheiro arrecadado pelo governo federal com as multas do programa de repatriação de recursos do exterior. Mesmo com o repasse, no entanto, a situação deverá continuar crítica. “Será como uma gota d’água”, disse o presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski. Mas, embora com um cenário ainda ruim, especialistas conseguem enxergar um caminho menos turbulento para os prefeitos que assumirão os cargos na próxima semana.

O pagamento da multa seria feito este ano somente aos estados, mas, após pressão, o presidente Michel Temer editou uma norma antecipando o recurso. As prefeituras receberão cerca de R$ 5,5 bilhões na sexta-feira. O dinheiro, porém, diz Ziulkoski, mal vai chegar para pagar compromissos imediatos, como 13º salário e contas de custeio, como água, luz e fornecedores. “O endividamento é muito grande e fruto de acumulação bem antiga de financiamentos sobre financiamentos.” Cerca de 4.950 municípios devem “cerca de R$ 100 bilhões” à Previdência Social, por exemplo, e somente 600 prefeituras estão em dia com o INSS, cita ele.

Para Ziulkoski, o cenário é “terrível”. “O problema maior está nas grandes cidades, cujas prefeituras estão encalacradas e chegando ao fundo do poço, com essa crise conjuntural”, diz ele. Ziulkoski só vê como saída o Brasil voltar a crescer “forte”, a arrecadação geral aumentar “de forma consistente e talvez assim a parte fiscal se estabilize”. Até lá, restará aos novos prefeitos cortar despesas. O presidente da CNM diz ainda que os administradores municipais encontrarão ao assumir no próximo domingo a “emenda 55”, a PEC aprovada pelo Congresso que autorizou o governo federal a congelar gastos pelos próximos 20 anos, corrigindo só pela inflação.

Os estados e municípios viveram neste ano a situação financeira mais crítica das últimas décadas. A crise levou estados, como o Rio de Janeiro, a atrasar salários, com a adoção de medidas ásperas para o funcionalismo. Na última terça-feira, a  Assembleia Legislativa do Rio foi palco de protestos de servidores públicos. As manifestações ocorreram um dia depois da retirada de pauta de três projetos do pacote de austeridade do Rio, que incluía o aumento da contribuição previdenciária e adiava para 2020 o reajuste salarial dos agentes de segurança pública, por exemplo.

Depois de uma série de atos pedindo sua saída, o governo de Luiz Fernando Pezão informou que quita amanhã o 13º salário dos funcionários da ativa da educação — o pagamento de novembro, entretanto, só deve sair em 2017. O repasse incluirá servidores do Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase) do Rio de Janeiro. A assessoria do secretário estadual de Educação, Wagner Victer, não informou o montante nem a quantidade de beneficiários.

No caso dos governadores, porém, o economista Fábio Klein, da Tendências Consultoria, acredita que a situação ruim só tende a piorar, se não houver reformas estruturais profundas. Assim como o governo federal está fazendo, “o ajuste fiscal é necessário, porque você tem receita caindo e as despesas continuam subindo feito bola de neve”, avalia.

O corte de despesas deveria ter sido feito há muito tempo pelos governadores, já que a maioria dos estados apresenta despesas descontroladas, acima das receitas, que seguem em queda porque a atividade econômica não cresce. Por isso, “se não estancar a sangria nas finanças estaduais, a longo prazo será insustentável”, diz Klein.

Apesar do cenário global anuviado, os prefeitos que entram terão uma situação “mais favorável” do que os que saem, acredita Fábio Klein. Inflação em queda, juros também caindo e renegociação de dívidas — que resultará no pagamento de parcelas menores — são fatores de menor pressão para os caixas dos governos municipais, cita o economista.

Com a economia dando sinais de que vai demorar a deslanchar, o economista lembra que estados, e também as prefeituras de grandes cidades só têm como recurso o corte de despesas. O descontrole de gastos é agravado pelo fato de que cerca de 80%  dos municípios brasileiros têm o grosso de suas receitas na repartição tributária (Imposto de Renda e Imposto sobre Propriedade Industrial) do governo federal. “E tais impostos são, altamente, dependentes da atividade econômica, ou seja, sobem quando a economia cresce e caem quando a economia entra em recessão”, explica Klein.

Renegociação

Ontem, o presidente Michel Temer recebeu cumprimentos pelo repasse do montante. Temer encontrou-se com diversos parlamentares. O líder do PRB, Cleber Verde (MA), agradeceu a antecipação do pagamento dos recursos decorrentes da repatriação. O Governo do Distrito Federal espera receber R$ 54 milhões. Além do dinheiro das multas, os governadores tiveram uma vitória na última semana com a aprovação do projeto de renegociação das dívidas dos estados, sem as contrapartidas exigidas, o que foi uma derrota para o governo. Entre as exigências, estavam incluídas congelamento de salários e contratações e o aumento da contribuição previdenciária do funcionalismo, por exemplo.

Outra fonte de recursos para os estados e municípios poderá ser o aumento na conta dos telefones, em cerca de 20% a partir do ano que vem. O valor deverá aumentar devido a uma decisão do Supremo Tribunal Federal de impor a cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre o valor das assinaturas de telefonia fixa ou móvel.

 

A distribuir

Confira o quanto será pago na próxima sexta-feira

 

Total arrecadado com a repatriação

R$ 46,8 bilhões

Multa
R$ 23,4 bilhões

A divisão
Fundo de Participação dos Estados: 21,5% do total. A divisão é feita pela população e o inverso da renda de cada unidade da Federação
Fundo de Participação dos Municípios: 22,5%

Divisão entre municípios segue critérios do FPM: 10% dos recursos vão para capitais, divididos pelo inverso da renda dos estados.  O restante dos recursos é dividido pela população simples

Distrito Federal 
Recebe parte do FPM e parte do FPE

 

Colaborou Denise Rothenburg